Escusam de imaginar mascarados de arma com os quadros debaixo do braço fugindo pelos corredores desenhados por Álvaro Siza para o Museu de Arte Contemporânea. Este é um assalto de colarinho branco, há muito tempo desejado e que, pelas notícias mais recentes, só foi evitado à última hora.
A segunda cidade do país tem muita actividade cultural de relevo nacional e internacional, mas não tem muitas instituições culturais de relevo nacional. Serralves, Casa da Música, São João e Soares dos Reis são aquelas que mais prontamente saltam à memória.
As duas delas que têm "Nacional" no nome, o Museu Nacional Soares dos Reis e o Teatro Nacional de São João, vão gerindo a asfixia orçamental que é a marca dos dias que correm. O teatro, pelas suas características programáticas, ainda consegue disfarçar a frugalidade, mas o Soares dos Reis há muito que praticamente não é mais do que um bom conservador do seu acervo.
Casa da Música e Serralves, que têm participação do Estado e de privados, são sem sombra para dúvidas os maiores motivos de atracção e de atenção, por um público que ultrapassa largamente as suas fronteiras regionais e por uma dinâmica que tantas vezes faz os amigos de Lisboa dizerem "um dia deste tenho de lá ir".
São instituições ímpares no todo nacional e, por isso, não só motivo de admiração mas também de cobiça e o episódio que culminou com a demissão do director do Museu do Chiado é uma marca dessa tensão.
Serralves é, por decisão do Estado português, o Museu Nacional de Arte Contemporânea por excelência, a instituição nacional que concentra a sua colecção a partir da década de 1960, enquanto ao Chiado e a Soares dos Reis cabe o período anterior. De acordo com esta divisão, o Estado depositou o acervo de obras artísticas que foi adquirindo.
A recente tentativa desastrada do secretário de Estado de deslocar para a tutela do Museu do Chiado um conjunto de obras da Colecção SEC mostra como é difícil à capital pensar o país como um todo e não como um "tudo cá". Dessa incapacidade sofreu o Centro Português de Fotografia, pensado como uma instituição autónoma, dinâmica, e não uma dependência da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
Lisboa até pode achar que este é o momento de ter um museu de arte contemporânea à imagem de Serralves, mas que o faça à custa da violação do que está protocolado só mostra a má raiz da decisão. Ainda bem que, desta vez, os assaltantes foram apanhados à porta do museu. [ DAVID PONTES, aqui ]
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