Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Datas com História: 22 de Dezembro de 1909

As cheias do rio Douro constituem um fenómeno estrutural da história ambiental e urbana do Porto e de Vila Nova de Gaia. Antes de haver barragens, resultavam de um conjunto de factores naturais e humanos: a grande extensão da bacia hidrográfica, o forte declive desde as zonas montanhosas de Espanha até à foz, a rapidez do escoamento, a conjugação de chuvas intensas de Inverno com o degelo, e, já em época contemporânea, a ocupação urbana das margens, que reduziu drasticamente as áreas naturais de absorção. Antes da construção das grandes barragens, o Douro era um rio livre, violento e imprevisível, capaz de passar em poucas horas de um curso navegável a uma força devastadora.

Ao longo do século XIX registaram-se várias cheias de grande magnitude. A cheia de 1860 ficou durante décadas como a referência máxima da fúria do rio, tanto pela altura atingida pelas águas como pelos danos provocados nas zonas ribeirinhas. Contudo, esse recorde seria dramaticamente ultrapassado no final de Dezembro de 1909, numa sucessão de dias que marcaram de forma indelével a memória colectiva da cidade.
Desde meados de Dezembro de 1909 que a chuva caía de forma persistente e intensa em toda a bacia do Douro. A 19 desse mês, chegavam já à capitania do Porto notícias alarmantes vindas da Régua, dando conta de uma subida rápida do nível do rio. Foram reforçadas amarras, avisadas as populações e tomadas precauções, mas o cenário agravou-se de forma imparável. Na madrugada de 21 de Dezembro, a subida tornou-se anormalmente rápida. No Porto, os cais dos Guindais e da Ribeira começaram a ficar submersos; em Gaia, as primeiras barcas afundaram-se ainda durante a tarde. O Douro, sem barragens que o contivessem, obedecia apenas à violência da Natureza.
Na noite de 21 para 22 de Dezembro, um violento temporal, acompanhado de vento sul e chuva torrencial, transformou a cidade num caos. As ruas tornaram-se enxurradas, lojas e caves inundaram-se, árvores caíram, o pavimento levantou-se. O rio engrossou de forma assustadora, atingindo velocidades estimadas entre 10 e 11 milhas por hora e arrastando tudo o que encontrava. Amarras quebraram-se em cadeia, e dezenas de embarcações começaram a soltar-se, abalroando-se mutuamente ou sendo lançadas rio abaixo em direcção à barra.
Foi neste contexto que, a 22 de Dezembro de 1909, há precisamente 109 anos, se produziu uma verdadeira hecatombe naval no estuário do Douro. Entre barcas de carga, iates, vapores, rebocadores e pequenas embarcações tradicionais, o rio transformou-se num cemitério flutuante. Naufragaram ou perderam-se, arrastadas pela corrente ou destruídas contra cais, margens e outras embarcações, dezenas de navios.
Entre as embarcações britânicas, perderam-se o iate “Ceylon”, os vapores “Douro” e “Gascon”, bem como a escuna “Mervíria”. O “Ceylon” esteve perto de um fim trágico quando uma barca carregada de toros de pinheiro se enredou nos seus cabos, sendo salvo apenas pela intervenção corajosa de pescadores da Afurada.
Da marinha mercante alemã, naufragou o vapor “Lintre”, depois de ter ficado envolvido no caos de colisões sucessivas.
De nacionalidade norueguesa, perdeu-se o vapor “Sylvia”, arrastado pela violência da corrente para fora da barra.
A esmagadora maioria das perdas foi, contudo, de embarcações portuguesas, reflectindo a enorme concentração de tráfego fluvial e costeiro no Douro.
Afundaram-se ou ficaram destruídos nas margens do rio os iates “Vaz 1º”, “Vila do Conde”, “Assumpção”, “Camponês”, “Carlos Alberto Costa”, “Diligente”, “Duque de Saldanha” e “Viajante”; os lugres “J. Soares da Costa” e “Vencedor”; as barcas “Amazona” e “América”; as chalupas “Dona Maria” e “Marques 3º”; o caíque “Mendonça”; e os rebocadores “Lírio e Flávio”, “Lusitânia”, “Mars” e “Veloz”. Muitas destas embarcações foram despedaçadas contra os cais, outras abalroaram vapores fundeados, e várias acabaram por sair barra fora, desaparecendo no mar.
O cenário nas margens era apocalíptico. A Praça da Ribeira ficou totalmente submersa, Miragaia, Massarelos e Gaia foram invadidas pelas águas, e mais de mil casas ficaram destruídas, total ou parcialmente.
O nível do rio ultrapassou em cerca de 80 centímetros a marca histórica de 1860. Chegou a ponderar-se a demolição do tabuleiro inferior da ponte D. Luís I para evitar danos estruturais ao resto da sua estrutura. A cidade ficou isolada: sem comboios, sem telégrafos, sem água canalizada e quase sem iluminação a gás.
Os episódios humanos foram igualmente trágicos: homens arrastados em destroços, tripulações presas a bordo de vapores à deriva, pedidos de socorro impossíveis de atender. O rio e a foz estavam cobertos de madeira, tonéis, mercadorias e restos de navios. Apenas a partir de 24 de Dezembro, com o abrandamento da chuva e do vento, as águas começaram a baixar, revelando a dimensão da destruição. O Natal de 1909, no Porto, foi amargo para muitos milhares.

























 

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