Em Abril de 2016, o primeiro-ministro exonerou o titular da pasta da Cultura, lançando-lhe um solene aviso: os membros do Executivo «nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo». Isto porque João Soares, em escrita ligeira de Facebook, prometera umas "bofetadas" (retóricas) em dois comentadores que o haviam criticado.
«Costa põe João Soares na ordem e obriga-o a pedir desculpa», apressou-se a titular o Diário de Notícias.
Quatro anos depois, ignorando as suas próprias advertências, Costa comporta-se com uma leviandade que, em comparação, remete a do ex-ministro da Cultura à gaveta das traquinices infantis.
Perante pelo menos três jornalistas do Expresso, em frase à margem de uma entrevista mas que ficou registada numa gravação remetida (por dolo, irresponsabilidade ou negligência profissional) por aquele semanário a dois canais televisivos, o chefe do Governo disse esta frase, aludindo aos médicos que prestaram serviço em Reguengos de Monsaraz: «É que o presidente da ARS mandou para lá os médicos fazerem o que lhes competia. E os gajos, cobardes, não fizeram.»
Foram palavras proferidas off the record, mas não deixam de ser indignas de um primeiro-ministro - sobretudo de um primeiro-ministro que já tinha sido profundamente infeliz em Junho, quando afirmou que a escolha de Lisboa como palco da Liga dos Campeões era «um prémio para os profissionais da saúde» que há seis meses combatem o Covid-19 em Portugal. Como se a pandemia tivesse alguma coisa a ver com o futebol.
O Costa de 2020 devia seguir o conselho do Costa de 2016: um primeiro-ministro nem à mesa do café deve deixar de se lembrar que é membro do Governo.
Eu, se fosse o João Soares, lembrava-lhe isto agora.
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