Escrito por Paulo Pombo, que também foi matemático, engenheiro, escritor, poeta e jornalista que conduziu os azuis e brancos na enorme conquista do “Campeonato de Calabote”.
Presidente do FC Porto entre 1957 e 1959, Paulo Pombo foi um dos seis audaciosos académicos que em 1936, numa semana, conseguiram reunir 150 pessoas e ressuscitar definitivamente a Tuna e o Orfeão da Universidade do Porto, que desde a fundação (a Tuna em 1891 e o Orfeão em 1912) sofreram diversos colapsos e passaram pelos mais dramáticos problemas de sobrevivência, alimentados unicamente pelo idealismo académico.
Paulo Pombo e Tiago Ferreira foram os principais rostos da revitalização e renovação da Tuna e do Orfeão, e a ligação ao compositor Aureliano Fonseca, outro empenhado estudante (de medicina) e criador da Orquestra do Tango (1936), viria a gerar a canção ainda hoje tida como uma espécie de hino dos estudantes universitários. “Amores de Estudante”, com letra de Paulo Pombo e música de Aureliano Fonseca, está presente em todos os rituais e cerimoniais das Queimas que animam Portugal de lés-a-lés no Maio de todos os eferreás.
Orfeonista, tuno e membro da famosa Orquestra Universitária de Tangos, Paulo Pombo oferece a Aureliano Fonseca um texto mágico e que o compositor potenciou a hino, que já conheceu versões fado-tango, ié-ié, bossa-tango, slow-rock, valsa, surf-tango, punk e, inevitavelmente, house-tango, numa camaleónica convivência com os caminhos musicais mais futuristas, a projetar toda a estatura de “Amores de Estudante”, escrito e composto em tempos jurássicos por mentes visionárias.
Foi de tal ordem o sucesso de “Amores de Estudante”, que, desde 1937 e por decisão colegial, as receitas com a venda da música, entregues ao reitor, ajudaram a formar muitos médicos, engenheiros e advogados. Tocada ao piano, extraída das guitarras dos Xutos ou amarrotada por Quim Barreiros, “Amores de Estudante” a tudo e a todos resiste: é o hino estudantil por excelência. A excelência dos seus criadores, já lá vai quase um século…
Versatilidade excepcional.
Dr. Paulo Pombo nasceu em São Cosmado (Armamar), no distrito de Viseu, a 9 de Maio de 1911, falecendo a 8 de Dezembro de 1991, com 80 anos. Três gerações depois da sua fulgurante passagem pelo meio académico portuense (anos 1930), ainda é referência obrigatória da cultura e nos movimentos académicos ligados às tunas. Apesar da formação validada com excelência nas Ciências Matemáticas e Engenharia (licenciado em Matemáticas, engenheiro geógrafo e civil), foi pela cultura que se afirmou na vida.
Em 1937, foi um dos co-fundadores da revista “Sol Nascente”, publicação de recorte fidalgo num Portugal sombrio editada para elevação do nível cultural da população, que o Estado Novo nunca viu com bons olhos, o que explica a vida curta do quinzenário portuense: finou a 15 de Abril de 1940, quando o poder entendeu esmagar a revista que já atraía livres-pensadores famosos da Europa evoluída e fazia furor no Brasil.
Premiado pelo seu aproveitamento académico, Paulo Pombo foi matemático, engenheiro, escritor, realizador radiofónico, biógrafo, músico, poeta, presidente do Instituto Industrial do Porto, presidente do Instituto Superior de Engenharia do Porto, presidente do FC Porto, diretor de “O Porto”, diretor de “O Primeiro de Janeiro”, colaborador de “A Tarde”, “O Diário Popular”, “O Diário do Norte”, “A Gazeta Literária”, dirigente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, do Grupo de Estudos Brasileiros do Porto, da Associação Cultural Amigos do Porto e da Associação dos Antigos Alunos da Universidade do Porto.
Escritor, poeta e pensador de estilo refinado, esteve mais de 30 anos em contacto semanal com a população portuguesa através da Emissora Nacional de Radiodifusão (Porto), onde escreveu e realizou centenas de programas de literatura, arte, ciência, história, biografia e música. A excecional versatilidade fez dele um dos grandes vultos da sociedade até aos anos de 1980, quando se retirou. Dois dos seus livros foram grandes sucessos editoriais: “A visita de Jesus – Programa de Televisão”, de 1960, e “Antologia de São João no Porto”, de 1971.
“O Porto” erudito
O FC Porto sempre teve em grandes presidentes grandes homens da cultura. Vivendo numa exagerada efusão com as vidas literárias, Paulo Pombo ficou famoso por singulares e concorridas palestras na via pública nos cinco anos em que foi vereador municipal (pelouro da Cultura). Homem das artes e das letras, a nomeação para diretor do órgão oficial do FC Porto, 14 anos após deixar a presidência do clube, trouxe ao jornal “O Porto” uma lufada de ar fresco com a incondicional abertura aos temas culturais.
Deixando claro que o jornal nunca despiria a pele de desportivo e principalmente voz do clube, Paulo Pombo quis que o jornal abraçasse as ocorrências do intelecto e a primeira intervenção não desportiva de “O Porto” dá-se na edição de 11 de Julho de 1974, que dá grande destaque ao desaparecimento de Ferreira de Castro, celebrado autor de “A Selva” e de mais 31 obras que o tornaram num dos escritores mais traduzidos pelo mundo.
A sua enorme bagagem cultural permitiu aos leitores de “O Porto” conhecer histórias assombrosas de vultos portugueses menos conhecidos do grande público, como o poeta António Feijó, que viveu na Suécia e transformou um conto popular nórdico (Litan Karin) no “Romance da Pastora Linda”, o maior destaque do premiado “Sol de Inverno”.
Deve-se a Paulo Pombo a recuperação minuciosa da história do famoso pintor barroco espanhol Diego Rodrigues da Silva y Velázquez, principal artista da corte de Filipe IV, O Próspero, autor de obras mundialmente famosas como Vénus ao Espelho, A Rendição de Breda, O Triunfo de Baco ou As Meninas. Filho do advogado portuense Fernando Silva, radicado em Sevilha e casado com uma andaluza, Velázquez, por pruridos nacionalistas, viu trocada a ordem dos nomes, passando o apelido materno a vincar a ascendência do autor de “Los Borrachos”, uma das obras mais admiradas no Museu do Prado, em Madrid, onde tem espalhada obra profusa.
Do número 928 ao 1092, “O Porto” de Paulo Pombo ofereceu prosas generosas e biografias incomparáveis. Divulgou Tchaikovsky, Goethe, Debussy, Ravel, Beethoven, contou a história da Vénus de Milo e da Estátua da Liberdade. Deixou a direção do jornal em 1977.
Dois anos, dois títulos
Bem-sucedido em todas as áreas, Paulo Pombo foi um presidente do FC Porto com aproveitamento máximo. Dois anos de liderança, dois títulos nacionais: a Taça de Portugal de 1958, com vitória na final sobre o Benfica, e o famoso Campeonato de 1958/59, conhecido como Campeonato-Calabote, o mais sofrido da história do FC Porto, que teve de esperar 12 longos minutos em Torres Vedras pelo final do jogo da Luz, onde o árbitro Inocêncio Calabote, pouco depois irradiado, ofereceu penaltis, expulsões e um indecoroso prolongamento do Benfica-CUF na vã tentativa de permitir aos encarnados mais um golo, que lhes daria o título.
Apaziguador por natureza, Paulo Pombo conseguiu recuperar o renegado Yustrich em 1957/58, mas o brasileiro foi infeliz, acabando o campeonato com os mesmos pontos do Sporting, perdendo o título no goal-average e regressando ao Brasil, sem condições para continuar, depois de se envolver fisicamente com Hernâni.
Foi buscar Otto Bumbel para ganhar a Taça de Portugal de 1958 e, na época seguinte, quando Bumbel começou a deslizar, descobriu o feiticeiro Béla Guttmann, que recuperou cinco pontos perdidos nas primeiras sete jornadas e levou os portistas ao título, naquele massacrante final de campeonato em Torres Vedras.
De elevada estatura moral, Paulo Pombo foi atraiçoado por Guttmann e pelo presidente do Benfica, Vieira de Brito, que não teve escrúpulos em contratar o húngaro no pique da luta pelo título, oferecendo-lhe mais 100 contos (à altura, cerca de 500 euros na moeda atual), e que só teve paralelo na escandalosa jornada final, com o vergonhoso recurso à consciência benfiquista do alentejano Calabote.
Mesmo atraiçoado por Guttmann (soube-o, ou confirmou-o, em sua casa a quatro jornadas do final do campeonato, e é fácil de imaginar o calvário que foi informar a Direção, já que a diligente “A Bola” se encarregou de informar o grande público…), Paulo Pombo, homem reconhecido, ainda prendou Guttmann com um emblema em diamantes, pela conquista do título e, quando o FC Porto o foi buscar 14 anos mais tarde, foi um aliado excecional do “avozinho” arrependido, na condição de diretor do jornal “O Porto”.
África, Pedroto, Onofre e computadores
Casado com Emília Dunkell, irmã do cônsul da Suíça no Porto, Paulo Pombo teve um filho músico, que tantas vezes tocou os seus “Amores de Estudante” nas bandas que integrou (Morgans, Jota Herre), e viveu sempre pela expansão do FC Porto e consagração dos seus grandes heróis.
É da sua iniciativa a segunda grande digressão a África (1958) e as festas de homenagem a José Maria Pedroto e ao ciclista Onofre Tavares, que constam entre as mais brilhantes e inesquecíveis celebrações na vida do FC Porto.
Atento ao mais ínfimo pormenor, muito boa gente se recordará, certamente, de uma bela reportagem em “O Porto”, realizada junto do sector da Contabilidade do clube, para explicar ao povo o que era isso dos computadores, que o FC Porto estreou em 1973, para simplificar as contas.








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