Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Por dentro do III Reich (*)

(*) - daqui

Memórias de Albert Speer, o célebre arquitecto de Hitler, têm agora edição portuguesa. Foi um dos poucos líderes nazis não executados por ordem do Tribunal de Nuremberga, graças à defesa que incluiu alusão de desconhecimento do Holocausto e certo arrependimento.

Albert Speer durante o julgamento de Nuremberga que lhe valeu 20 anos de prisão.

Como sublinha o historiador Rui Ramos no prefácio a estas Memórias, Albert Speer foi um nazi, aderindo ao partido de Adolf Hitler ainda antes desde ter chegado em 1933 ao poder na Alemanha. Com 40 anos no momento do início do Julgamento de Nuremberga, evitou graças a uma defesa inteligente a pena de morte apesar de ter sido o grande arquitecto ao serviço do nazismo e ministro do Armamento e de Produção de Guerra do III Reich. Cumpriu 20 anos de prisão em Spandau e ganhou a aura de ter sido "o nazi que pediu desculpa", como o baptizou um documentário britânico. Agora publicado pela Crítica em Portugal, a obra autobiográfica data de 1969 e é provavelmente o mais importante livro de memórias sobre a Alemanha Nazi. O DN pré-publica o capítulo XXXV, o final, intitulado "Consequências", aquele em que Speer descreve o momento em que sabe ter escapado à pena capital, que era pedida pelo procurador soviético. O livro é um valioso contributo para se tentar perceber o que levou tantos milhões de alemães a seguir o nazismo, mas deve ser lido com a consciência de as palavras serem de um homem que escrevia para a História e que quis deixar claro que sabia do Holocausto menos do que seria suposto em alguém tão próximo do Führer, mesmo que a indústria que tutelava beneficiasse do trabalho escravo. Nascido em 1905 em Mannheim, Speer morreu em 1981 em Londres.
Leonídio Paulo Ferreira

PRÉ-PUBLICAÇÃO

Os acusadores tomaram a palavra pela última vez. Com as suas alegações, encerrava-se o julgamento. A nós só nos restava declarar as últimas palavras. Iam ser integralmente transmitidas pela rádio e, por isso, tinham um significado especial: era a nossa última oportunidade de falar em público e de mostrar ao povo alemão que nos tínhamos desviado do caminho para sair daquele dilema. Para fazê-lo, precisávamos de reconhecer a nossa culpa e expor claramente os crimes do passado.

Aqueles nove meses marcaram-nos profundamente. Até Göring, que iniciara o julgamento com o agressivo objectivo de se justificar, falou, na sua última intervenção, dos graves crimes descobertos e condenou os terríveis assassínios em massa, que considerou incompreensíveis. Keitel assegurou que escolheria a morte antes de se deixar envolver em tais atrocidades. Frank falou da culpa que Hitler e o povo alemão carregaram sobre si. Preveniu os obstinados contra «o caminho da loucura política que conduz necessariamente à degeneração e à morte». Embora o seu discurso tenha soado um pouco exaltado, correspondia ao meu ponto de vista. Até Streicher condenou o «genocídio dos judeus» que Hitler levara a cabo. Funk falou dos crimes horríveis que o enchiam de profunda vergonha, Schacht ficou «consternado com as atrocidades sem nome que tentara evitar», Sauckel mostrava-se «abalado até às profundezas da sua alma pelos crimes que haviam sido revelados durante o julgamento», Von Papen declarou que «as forças do mal se mostraram mais poderosas do que as do bem», Seyss-Inquart falou de «excessos horríveis» e Fritzsche declarou que «o assassínio de cinco milhões de seres humanos constituiu um aviso terrível para o futuro». No entanto, todos eles negaram ter participado naqueles acontecimentos.

De certa forma, as minhas esperanças concretizaram-se. Em grande parte, a culpa legal fora concentrada em nós, os acusados. Naquela época infeliz, além da depravação humana, entrou, pela primeira vez na História, um factor que distinguia aquele regime despótico de todos os anteriores e que adquiria mais importância no futuro. Na qualidade de representante máximo de uma potência tecnicamente muito desenvolvida que acabava de usar todos os meios que tinha ao seu alcance contra a Humanidade, sem escrúpulos ou inibições, tentava não só admitir estes factos, como também compreender o que acontecera. Quando tomei a palavra pela última vez, disse: «A ditadura de Hitler foi a primeira de um Estado industrializado nos tempos da tecnologia moderna, uma ditadura que, para exercer o domínio sobre o próprio povo, foi capaz de aperfeiçoar o uso de todos os seus meios técnicos [...]. Através dos frutos da tecnologia, tais como o rádio e o altifalante, oitenta milhões de pessoas puderam ser submetidas à vontade de um único indivíduo. O telefone, o telex e o rádio permitiram transmitir sem demora as ordens ditadas pela hierarquia suprema aos órgãos inferiores, sendo cegamente obedecidas devido à sua elevada autoridade. Assim, inúmeros gabinetes e unidades militares receberam directamente as suas ordens sinistras. Tornou-se possível criar uma extensa rede de vigilância da população e alcançar um elevado grau de confidencialidade dos atos criminosos. Para alguém de fora, talvez este aparelho estatal se pareça com os fios emaranhados, aparentemente sem sentido, de uma central telefónica. Mas, tal como a central, podia ser gerido e dirigido por uma única vontade. As ditaduras de outros tempos precisavam de homens de grandes qualidades até em postos inferiores, homens que pudessem pensar e agir por conta própria. O sistema autoritário da era tecnológica pode prescindir deles. Os meios de telecomunicações permitem mecanizar o trabalho do comando inferior. A consequência de tudo isto é um tipo de homem que se limita a obedecer a ordens sem as questionar.»

Os actos criminosos daqueles anos não se ficaram apenas a dever à personalidade de Hitler. A enormidade daqueles crimes também aconteceram pelo facto de Hitler ter sido o primeiro a poder usar os meios da tecnologia para os multiplicar.

Pensei nas consequências futuras de um poder político sem restrições que actuasse em cumplicidade com a tecnologia, deixando-se assistir, mas também dominar por ela. Essa guerra, disse, teria terminado com a utilização de foguetes teleguiados, aviões supersónicos e bombas atómicas, e também havia a perspectiva do uso de armas químicas e bacteriológicas. Dentro de cinco ou dez anos, um foguete atómico manipulado por uma dúzia de homens poderia aniquilar um milhão de seres humanos no centro de Nova Iorque em poucos segundos, bem como propagar epidemias e destruir colheitas através de guerras químicas. «Quanto mais o mundo se torna tecnologicamente avançado, maior é o perigo. [...] Como antigo ministro de um armamento altamente desenvolvido, é meu último dever, declarar aqui, que uma nova grande guerra acabaria por destruir toda a cultura e civilização humana. Nada impediria uma tecnologia e uma ciência que tivesse escapado ao nosso controlo de consumar o trabalho de aniquilação do ser humano iniciado já nesta guerra de uma forma tão terrível.»

Albert Speer e Hitler, uma relação que durou mais de uma década.

«O frequente pesadelo» - continuei - «de que, algum dia, os povos possam chegar a ser dominados pela tecnologia esteve prestes a realizar-se sob o sistema autoritário de Hitler. Todos os Estados do mundo correm hoje o risco de cair sob o terrorismo da tecnologia, embora numa ditadura moderna este perigo me pareça inevitável. Portanto, quanto mais tecnologicamente avançado o mundo se torne, mais será necessário, em contrapartida, que se promova a liberdade individual e o respeito pela dignidade de cada ser humano. [...] Por isso, este julgamento deve ajudar a estabelecer as regras fundamentais em que se baseia a coexistência humana. Qual é a importância do meu próprio destino, depois de tudo o que aconteceu e perante um objectivo tão sublime?»

Considerando o desenvolvimento do julgamento, a minha situação parecia-me desesperante. A minha última frase não foi de modo algum uma expressão puramente retórica. Dava a minha vida por terminada.

O tribunal retirou-se por tempo indefinido para deliberar sobre a sentença. Esperámos quatro longas semanas. Durante esse tempo de tensão quase insuportável, esgotado após os oito meses de tortura mental do julgamento, estive a ler o romance de Dickens sobre a Revolução Francesa, História de Duas Cidades. Relata a forma como os prisioneiros na Bastilha esperavam o seu destino incerto com serenidade e até mesmo alegria. Eu, pela minha parte, era incapaz de sentir essa liberdade interior. O representante soviético da acusação pedira a pena de morte no meu caso.

A 30 de Setembro de 1946, vestidos com os nossos fatos acabados de engomar, sentámo-nos pela última vez no banco dos réus. O tribunal decidira poupar-nos à presença dos repórteres fotográficos e operadores de câmara durante a leitura dos acórdãos. Os grandes holofotes que anteriormente iluminaram a sala de audiências, para que cada movimento nosso pudesse ser registado, foram desligados. A sala ficou com um aspecto especialmente sombrio quando, à entrada dos juízes, os arguidos, advogados de defesa, procuradores, observadores e jornalistas se levantaram, pela última vez, em sua honra. Como em todas as outras sessões, o juiz presidente, lorde Lawrence, fez uma vénia em todas as direcções, incluindo na nossa, os arguidos. Tomou então o seu lugar.

Os juízes foram-se substituindo. Durante várias horas, leram, num tom monótono, o capítulo indubitavelmente mais atroz da história alemã. Pareceu-me que, pelo menos a condenação dos líderes, aliviava o povo alemão da sua culpa jurídica. Se Baldur Von Schirach, que, durante anos, foi o chefe da Juventude Hitleriana, ou Hjalmar Schacht, ministro da Economia de Hitler, que chefiara originalmente a produção de armamento, fossem absolvidos da acusação de terem preparado e levado a cabo uma guerra de agressão, como é que se poderia culpar qualquer um dos soldados ou as mulheres e crianças por isso? Se o grande almirante Raeder e o tenente de Hitler, Rudolf Hess, fossem absolvidos da acusação de terem participado em crimes contra a Humanidade, como se podia então, em termos legais, responsabilizar qualquer técnico ou trabalhador alemão por isso? Além do mais, esperava que o julgamento exercesse uma influência direta na política de ocupação das potências vitoriosas: não poderiam agir contra o nosso povo da mesma forma que acabavam de definir como criminosa. Pensava, sobretudo, no ponto que constituía a principal acusação contra mim: o trabalho forçado.

Seguiram-se as considerações sobre cada caso individual, embora sem dar a conhecer a sentença. As minhas actividades foram fria e objectivamente expostas, em perfeita harmonia com o que eu declarara durante os interrogatórios. Fui censurado pela minha responsabilidade na deportação de operários e por ter combatido os planos de Himmler unicamente com base na produtividade, por ter usado sem hesitação os prisioneiros dos seus campos de concentração e insistido em colocar os prisioneiros de guerra soviéticos a trabalhar na indústria de armamento. Também fui acusado de ter ignorado considerações humanitárias e éticas na formulação das minhas exigências e contribuído, assim, para a implementação do trabalho forçado.

Nenhum dos arguidos, nem sequer os que só podiam esperar uma sentença de morte, perdeu a compostura durante aquela leitura. Ouviram em silêncio, sem qualquer sinal percetível de agitação. Ainda hoje, me parece inconcebível que tenha sido capaz de resistir àquele julgamento sem me desmoronar, e ouvido a leitura dos acórdãos conservando simultaneamente uma certa capacidade de resistência e autocontrolo, embora dominado pelo medo. Flächsner sentia-se demasiado optimista:

- Com esses acórdãos, talvez só lhe imponham quatro ou cinco anos!

No dia seguinte, antes de as sentenças serem proferidas, nós, arguidos, vimo-nos pela última vez. Encontrámo-nos na cave do Palácio da Justiça. Iam entrando, um a um, num pequeno elevador e já não voltavam. Lá em cima, proferiam-se as sentenças. Por fim, chegou a minha vez. Subi acompanhado por um soldado norte-americano. Abriu-se uma porta e encontrei-me num pequeno estrado na sala de audiências, diante dos juízes. Entregaram-me um auscultador. Soaram-me estas palavras aos ouvidos:

- Albert Speer, condenado a vinte anos de prisão.

Vários dias depois, assinei a sentença. Renunciei a formular um pedido de clemência às quatro potências. Qualquer pena era insignificante em comparação com a catástrofe que trouxemos ao mundo. «Porque há coisas» - escrevi no meu diário várias semanas mais tarde - «pelas quais se é culpado mesmo quando possam ser desculpadas, simplesmente por a enormidade do crime ser tão desmesurada que anula qualquer desculpa humana.»

Hoje, um quarto de século após aqueles acontecimentos, não pesam só na minha consciência os crimes em particular, por muito graves que sejam. O meu fracasso moral só pode concretizar-se em detalhes concretos. Ficará sempre a colaboração nos acontecimentos gerais. Não só fiz parte de uma guerra de cujo objetivo de domínio mundial nunca pudemos duvidar no nosso reduzido círculo de líderes, como também, através dos meus esforços e habilidade, a prolonguei por muitos meses. No alto da cúpula da nova Berlim, jaz, precisamente, a esfera do mundo que Hitler ambicionava possuir, não só em termos simbólicos. O outro lado da sua pretensão era a subjugação das nações. Eu sabia que a França devia ser relegada ao estatuto de pequeno Estado, enquanto a Bélgica, os Países Baixos e mesmo a Borgonha iriam ser anexadas ao Reich de Hitler. Sabia que a entidade nacional dos polacos e russos iria ser desintegrada e que iriam ser reduzidos à escravatura.


E, para quem quisesse ouvir, Hitler nunca fez segredo da sua intenção de exterminar o povo judeu. Deixou isso claro no seu discurso de 30 de Janeiro de 1939. Embora nunca tenha concordado totalmente com ele, projectei obras e produzi armas que serviam os seus propósitos.

Durante os vinte anos seguintes da minha vida, fui vigiado na prisão de Spandau por cidadãos das quatro nações contra as quais eu organizara a guerra de Hitler. A partir daquele momento, eles e os outros seis prisioneiros foram a minha única companhia. Através deles, conheci de forma directa o efeito das minhas actividades. Muitos tinham perdido alguém na guerra. Os guardas soviéticos, em especial, tiveram a lamentar a morte de parentes muito próximos, pais ou irmãos. Mas nunca me atiraram à cara a minha culpa pessoal, nunca ouvi uma palavra de censura. Numa altura em que a minha existência estava em ruínas, e apesar dos regulamentos da prisão, em contacto com aqueles homens simples, descobri sentimentos que não se tinham alterado: simpatia, companheirismo e compreensão... Na véspera da minha nomeação como ministro, encontrara-me com alguns camponeses na Ucrânia que me salvaram das queimaduras do gelo. Na altura, só me senti comovido, mas não cheguei a compreender nada. Agora, depois de tudo já ter passado, esquecendo velhos antagonismos, recebi novas provas da bondade humana. Agora, por fim, quis compreender. Este livro também tenta fazê-lo. «Esta catástrofe», escrevi em 1947 na minha cela, «revelou a vulnerabilidade do sistema da civilização moderna, edificado ao longo dos séculos. Sabemos agora que não vivemos num edifício à prova de terramotos. O aparelho complicado do mundo moderno pode, mediante impulsos negativos mutuamente crescentes, decompor-se de forma irremissível. Nenhuma vontade humana poderia deter esta evolução se o automatismo do progresso desse outro passo na sua marcha até à despersonalização do homem e o privasse cada vez mais da responsabilidade pelos seus próprios actos.» Durante os anos cruciais da minha vida, coloquei-me ao serviço da tecnologia, deslumbrado com as suas possibilidades. No final, já não me resta mais nada além do cepticismo.

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