Há tempos, na sequência da derrota perante o Benfica, li o comentário de um adepto em que Villas Boas era acusado de desconhecer a grandeza do FCP. Aquilo intrigou-me e fez-me matutar. A grandeza de um clube não se mede só pelas conquistas do passado, mas também pela capacidade de disputar o presente. O passado pode até tornar-se um entrave porque, além de convidar à contemplação embevecida do que está para trás, pode levar a que se encare o presente como algo que se resolve só pela força divina desse passado: as agruras encontram consolo nas efemérides vitoriosas, nos jantares comemorativos, e um dia o adepto já não sabe se há de ir ao museu ou ir sofrer ao estádio.
Quando se escalpeliza o estado a que se chegou, não há como fugir à dívida de gratidão a Pinto da Costa, que foi adiando o debate da queda. Os lucros das transferências não lançaram os caboucos do centro de treinos próprio – já erguido pelos rivais – e que só o desespero eleitoral pôs no papel. O plantel empobreceu ano a ano, mas Conceição foi atenuando o efeito, entre resmungos coléricos enigmáticos, como se houvesse um FCP de PC e outro refém de entidades malignas não nomeáveis.
A candidatura de PC a um último mandato, sabendo da doença grave, talvez seja uma variação do mito grego de Medeia: inventei o filho e levo-o comigo, mas deixo-vos um passado rico. Ora, um dos efeitos da riqueza é acreditar que camisola grande faz grandes equipas com jogadores medianos – o hábito e o monge. O passado é importante, tem peso simbólico, empolga ao ponto de ter levado o presidente a dizer, com ímpeto mobilizador, que o FCP ia ganhar a Liga Europa, mas a realidade manifestou-se nas suas várias facetas e impediu que os salários de Novembro fossem pagos – os buracos eram maiores do que se julgava.
Também o recém-chegado Anselmi se deslumbrou com o brilho das pratas do museu. Mesmo sem gente à altura para implementar um sistema estranho ao clube, teimou em jogar de peito aberto contra um Benfica melhor e mais maduro. Foi um acto nobre, mas suicida. Ser grande passa também por ser realista e aceitar que se está na mó de baixo, avaliar quem somos num certo momento, para não fazermos figura de velho rico que exibe a sua caxemira enquanto deve três meses de salário à empregada.
Para se afirmar, Anselmi achou que devia jogar à patrão com o Benfica, e ninguém o chamou à terra. Na semana seguinte, Vasco Seabra, sem parquear o autocarro, pôs a inteligência táctica ao serviço do Arouca. A grandeza do FCP fez-se com calculismo, destemor, ronha. A falsa audácia é irmã do descalabro. Conceição demorou a aprender isto. No início, também teve sessenta por cento de posse de bola e levou cinco do Liverpool. Sete anos depois, oferecia a bola ao Arsenal – que goleou agora o Real Madrid – e discutia nos penáltis a passagem aos quartos de final.
Talvez Anselmi aprenda. Até lá, depende de um adolescente benzido. Mas é um perigo esperar que Mora carregue às costas uma equipa que, ainda assim, devia valer mais do que mostra.
0 comentários:
Enviar um comentário