Pela sua lei, só vale a prova fumegante no combate ao crime económico. Os arguidos têm de ser indiciados por documentos claríssimos, por testemunhas fulminantes, por uma relação directíssima entre a vantagem e o pagamento.
O juiz Ivo Rosa fez um pré-julgamento da acusação do processo Marquês, em tribunal singular e pelo seu código penal e de processo penal. Pela sua lei, só vale a prova fumegante no combate ao crime económico. Os arguidos têm de ser indiciados por documentos claríssimos, por testemunhas fulminantes, por uma relação directíssima entre a vantagem e o pagamento.
No que respeita ao combate à corrupção, o seu código está demasiados anos atrasado. Ontem por exemplo, ficámos a saber que a prova de alguns crimes de corrupção teria de ter o conforto de uma declaração irrefutável do ex-ministro Mário Lino, ou do ex-secretário de estado Paulo Campos. Ou de funcionários dependentes de uma relação directa com alguns dos arguidos.
São estas as testemunhas que Ivo Rosa considerou credíveis ao longo da apreciação que fez da prova de corrupção. Pelo seu manual, para provar corrupção, seria necessário ter meios especiais de investigação aplicados a lugares e momentos muito especiais. Seria necessário meter escutas na presidência do Conselho de Ministros ou em cimeiras entre chefes de Estado.
Ivo Rosa só não tirou a José Sócrates os crimes que não conseguiu. O mundo do juiz é angelical. Não contempla a possibilidade de certos pactos de silêncio e conveniências recíprocas se fazerem sem rasto, sem fumo ou sussurro. Vive naquele mundo típico em que não há corrupção se não a podermos ver. E reivindica uma relação de fusão alquímica, digamos assim, entre a sua consciência e os valores fundamentais do direito e da pessoa humana. Como se todos os outros fossem um bando de populistas, sequiosos de uma justiça penal totalitária.
Na verdade, ao fazer um pré julgamento da acusação, dos indícios e das motivações do Ministério Público, ao fazê-lo sozinho, quando grande parte do que disse ontem sobre os indícios corresponde a um debate que deveria ser feito em julgamento e perante um tribunal colectivo, Ivo Rosa colocou-se numa esfera de mais do que duvidosa legalidade.
No fim, foi penoso ver como se viu obrigado a aplicar a doutrina Al Capone, ainda que não em sede de crimes fiscais mas de outro igualmente relacionado com o dinheiro, como o branqueamento. Viu-se obrigado a pronunciar Sócrates pela mais fumegante da prova e, ao mesmo tempo, brutalmente indiciária por inferência, que está na entregas de 1,7 milhões de euros por parte de Carlos Santos Silva ao ex-primeiro-ministro. Não teve como fugir à evidência dos famosos ‘documentos’, ‘fotocópias’, ‘livros’, forma encapotada de fazer chegar o dinheiro em numerário a Sócrates. E não teve como não enquadrar este comportamento na evidente prática de um crime de corrupção, claro que, pelo seu código, sem qualquer evidência de contrapartida. Aí, teria de aceitar a maldita prova indirecta e isso destruiria toda a construção anterior em relação ao Grupo Lena, Venezuela, OPA da PT e Vale do Lobo.
Também se barricou, como seria expectável, na prescrição dos crimes de corrupção, fazendo fé na sua visão absolutamente conservadora, digamos assim, sobre o momento em que começa a contagem dos prazos para a prescrição. A batalha jurídica promete mas não me parece que seja salvífica para Sócrates (ou para Ivo Rosa) nos tribunais superiores. No fim, afinal, prevaleceu o teorema de Al Capone – Sócrates acaba apanhado por crimes alegadamente menores mas com a corrupção a funcionar como crime precedente, no caso do branqueamento. Sócrates, aliás, deu nota da sua insegurança sobre a evolução futura do processo, repetindo à exaustão a tese da cabala política, da perseguição do juiz Carlos Alexandre e dos jornalistas. Os argumentos habituais de quem costuma viver na vida pública a tentar fazer passar por parvos todos os que não aderem à respectiva argumentação. Para já, o que é certo, é que o processo vai entrar em recurso, que Sócrates foi pronunciado para julgamento e que os crimes que aí o levam não são propriamente ‘menores’ para um ex-primeiro-ministro. Desde logo, pela moldura penal do branqueamento, que dá até 8 anos de prisão. Depois, pela indignidade subjacente ao julgamento político que permite. Sócrates era, disse Ivo Rosa, um primeiro-ministro que recebeu um 1.727.398.52 milhões de euros de um amigo, empresário, com vastas relações contratuais com o Estado, que visava um trato corruptivo. Não há notícias que Sócrates tenha negado o trato. Bem pelo contrário. O que dá o tom do puro surrealismo aos que lhe perguntam sobre se será candidato a Presidente da República daqui por uns anos.
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