Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Mais vale um turista na mão do que dois portugueses a voar


É da praxe. Alguma coisa começa a dar lucro em Portugal e surgem logo uns quantos “especialistas” a arremessar arrazoadas contra a coisa. Seja ela que coisa for, se dá dinheiro há que regulamentar, intervir, estudar, nomear comités e comissões, enfim, estragar. Já dizia Reagan: “Se se mexe, taxa; se se continua a mexer, regulamenta; se pára, subsidia”. Calhou que agora é o turismo, como poderia ser a pegada ecológica dos pauliteiros de Miranda, fosse a coisa rentável o suficiente.

Porque “o turismo causa uma gentrificação de Lisboa” — não perdemos o jeito de Carvalho e Melo; a coisa discute-se sempre das cortes de Lisboa para o resto do país, ainda que muitos dos problemas não importunem os portugueses que vivem para lá da 2ª circular —, porque “as rendas têm aumentado muito”, porque “os lisboetas querem viver no Chiado e não conseguem”, porque “agora que há turistas e animação na Estrela é trendy viver lá e eu quero viver lá, que estou fartinho de ir para Carcavelos, mas quero pagar o mesmo”. E não esquecer também o típico olhar de esguelha para o turista pelintra e de pé rapado que aterra de low cost, compra Zara e vai ao McDonald’s, que nós em Portugal somos finos e só queremos turistas de lenço Hermés ao pescoço, sapato de três salários mínimos no pé e que eructe em francês.

Enfim, justificações as há para todos os gostos. Curioso é que só começaram a surgir assim que o centro das cidades começou a despertar, porque antes disso ninguém queria lá viver. O caso do Porto é paradigmático, e ilustra bem o deserto urbano que era o centro da cidade. Recordo-me de visitar o centro do Porto quando era criança. Íamos ver a iluminação de Natal, porque fora isso não havia nada para fazer no centro. Literalmente nada, com excepção da ida ocasional para celebrar os campeonatos do FC Porto ou para comprar ferragens e parafusos de quando em vez na rua do Almada. A Baixa era um espaço degradado, sujo, onde pernoitavam sem-abrigo e deambulavam outros indivíduos que tal. As suas gentes eram as mesmas de há 50 anos, porque ninguém novo queria ir viver para a Baixa. E não era por ser inacessível, muito pelo contrário. O preço por metro quadrado na baixa do Porto era muito barato em comparação com as restantes zonas da cidade, equiparado apenas à periferia longínqua. Não havia era procura, pois era na Foz, Boavista, Pinheiro Manso, Campo Alegre, Matosinhos, Gaia ou Leça da Palmeira onde toda a gente queria viver. Em todo o lado, salvo na Baixa.

Há sensivelmente seis anos começou a metamorfose, nada kafkiana, que transformou o centro do Porto. Na Rua da Galeria de Paris, em particular no bar e restaurante com o mesmo nome, juntavam-se meia dúzia de pessoas, que talvez por causa da lei do tabaco acabavam por passar mais tempo fora do que dentro. Os restaurantes na zona, os poucos que existiam, eram baratos. Na pior das hipóteses, o bingo do Salgueiros servia comida gratuita às quartas-feiras, contando que nunca parássemos de jogar, e com sorte a linha pagava os cartões. O fino era de borla — nem um euro, e sítios havia que os cediam (nem vender era) por 60 cêntimos. Aquilo era um espaço simpático, e a dinâmica que se gerava na rua aconchegante. As caras eram já familiares, e de boca em boca a rua foi ficando pequena para tanta gente. Esta fase coincide com a criação do hub da Ryanair no Porto. Começam a chegar também alunos de Erasmus e muitos espanhóis, que vinham ao Porto por causa da la movida, diziam-me.

Seis anos volvidos e eu próprio sinto-me um turista no centro do Porto. A cada semana abre um hotel, um bar, um restaurante, uma loja. Na rua Mouzinho da Silveira estão mais de 4 ou 5 gruas, um objecto quase arqueológico em Portugal. Os prédios, que mantiveram a traça, estão reabilitados, estão habitados. Têm floreiras penduradas. E com flores. Sente-se vida. Centenas de turistas vindos de todo o mundo atravessam a baixa da cidade, da Ribeira para os Aliados, dos Aliados para os Reis, dos Reis para o Douro. Os tuk tuks também, pois claro. As pessoas procuram apartamentos, lofts e casas na baixa. Hoje, um casal jovem de 30 anos vive perto dos moradores do bairro da Sé ou de Miragaia, com quem partilham as ruas, os transportes públicos e os cafés. Dantes, não havia quem quisesse viver junto da Sé, incluindo alguns dos que lá viviam.

Esta transformação deveu-se em grande parte ao turismo, assim como à alteração da lei das rendas, à forma como Portugal se publicitou no exterior (convidar o vencedor do Master Chef para provar uma francesinha e divulgar no Instagram e Facebook é certamente mais eficaz do que criar cartazes e neologismos pelintras com a palavra Allgarve), à Ryanair e, claro, à austeridade, que colocou a palavra “Portugal” nas manchetes de todos os jornais do mundo. O Estado saiu da frente e a obra nasceu. O turismo ressuscitou o centro do Porto, dinamizou-o. O turismo representa 10% do PIB e metade (50%) das exportações de serviços.

Mas, mais importante do que tudo isto, o turismo trouxe um propósito à vida de muita gente. Não daqueles que ganham a vida a comentar sobre o turismo, mas daqueles que vivem melhor por causa do turismo, e daqueles que vivem melhor por causa da nova vida que o turismo trouxe a um centro desertificado. E esses estão certamente agradecidos aos turistas que nos visitam. Eu, que não vivo do turismo, estou. Antes dois dinamarqueses e uma neozelandesa nas ruas do Porto do que 10 “peritos” portugueses em urbanismo a enunciar as maleitas do turismo.
[Mário Amorim Lopes, Observador]

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