É nosso dever indeclinável não calar, nem evitar a discussão do maior escândalo da história da nossa democracia, independentemente dos equilíbrios político-partidários
que isso possa pôr em causa.
Na última década, o País foi lenta e gradualmente despertando para uma dura realidade: a de que vivemos durante anos sob uma liderança política que se colocou como
um dos vértices de uma gigantesca teia de corrupção, promiscuidade e de abuso de poder. A degradação das instituições, o empobrecimento democrático, a destruição de valor económico com a aniquilação de algumas das maiores referências empresariais do país (o
maior banco privado, a maior empresa em capitalização bolsista), a bancarrota nacional – cujos custos suportados pelos Portugueses não serão esquecidos por muito tempo – e o exercício do poder ao serviço de uma lógica não-democrática de dominação sobre a sociedade,
foram os resultados óbvios e inevitáveis de práticas intoleráveis para uma democracia como aquela em que os Portugueses querem viver.
Entretanto, desde há poucos dias, ainda que não seja muito clara a razão de tal mudança, foi quebrado o silêncio a que este escândalo foi sujeito, a começar por
altos dirigentes do Partido Socialista que estiveram num passado muito recente intimamente envolvidos e comprometidos com a liderança política de José Sócrates, incluindo o atual Primeiro-Ministro, António Costa. Essa intimidade política não terminou numa
época longínqua. Só terminou – e, nalguns casos, nem aí – com a detenção de José Sócrates em novembro de 2014.
Ora, os desempenhos dessas figuras a invocar a vergonha (normalmente, alheia), a ignorância retrospetiva ou a “desonra da democracia”, como ousou dizer o Primeiro-Ministro
no Canadá, não nos impressionam. São politicamente espúrias e eticamente irrelevantes. Porquanto nenhum desses íntimos parceiros políticos de Sócrates, que hoje constituem todo o núcleo duro do atual governo, deputados destacados e outras figuras mais ou menos
públicas, se atreveu a assumir qualquer tipo de responsabilidade própria. Nem por um instante ouvimos qualquer alusão à responsabilidade política – perante o povo português – de quem cooperou, ajudou, participou no projeto político a que subjazia uma conceção
do poder como dominação da sociedade e no contexto do qual foram perpetrados os alegados crimes que constam da acusação a Sócrates. Nem houve sequer uma referência indireta à responsabilidade política de quem por todos os meios recriminou, ofendeu, achincalhou
os que em devido tempo criticaram, admoestaram e exigiram transparência e escrutínio democrático. O que todos juntos ajudaram a construir foi o castelo quase inexpugnável do poder socialista atrás de cujas muralhas, entre outras coisas, se praticaram todos
estes atos que gradualmente o País vai conhecendo e que Sócrates e outros governantes puderam levar a cabo com pouco ou nenhum escrutínio. Assim como não houve qualquer reconhecimento de que, para ser eufemístico, foi cada um deles gravemente falho em julgamento
político dos atos e comportamentos pelos quais foram colegialmente responsáveis. O último recurso desesperado parece agora ser reconhecer que reprovam o homem, mas que se orgulham das políticas desse homem e do projeto político que ele personificou – uma duplicidade
que não resiste a um juízo sério, desde logo, porque tais políticas foram decididas e implementadas no quadro sinistro que hoje todos os Portugueses conhecem.
Por tudo isto, a responsabilidade política democrática destas pessoas que ainda hoje exercem funções públicas em nome do povo português não pode ser escamoteada.
Há poucos dias, António Barreto escreveu que depois de tudo, “… será difícil convencer quem quer que seja que membros deste governo não tiveram nada que ver com
o governo Sócrates…” (“A corrupção e as suas variedades”, DN, 5/5/2018). O que foi verdadeiramente estranho nestes últimos três anos foi assistir, sem que houvesse um pingo de indignação, protesto, vergonha ou contrição, à transferência do núcleo duro do governo
Sócrates para o novo governo apoiado pela Geringonça. São os mesmos. E nenhum deles quer assumir qualquer responsabilidade. Tal como se repetem os sinais do mesmo modelo de governação e conceção de poder, que estes mesmos políticos resolveram retomar desde
o final de 2015, como se não soubessem agir de modo diferente porque a conduta do passado se tornou uma espécie de segunda natureza. Os exemplos não escasseiam: o papel obscuro na governação de um amigo pessoal do Primeiro-Ministro, a interferência arbitrária
na vida interna de empresas privadas, a guerrilha com as autoridades independentes de regulação, a colonização do Estado e da sociedade, os relatórios desfavoráveis que ficam escondidos, a informação sonegada ao Parlamento, a hostilidade ao escrutínio, os
SMS a jornalistas incómodos, o uso despudorado dos meios públicos para propaganda partidária, a subversão das Comissões Parlamentares de Inquérito, e por aí em diante.
Nos últimos tempos tem havido na Europa uma compreensível preocupação com a qualidade da democracia e do Estado de Direito nalguns Estados membros da União. Mas
o que dizer de nós, que mantivemos um regime durante anos a fio que padecia dos mesmos vícios graves – na intromissão na comunicação social privada, na instrumentalização das grandes empresas e banca para fins de domínio político de um partido, na manipulação
do sistema judicial, e por aí fora – e, não obstante, com a impavidez moral e política dos cínicos nos colocamos para exemplo dos outros? Mas sabemos muito bem que isto foi obra de alguns responsáveis, e não de um abstracto “todos” que isenta quem quer que
seja de qualquer responsabilidade.
Os subscritores desta declaração são deputados à Assembleia da República. Somos representantes do povo português. Nessa medida, é nosso dever indeclinável não calar,
nem evitar a discussão do maior escândalo da história da nossa democracia, independentemente dos equilíbrios político-partidários que isso possa pôr em causa, ou dos interesses particulares que possa ferir. Temos uma missão geral de representação que os Portugueses
nos confiaram para que cuidemos do bem público e do interesse comum do País. Neste caso, essa missão é simples: levar até às últimas consequências o apuramento das responsabilidades políticas de todos os envolvidos; contribuir para a regeneração da nossa cultura
política rumo a mais responsabilidade, mais transparência, mais robustez institucional, mais resistência às sucessivas tentativas de infantilização e manipulação da opinião pública, com o recurso sistemático à mentira, à propaganda e à opacidade. Neste cenário,
seria inaceitável e até suspeita a não recondução de Joana Marques Vidal na PGR.
Os Portugueses não esperam menos de nós. E depois de o impensável ter acontecido em Portugal; depois de tudo se ter sucedido e por muito pouco não ter passado completamente
impune; não podemos permitir que tudo isto volte a acontecer. Esse será o resultado mais previsível amanhã se todos nos reduzirmos hoje ao silêncio e à complacência. Chegou, portanto, a altura de falar e de agir.
Este artigo é assinado pelos deputados do PSD: Miguel Morgado, Margarida Balseiro Lopes, Hugo Soares, Duarte Marques e António Leitão Amaro
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