Fernando Gomes achou que já tinha feito tanto pelo nosso futebol que também o podia prejudicar. Assim, desejou felicidades a Pedro Proença e, depois, enviou uma carta às outras federações a dizer que não o apoiava na eleição para o Comité Executivo da UEFA. Depois dele, o deserto.
Uma explicação para isto? Disse Gomes que Proença não respeitou o seu legado. Quer dizer: se alguém não é competente para distinguir as nossas virtudes é pouco provável que seja capaz de fazer seja o que for. No entanto, sabe-se que a disputa Gomes-Proença já vinha de trás, diz-se que por causa da distribuição desigual do dinheiro das apostas. A Federação recebeu 220 milhões, só de 2015 a 2023, enquanto a Liga, no mesmo período, recebeu 76,2 milhões. E quando se olha para estes números percebe-se que a construção da Cidade do Futebol, a jóia do legado de Fernando Gomes, não foi propriamente um acto heróico. Aliás, o canal 11, essa extravagância de novo-rico, é um sinal da abundância de dinheiro.
Quanto ao legado desportivo, até os cegos viram que o Euro’2016 nos caiu do céu. Foi mais um golpe de sorte, um alinhamento astral, do que outra coisa. A nossa participação nos euros e mundiais que se seguiram, com equipas muito melhores, mas já sem a roda da fortuna a nosso favor, foram grandes ou relativos fiascos. Aliás, a adoração da vaca sagrada Cristiano Ronaldo, que é também um escusado modo de servilismo, tem sido um empecilho à construção de uma equipa mais competitiva. E também faz parte de tal legado o contrato com o selecionador Fernando Santos, uma habilidade manhosa para fugir aos impostos, o processo da venda da antiga sede, que a PJ está a investigar, por alguma razão, e a invenção da Liga Conferência, que só serviu para nos abater no ranking, por falta de classes médias à altura, com holandeses e belgas, que as têm, a aproveitarem largamente o favor.
Fernando Gomes acha que deixou um legado tão grandioso que todos lhe devemos imenso, e não lhe pagamos. Foi do alto dessa burra que ele bloqueou Proença, um gesto gratuito que só é perceptível à luz do irredutível narcisismo que caracteriza o nosso tempo. Diz-se que é a epidemia do sec. XXI. Passou de transtorno, como ainda lhe chamam, a virtude e é hoje, mais do que um apelo, um imperativo, uma palavra de ordem: “Narcisa-te!” E era importante termos um lugar naquele comité da UEFA? Claro que sim, mas não tanto como se tem dito. O pior terá sido a imagem transmitida, de fragmentação e amadorismo, isto é, de república das bananas. Mais importante é o que não existe: uma união geral de esforços. Por um lado, temos dirigentes que põem egos à frente do interesse geral. Por outro, temos um conjunto de tribos dispersas e radicadas em si mesmas, incapazes de perceberem que há uma matéria de interesse comum que exige uma acção conjunta. É esse tribalismo, essa inconsciência tranquila a que Villas-Boas chamou “paz podre” que nos está a tolher e a atrasar, talvez irreversivelmente, no contexto internacional.
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