O mistério sobre a liderança de Rui Rio não está nas suas consequências porque essas são, manifestamente, calamitosas, mas nas suas motivações. Eu, pessoalmente, vejo 3 hipóteses para explicar tanto desprezo pelas obrigações e deveres que assumiu e que tanto quis assumir e reassumir.
Primeiro, conivência. Conivência ideológica e de interesses. Río parece acreditar que, ideologicamente, o PSD não difere muito do PS. Ou melhor, só, excepcionalmente, divergirão. O problema é que essa postura pode adequar-se, formalmente, ao nome do Partido, mas, nem de perto nem de longe, se adequa ao seu eleitorado tradicional. E mesmo ao potencial eleitorado, será contraproducente disputar votos a outro partido quando se diz, praticamente, a mesma coisa.
Privilegiando uma suposta doutrina social-democrata, Rio, sem brilho como lhe é peculiar, tenta impingir um equilíbrio “saudável” entre capitalismo e socialismo. Uma espécie de “ideal escandinavo”. Só que esta perspectiva é, também como sempre em Rio, políticamente cobarde, enganadora e ineficiente. Primeiro porque, temerosamente, não tem qualquer rasgo ou arrojo, nem implica qualquer ruptura com o passado recente e reduz as possibilidades de Portugal ao que fomos, somos e havemos de continuar a ser: um País sem sucesso, sem esperança e condenado a pedir para sobreviver.
Depois porque, na realidade, não há qualquer equilíbrio justo entre aqueles dois princípios (capitalismo vs socialismo). Na aplicação prática daquela construção, a ingerência estatal é predominante. O reconhecimento da propriedade e da iniciativa privada são muito mais formais que factuais. Veja-se o caso português que tenta, imbecilmente, caminhar nessa linha há anos. A acumulação de custos (avassaladoramente provenientes de impostos, taxas, contribuições, etc.) tende, inexoravelmente, a conduzir ao fracasso. Pior, a única solução para os empresários é cortar noutro tipo de custos, quase sempre nas remunerações do trabalho. Ou seja, na prática, o Estado para suportar serviços excessivos, mas ineptos, uma redistribuição ineficaz, mas cara e níveis de corrupção altíssimos por força das redes de interesses que aquele sistema fomenta, acarinha e permite, “proíbe” a prosperidade e os salários justos.
E Rio se, pessoal e directamente, pode não participar nessas redes de interesses, protege-as. E tantas e tantas vezes, protege-as acolhendo-as no seu núcleo próximo.
Terceiro, o tal “ideal escandinavo” a existir, assenta muito mais em factores “a priori” como por exemplo, estruturas historicamente funcionais e, principalmente, em condicionalismos genéticos que, propriamente, na ideologia em si.
Segunda possivel explicação para o “desastre” Rio: taticismo. Rio poderia estar à espera (legitimamente) que o PS abandonasse, a curto prazo, o poder. A enorme crise económica causada pela pandemia mas, exponencialmente, agravada por 5 anos de contas “faralhadas”, fazia prever a debandada dos socialistas que não sabem nem querem governar sem dinheiro ou sem acesso a dinheiro. Só que 5 anos de mentiras, 3 anos sem oposição e uma futura injecção de capital europeu, levam a duas realidades: eleitoralmente, só o PS poderia suceder ao PS e porque vai haver dinheiro, já não há qualquer razão par “dar de frosques”.
E qual era o caminho para este taticismo? Um conceito que diz tanto acerca de Rio como diz do nosso eleitorado: “portar-se bem”. O objectivo seria algo como “o Rio, como líder da oposição portou-se bem; foi muito responsável”. E, provavelmente, a sua apreciação do que o nosso eleitorado pretende, até está correcta. Só que essa verdade não deixa de ser quer uma enorme falha no carácter de Rio quer uma enorme deficiência (espero que passageira) no nosso Povo. A confusão entre responsabilidade e “amorfidade” é terrível. Não “levantar ondas”, não escrutinar, não contestar, temer o compromisso, a ruptura e a legítima confrontação, não é ser responsável. Só um País medroso, frágil e sem dignidade consegue ver num carácter “gelatinoso”, sinais de carisma, seriedade ou equilíbrio. Isto além de nos definir, define bem a solução que (cruzes, canhoto) Rio poderia ser: a aposta no que Portugal e os Portugueses têm (transitoriamente, espero) de pior, a aposta na continuidade da nossa desgraça, a aposta num futuro que mais não é que o nosso passado.
A terceira causa para o grotesco comportamento pode ser mais simples. Pode ser, singelamente, inabilidade. Tão só, não conseguir ser mais. E não é uma hipótese tão descabida como isso. Os sinais estão lá todos. E se há sistema político que fomenta a ascensão dos “pobres de espírito” a posições de relevo, o nosso é o melhor exemplo.
(*) Carlos Garcez Osório, aqui
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