A maioria absoluta obtida em Janeiro tornou transparente um traço da personalidade de António Costa: o modo sobranceiro como encara todos quantos não pensam como ele. Esta característica, que o acompanha desde sempre, reforçou-se mal foram contados os votos nas legislativas e tem ficado ainda mais visível a cada episódio desta maioria.
A recente entrevista do primeiro-ministro à Visão merece figurar numa antologia da arrogância. A começar no título, digno de um caudilho: "Vão ser quatro anos, habituem-se!"
António Costa confunde maioria absoluta com poder absoluto sem disfarçar o desprezo por quem o contesta. Nem um dos seus ministros, Pedro Nuno Santos, escapa à deselegância deste homem que se comporta como se todos lhe devessem fazer vénias.
No vocabulário que usa e no tom que emprega, parece a entrevista de um autocrata. De alguém deslumbrado pelo poder, que se comporta como se fosse dono da democracia e age com a obsessão de fazer oposição à oposição. Nenhum partido parece obcecá-lo tanto como a Iniciativa Liberal, que Costa acusa de "guinchar", verbo que costuma ser usado para animais, não para pessoas.
Só os mais distraídos ficam admirados com esta falta de nível. Ele sempre foi assim. Quando enviou uma mensagem insultuosa a João Vieira Pereira, actual director do Expresso. Quando, em 2015 numa entrevista à RTP, acusou o jornalista Vítor Gonçalves de ser "porta-voz de Passos Coelho", ano em que também se irritou com uma jornalista da SIC que o questionava no Parque das Nações. Quando pôs fim a uma entrevista à Rádio Renascença, no seu carro, assim que ouviu uma pergunta incómoda. Quando se enfureceu com um idoso que o criticou numa acção de campanha em Lisboa. Quando, num debate parlamentar com Assunção Cristas, foi ao ponto de acusá-la sem o menor cabimento de ser racista. Quando destratou até a sua ministra da Saúde, Marta Temido, numa reunião do Infarmed perante o Presidente da República. Quando chamou cobardes a médicos no fim de uma entrevista. Quando recusou a decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para tornar público um relatório sobre obras públicas municipais, em 2013.
Mais episódios podiam ser recordados. Nada de novo: é apenas Costa a ser Costa. Já era assim quando, após uma vitória do PS nas europeias, rasgou o compromisso com o secretário-geral António José Seguro de não lhe disputar a liderança ao dizer que aquela vitória tinha sido "poucochinha". Assim partiu para a conquista do poder. Após seis anos a depender de outros partidos para governar, hoje exibe a sua verdadeira face.
É fácil vê-lo perder a cabeça, dentro e fora do parlamento. Como há dias vimos, ao ser questionado numa conferência de imprensa sobre o motivo de não ter telefonado a Carlos Moedas, autarca de outra cor política, durante as cheias de Lisboa: "Pergunte-lhe porque é que ele não me contactou, que tive a casa inundada."
No debate do Orçamento do Estado, a 26 de Outubro, virou-se para a bancada da IL, bem ao seu estilo: "Ainda têm de crescer muito, ó meninos!" Agora, à Visão, baixou ainda mais de nível: "Os "queques", quando tentam guinchar, ficam só ridículos."
São declarações que não desqualificam a IL. Só desqualificam o primeiro-ministro. Esta sua arrogância verbal e comportamental, contra quem lhe faz frente, mimetiza os piores tiques de José Sócrates, de quem António Costa foi braço direito no Governo e no PS, ao jeito "quero, posso e mando".
Lamentavelmente para os portugueses, o primeiro-ministro manda muito mal. Manda cada vez pior.
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