Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Uma cidade chamada Porto

Resolvi dedicar o último fim-de-semana à aventura. Primeiro, pensei no Nepal e na Patagónia. Acabei por alugar um apartamento na Baixa do Porto, a dez quilómetros cá de casa. Nunca o tinha feito. Ainda bem que o fiz. Encontrei uma cidade nova e, para mim, desconhecida. Defeitos? Por onde começo? Há imensos turistas. Há imensas lojas "giras" que vendem tralha para turistas, de galos de Barcelos estilizados a discos de fado genérico e repelente. Há imensos restaurantes de qualidade e preço e estética variáveis. Há alojamentos ditos de "charme" por toda a parte. Há o custo de um café ou de um croissant no Majestic, que se julga o Rainbow Room. Há pastelarias ancestrais transformadas em páginas da Architectural Digest. Há bares com espanhola frequência (nos dois sentidos). Há gente e barulho nas ruas até de madrugada.

Virtudes? Quase todas as descritas acima. Há meia dúzia de anos, ia-se ao Porto com o tipo de disposição antropológica que motivaria uma visita a Detroit: mal o Sol se punha, não se via vivalma ou viam-se almas evitáveis; os estabelecimentos eram escassos e decrépitos; incontáveis edifícios estavam lacrados a tijolo e prontos para o abate; o abandono parecia irremediável. De repente (?), nasceu ali - desculpem lá - um "destino de viagem" a sério. Houve um momento, sábado à tardinha, em que atravessei o Largo de São Domingos e, com provável exagero, decidi que poucos lugares na Europa seriam capazes de derrotar aquele cenário. É verdade que abundavam os clichés, da brisa morna às esplanadas cheias, do trompetista "espontâneo" à confusão de línguas (salvo seja), da conversão de negócios falidos às fachadas "reabilitadas" e lindas. Abençoados clichés: eu não podia estar melhor. E o melhor é que podia, bastando para tal descer à Ribeira e, de caminho, jantar na Adega de São Nicolau, que não precisou do recente despertar portuense para ser, sempre, perfeita. A título de digestivo, o Douro à noite.

O casal de amigos lisboetas nados ou adoptivos que me acompanhava andou dois dias de boca aberta. Eu também, e não só por culpa das empadas da Ribeiro, do bife tártaro do Reitoria ou das tripas d"O Buraco (uma humilde divindade com placa de homenagem a Pires Veloso e ao 25 de Novembro no interior). O Porto que imaginavam não se assemelhava em nada à realidade. Não sei porquê, ou prefiro não saber, mesmo hoje as televisões teimam em servi-lo suburbano e rude, exclusivamente habitado por laparotos cujo único tópico de conversa é a bola ou os "temas" sugeridos pelos repórteres dos "telejornais". É como se se mostrasse Lisboa apenas através de Chelas. Ou do dr. Costa.

Se insistirem em felicitar o principal responsável por tudo isto, adianto que não foi nenhum dos pensadores da Porto 2001, ou do Euro 2004, ou de qualquer dos "desígnios" com que os partidos prometem regenerar a plebe e cumprem a regeneração das finanças dos comparsas. O destacado "autor" deste Porto não está na toponímia ou na estatuária local, chama-se Michael O"Leary e é presidente da Ryanair, a companhia aérea que em 2009 plantou uma base em Pedras Rubras e liga directamente a cidade ao mundo. Os restantes responsáveis foram os pequenos, médios e grandes investidores privados, a tradição comercial tolhida por décadas de paternalismo e enxovalhos estatais e que, face à oportunidade e a certa liberdade, acordou. E a Airbnb. E a Booking.com. E, imaginem, a Uber.

Claro que o "renascimento" não é necessariamente definitivo nem se livra de sombras e ameaças. Os poderes públicos, municipais ou centrais, são peritos em "intervir" (espatifar, em português) no que funciona graças à sua relativa omissão. Além disso, temos uma inclinação suicida para ouvir vozes clinicamente alérgicas ao sucesso alheio - quando o sucesso alheio resulta mais do trabalho que da proximidade a quem decide. Já paira no Porto o tipo de "argumentos" avessos ao "excesso de turistas" (bonito é o abandono), à "massificação do comércio" (bonitas são as falências), à "gentrificação do centro" (bonita é a pobreza), à "descaracterização da zona histórica" (bonitos são os graffiti) e ao diabo a quatro (bonitos são os impostos, e os limites à circulação, e o "investimento" em delírios, e a arrogância dos políticos, e as trapaças de autoproclamados "activistas").

O Porto, sendo o Porto, tem tudo para correr bem. Sendo português, não falta o que pode correr mal. [ALBERTO GONÇALVES, aqui]


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