Vejo-os na televisão e nos jornais, ouço os seus débeis lamentos nas rádios. Filas espessas de gente submissa, resignada a pagar as estradas que os políticos tinham jurado "que se pagavam a si mesmas". Indecorosamente, o Estado força-os a longas esperas que fazem lembrar as filas que matizavam o Leste europeu antes da queda do Muro de Berlim para conseguirem comprar o aparelho, a única forma de pagar as portagens agora inventadas. Há gente que passou ali a noite. Outros revelam que já lá têm ido dias e dias seguidos mas em vão. E ainda há os que dizem ter chegado ali de madrugada para poderem conquistar as senhas que, ao entardecer, lhes presentearão o privilégio de serem esbulhados electrónica e quotidianamente pelo Estado. Recordo, envergonhado, a imagem de um homem que saiu da loja da Via Verde ostentando um riso que escancarava desmesuradamente a dentadura e agitando o aparelhinho diante das televisões como se tivesse ganho uma medalha de mérito - não percebeu, nem nunca alcançará, certamente, que o seu gesto apenas despertou escárnio por parte de quem manda ao contemplarem como os seus desmandos mais arbitrários são tão pronta e alegremente obedecidos.
O Estado nem se preocupou em disfarçar a sua imensa falta de respeito pelas pessoas. A muito anunciada venda de aparelhos nas estações dos CTT só aconteceu na sexta-feira. Os dispositivos electrónicos esgotaram, desmentindo as profusas declarações prévias dos comissários que o Governo enfiou nas múltiplas entidades que foram cúmplices nesta charada. Um desses "boys" teve até o topete de afirmar que "não estavam a contar com tanta afluência de público"! Ou seja, após anos de ameaças e de muitos meses de preparação ainda não sabiam, nem sequer aproximadamente, quantos automobilistas iriam precisar dos malfadados dispositivos?...
Os políticos da região, mesmo os que ainda protestaram em Junho, abstiveram-se agora de liderar as reclamações. A Comunicação Social nortenha apenas conta com este jornal e com a RTPN como representantes nacionais - o resto, apesar dos seus méritos, é totalmente ignorado de Aveiro para baixo. Os movimentos de protesto contra as portagens ignoraram, canhestramente, que a base de todo o problema nas Scut entre Aveiro e Caminha reside na proverbial falta de consideração do poder por tudo o que não afecte a pacatez dos interesses de Lisboa - cada vez que ouvia falar num buzinão na A28 /29 ou na rotunda dos Produtos Estrela era-me difícil conter uma paradoxal e sofrida vontade de rir. Como se aqueles que mandam se importassem com as barafundas e o trânsito emperrado a centenas de quilómetros dos seus roteiros habituais. Querem eles lá saber disso! Se, ao contrário, os buzinões e as marchas lentas acontecessem na capital, se os protestos furiosos sucedessem em frente aos gabinetes dos decisores, aí sim, eles temeriam os efeitos do seu desprezo pelo país. E bastaria que existisse uma recusa massiva a pagar as portagens para que os planos governamentais aluíssem como um castelo de cartas...
Mas não, os protestos esgotaram-se numa lógica enclaustrada , lesando prioritariamente os cidadãos que já estavam a ser alvo da injustiça das portagens. Foi tudo em vão - e o centralismo obteve uma espantosa vitória.
As pessoas entre Aveiro e Caminha acabaram por aceitar a sua imerecida punição de forma apática, quase bovina. Ninguém sabe ao certo quanto vai pagar. Mas o Poder ficou a saber que pagaremos o que eles quiserem e quando e como eles o definirem. Primeiro no Norte e no resto do país depois. Desembolsaremos taxas, impostos, multas, portagens, coimas, impostos sobre impostos, emolumentos, e tudo o mais que ocorrer na prodigiosa imaginação dos políticos e dos tecnocratas. Pagaremos sem rebuço, dóceis, de chapéu na mão, como eles tanto gostam.
A multidão anestesiada que matinalmente se amontoava nas filas para conseguir pagar aquilo que nunca lhes deveria ser exigido, espelha, infelizmente, o país que somos e já sem hipótese de remédio à vista. É a ilustração perfeita para o adágio com que o rei D. Carlos nos definiu há mais de um século: "Um país de bananas governado por sacanas".
1 comentários:
não há bicho careta que não fale do Orçamento. Mas aposto que não faz ideia do que fala.
Porque não o analizam nas suas vertentes essenciais, para que se percebam as opções dos governantes, e dos aspirantes?
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