Quando era miúda ele já existia. Imponente junto ao jardim, nunca conheci a cidade com outra paisagem. As polémicas à volta deste prédio eram muitas: umas a favor, outros contra tal e qual como nos dias de hoje. Contava-se que tinha sido embargado várias vezes aquando a sua construção mas o certo é que, dentro da volumetria estabelecida pelo concurso público que lhe deu origem, o “Coutinho” nasceu devidamente licenciado pela Câmara, no terreno do antigo mercado, que tinha sido vendido em hasta pública. Por trás deste, nascera depois, o novo mercado que ali permaneceu durante muitos anos.
Quando soube da notícia da intenção de demolição, fiquei apreensiva. Não se falava em problemas na estrutura, não se falava em perigo iminente dos moradores do edifício, falava-se sim, de demolir por questões paisagísticas! Um milhão de euros será o custo da implosão mas já vários milhões terão sido gastos nas indemnizações aos proprietários das fracções, assim como na construção dos “caixotinhos” onde os realojaram. Curiosamente, os mentores deste “projecto” começaram por dizer que aquele espaço era crucial para a cidade pois pretendiam fazer nascer um centro de eventos. Ironicamente, acabou este por ser construído noutro local sem precisar do “Coutinho” para nada. Entretanto, outro iluminado veio a público dizer que a cidade, em dias de feira era um caos com carros e pessoas entupindo as artérias principais e que era imprescindível tirar o mercado dali, mesmo por trás do “Coutinho”! Levaram-no para o outro extremo da cidade e ali permaneceu até hoje. Mudam-se os tempos mudam-se as vontades e novamente os defensores da implosão, depois da catástrofe económica por demais evidente do centro da cidade em consequência de políticas mais direccionadas com questões paisagísticas, vêm agora dizer que aquele espaço é fundamental para a construção do novo mercado e consequente dinamização de Viana!!
Durante todos estes anos os políticos responsáveis por esta cidade andaram a brincar aos legos, construindo, destruindo, modificando, tirando, alterando não se importando, com essas decisões, pelas vidas das pessoas. Do ponto de vista estético, realmente o Coutinho não está bem ali. Nem ali nem em nenhuma parte da cidade: é grande e não se enquadra numa urbanização que se quer rasteira, junto à margem do rio até à encosta de Santa Luzia. Mas foi aprovado em 1970 assim como outras torres , do lado esquerdo da ponte, já mais recentes, também elas abortos estéticos e das quais, por enquanto ninguém fala. Principalmente depois de uma delas ter tido graves problemas de estrutura e ter inclinado como a torre de Pisa. Pois.
Aqui está em causa, acima de tudo, pessoas: as que moram no Coutinho e os contribuintes, ou seja, nós todos. Aos moradores foi-lhes dito de um dia para o outro que ficariam sem a casa que um dia compraram carregada de memórias de uma vida. É fácil opinar antes do mesmo drama bater às nossas portas. Mas alguém se imagina a ter de entregar ao Estado a sua casa a troco de seja lá o que for e viver noutro lugar qualquer onde não tem raízes ou não se identifica por uma questão meramente de … estética? A revolta é compreensível e a luta deles ainda mais. É uma vida a fugir-lhes pelos dedos sem razão plausível. Por outro lado há as questões financeiras que este projecto implica. Ora, pergunto se depois de tantos sacrifícios impostos pelo governo, todos dirigidos apenas e tão somente ao povo, se é justo que fiquem também a pagar uma implosão, indemnizações e construções milionárias por causa destes visionários da estética?
Por outro lado, não acredito nem um pouco que ao trazer o novo mercado para dentro da cidade, ela volte a respirar a saúde de outros tempos. Não foi só a saída do mercado que matou o coração de Viana. Um centro comercial dentro da cidade e os parques todos pagos incluindo à superfície, afastaram toda a gente do centro. E não é preciso ser-se perito em assuntos económicos para entender que não há veneno mais letal do que estes três ingredientes juntos! Sem mercado, com centro comercial cheio de lojas com descontos ao desbarato, reunindo um só espaço, lazer, compras e restauração, e estacionamentos todos a pagar, os consumidores, preferem, o tudo em um, no conforto dum espaço onde não há chuva nem vento e pagar parque por pagar, pois que seja no shopping onde as compras se fazem mais depressa!
Devolver o mercado ao centro da cidade é imperioso pois depois de tantas más decisões seria uma forma de minimizar os danos já provocados e restituir alguma cor e dinamismo de que a cidade tanto precisa. Mas há alternativas ao Coutinho. Quiçá não ficasse muito mais em conta, realojar as pessoas naquilo que já era delas, no Coutinho, e precisamente no local onde já era o mercado e passou a ser o habitáculo daqueles moradores, readaptá-lo para ali se instalar o mercado. Curiosamente, tem arquitectura que se encaixa perfeitamente e no sítio exacto onde estava o anterior.
O que me parece é que, caso esta implosão siga em frente, estaremos a abrir um precedente no futuro. Estaremos todos a contribuir para que outras iniciativas deste género venham a acontecer não por questões de segurança das pessoas mas tão somente pelo imperioso interesse público que tanto pode ser por uma questão de estética como por interesse de um lobbie.
É preciso recordar que o mesmo ex-ministro do ambiente que ordenou a demolição do Coutinho por questões ambientais, “Engº” José Sócrates, autorizou o Freeport em reserva ecológica provando assim que as políticas mudam-se à mercê dos interesses.
Resistem a isto 14 moradores. A Câmara garante que avança com demolição em Março e tudo isto com o dinheiro de TODOS os contribuintes! Outra vez.
É criminoso.
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