Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

O dia em que Salazar morreu pela “segunda vez” by National Geographic PT

É possível que a expressão mais célebre que António de Oliveira Salazar legou ao século XX português tenha sido o seu irredutível “orgulhosamente sós”. Pronunciada em 1965, contra todos os que o pressionavam a abandonar o império colonial, o ditador bate com o punho na mesa. Portugal contra tudo e contra todos, perseguido, incompreendido, estava no seu pensar a ser o único país no caminho certo. Alguns anos mais tarde, esta mesma atitude viria a revelar-se um dos traços de um dos chefes de Estado mais obstinados do século XX. Em circunstâncias que ainda hoje oferecem dúvidas, o homem que liderava os destinos de Portugal perde a lucidez em Agosto de 1968, morrendo dois verões depois.

da cadeira à banheira

A versão oficial do fim político de Salazar é a de que, a 3 de Agosto de 1968, Salazar tinha uma consulta marcada com um calista. O ditador sempre sofrera de graves problemas relacionados com esta maleita e, nos anos de velhice, os calos tendiam a acumular-se. Como tal, eram necessários tratamentos regulares. Por esta altura, com 79 anos e no poder há 35 anos, antevia-se que apenas abandonaria o seu cargo com a morte. Conta-se que nesse dia, enquanto se deixou cair numa cadeira de lona, o assento partiu-se e num revés, Salazar tombou no chão de pedra do Forte de Santo António da Barra, no Estoril, onde residia na altura. O médico notou logo que alguma coisa mudou na disposição de Salazar, mas este insistiu que não se passava nada. 

Na verdade, deve ter sentido uma alteração imediata na sua disposição. Mas chamar médicos implicava sussurros e cochichos de que passava por dificuldades; e como tal, Salazar fez jurar aos médicos e aos seus empregados que nada seria dito sobre o assunto.

Salazar sentado à mesa de trabalho, sobre a qual podemos ver um retrato autografado de Benito Mussolini, na década de 1940. © Bernard Hoffman / Em domínio público

Sabemos isto através do seu biógrafo, Franco Nogueira, político e diplomata que fez a sua carreira dentro do aparelho do Estado Novo. Nogueira, no entanto, era muito próximo de Salazar. Um diplomata de grande capacidade, mas também um devoto salazarista, que, com a morte do ditador e incompatibilidades com Marcello Caetano, viu a sua estrela cair. A ideia de um acidente deste género passa a ideia de um simples azar.

O barbeiro de Salazar, no entanto, alega que o aconteceu foi um desmaio, uma indisposição. O vetusto líder cai no chão, sentindo-se mal. Outra testemunha afirma que afinal, a queda se deu numa banheiraPortanto, tudo é nebuloso. O médico pessoal do Presidente do Conselho saberia do sucedido três dias depois e quis fazer um pequeno exame. Não detectou nada de grave, mas aconselhou uma consulta e exames ao cérebro para perceber se haveria sequelas. Salazar, novamente, recusou. 

O país viria a saber, a 7 de Setembro, que ocorrera uma queda, mas tudo porque, dando tudo pelo bem do país, Salazar ficara até tarde a trabalhar em frente à sua secretária e, dando-lhe o sono, escorregou da sua cadeira de trabalho e feriu-se na queda. Fora feita uma operação no início de Setembro e tudo estava bem.

Na verdade, a única coisa verdadeira em tudo isto era a operação: realizou-se no Hospital de Santa Maria e descobriu um edema cerebral que já lhe causava problemas notados pelos seus ministros. Em várias reuniões de Governo, era comum Salazar estar calado, algo incomum, e apático. Eduardo Coelho, o seu médico pessoal, julgou que a operação resolvera o problema, mas uma semana depois do anúncio ao país, a 16 de Setembro, um acidente vascular cerebral atinge o Presidente do Conselho. Este é o momento irreversível, que podemos apontar como o princípio do fim do Estado Novo: um regime de líder dominador, por norma, cai quando esse mesmo líder morre. Salazar não morre, mas na prática fica um zombie. Debilitado, diminuído, física e mentalmente, é impossível a António de Oliveira Salazar continuar como Presidente do Conselho de Ministros. 

No dia do seu 80º aniversário, a 28 de Abril de 1969, o antigo ditador agradece publicamente os cuidados médicos recebidos nos últimos tempos, sem se aperceber que já não dirige o país.© EM DOMÍNIO PÚBLICO

O poder paralelo

A 17 de Setembro, o Presidente da República Américo Tomás anuncia ao país que um novo homem lidera os seus destinos – Marcello Caetano, que será o timoneiro de Portugal até ao 25 de Abril de 1974.

A escolha foi algo inesperada, porque o catedrático de Direito da Universidade de Lisboa afastara-se do Conselho de Estado em 1968, por razões que nunca explicou muito bem, nem sequer nas memórias que escreveu no exílio. Há quem especule, no entanto, que Caetano, brilhante, inteligentíssimo, e com uma noção do espírito dos tempos mais aguçada do que a de Salazar, há já algum tempo se perfilava para subir de patamar. Aliás, falava-se que, quando o presidente Craveiro Lopes foi afastado por Salazar em 1958, numa altura que o ditador tinha já quase 70 anos, era porque estava a preparar esta sucessão. Américo Tomás concede a Salazar todas as honras de chefe de Estado ainda que não use do poder, e isto inclui uma farsa que durará até à sua morte.

Encenam-se conselhos de ministros falsos perante o debilitado ditador de Santa Comba Dão. Os ministros falam dos seus afazeres como se pedissem a Salazar opiniões, como se dele recebessem ordens. Há o poder real, que Caetano exerce, tentando afastar Portugal do isolamento que Salazar criara; e há um jogo de aparências montado para agradar a quem controlou durante quatro décadas os destinos da nação e cuja palavra pode ainda levar alguns mais fiéis e irrevogáveis a agir. 

Marcello Caetano toma posse no no 28 de Setembro de 1968 no Palácio de São Bento, onde Salazar virá a falecer menos de dois anos depois.© EM DOMÍNIO PÚBLICO

A farsa chegou a tal ponto que se chegou a produzir um exemplar único do Diário da República apenas para consumo de Salazar, lendo as leis fictícias que fizera aprovar nas reuniões. Quando é entrevistado por um jornalista francês, em 1969, comenta a realidade francesa e De Gaulle, mas nada fala do seu país. O que diz é uma ficção. Menciona-se Marcello Caetano e Salazar apenas comenta que foi seu ministro, mas que já não está em funções. 

O anúncio da morte

A decadência do velho líder é cada vez mais gritante e só os mais crédulos a negam. Aliás, quando este morre e o mundo sabe através da Emissora Nacional, a mensagem transmitida é uma gravação, não um directo. O elogio à craveira e legado intelectual de Salazar é o grande foco, chorando a História de Portugal a morte de um dos seus maiores. No entanto, esta não é apenas uma narrativa rocambolesca. As suas consequências foram bem reais. Afinal, Tomás manteve as regalias de Presidente de Conselho e os tratamentos às consequências do AVC foram pagos pelo Estado. Segundo documentos publicados pelo Expresso em 2010, a doença e a sua monitorização custou aos portugueses 1,5 milhões de euros. 

Quando expira na manhã de 27 de Julho, no palacete de São Bento, é como se morresse uma segunda vez. Quatro dias de luto nacional e exéquias com toda a pompa no Mosteiro dos Jerónimos. É transportado num comboio especial até à sua terra natal do Vimieiro, onde é enterrado. Quatro anos depois, a sua obra maior tomba perante a estratégia militar e a vontade da população a 25 de Abril.


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