Na quinta-feira, durante um programa vespertino da RTP1, o momento de culinária assinalou o Dia de África (?). Um cozinheiro, não sei se habitual ali, preparou uma muamba, não sei se de galinha. A ousadia despertou a indignação, aliás fácil, da ex-deputada do Livre Joacine Katar Moreira, que irrompeu no Twitter a lembrar que a “desfaçatez” é a “forma portuguesa de estar no mundo”. E isto porque, no entender da dra. Joacine, a celebração da gastronomia africana implicaria a presença de um cozinheiro negro, “de Angola ou da Guiné, por exemplo”, e não o caucasiano em causa. O racismo é de facto sistémico: mesmo limitadita a 240 caracteres, a dra. Joacine conseguiu ser sistematicamente racista.

Desde logo, o que garante à dra. Joacine que o tal cozinheiro não é africano, e em particular angolano ou guineense? A densidade de melanina? Pelos vistos, a pertença em questão não se prende com a naturalidade, a nacionalidade ou outras farofas, e sim com o indispensável critério da cor da pele. Ou seja, só é de África quem for negro, postulado tão bonito quanto o que declara que só os brancos se podem declarar europeus. Ainda mais bonito é que a “africanidade” nem exige qualquer ligação a África, conforme comprovam os inúmeros “afro-americanos” que nunca puseram ou tencionaram pôr os pés no referido continente. Elon Musk, que nasceu na África do Sul e é um autêntico “afro-americano”, não é assim considerado por ninguém. Os negros dos EUA, incluindo os que odeiam a designação, são assim considerados por toda a gente.

(daqui)

Além de linda, a ideia de atribuir uma geografia à raça e uma raça à geografia evoca períodos radiosos da História: cada um no seu lugar de acordo com as suas “características”, não é verdade? A dra. Joacine, que veio da Guiné em criança, deve ter uma raiva danada, e justificada, à dra. Joacine, que há 33 anos teima em ficar num país que não é o delas – para cúmulo um país de gente capaz da desfaçatez de a eleger para o parlamento, instituição talvez originada na Grécia e portanto alheia às tradições que a dra. Joacine tanto deseja preservar. Estou seguro de que, para a dra. Joacine, a apropriação cultural cometida pela dra. Joacine é uma coisa medonha, e não admira que a dra. Joacine depressa enxotasse a dra. Joacine da Assembleia da República. A pureza acima de tudo.

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