"Anotações" anexas à PATRIA:
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonha, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que já nem com as orelhas é capaz de sacudir as moscas. [...]";
"Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo [...]";
"Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo [...]";
"A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rolhas";
"Dois partidos [...], sem ideias, sem planos, sem convicções [...]";
"Um partido [...], quase circunscrito a Lisboa, [...] hoje aparentemente forte e numeroso, amanhã exaurido e letárgico [...]";
"Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar";
"Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante, o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários";
"E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares [...] teremos em sintético esboço a fisionomia da nacionalidade portuguesa [...]"
1 comentários:
Confesso que não percebo a polémica à volta dos anónimos. Se calhar, por andar nisto há pouco tempo, dou pouca importância as essas subtilezas da blogosfera. Na maior parte dos casos, não distingo um anónimo de um ser frontal (e desconhecido) que assina com as suas iniciais: tanto um como outro valem (ou não) pelo que escrevem e pela forma como o conseguem escrever. O resto, salvo algumas excepções, são pormenores com que não costumo perder muito tempo. De qualquer forma, já ando nisto há tempo suficiente, para perceber que há anónimos e anónimos: há anónimos respeitáveis que são recomendados; e há anónimos desprezíveis que pura e simplesmente são insultados. Pelo que me é dado a ver, a caracterização do anónimo não depende do anonimato: depende das opiniões que emite e dos círculos que frequenta. O que mostra que o anonimato é apenas uma ficção num pequeno mundo de pequeninas polémicas.
ccs
posted by ccs at 9:05 PM 157 comments
DEZ ANOS
Jorge Sampaio termina o mandato como começou. Emocionado, com a lágrima ao canto do olho, profundamente empenhado numa “causa nacional” propícia ao sentimento fácil e à irrelevância política.
ccs
posted by ccs at 8:11 PM 33 comments
CRIMES DE ÓDIO
O Bloco de Esquerda quer acrescentar o ódio homófobo aos "crimes de ódio", ou seja, aos crimes cometidos por razões de etnia, de religião, de género e de política. Claro que um matar ou insultar um negro ou um homossexual ou já agora um muçulmano, só porque ele é negro, homossexual ou muçulmano não é o mesmo do que matar o vizinho ou insultar um credor. A violência dirigida contra uma "classe", que se considera fora da sociedade ou maligna para a sociedade, pode acabar por se tornar militante e sistemática e, como tal, põe um problema único e, em princípio, pede um estatuto jurídico próprio. Infelizmente, a realidade complica o que à primeira vista parece simples. Tirando a propaganda organizada ou a assalto em massa, num momento preciso e a uma minoria definida, o "ódio" vem à mistura com motivos, por assim dizer, "normais", que provavelmente valeriam sem ele. Usando ainda o exemplo do assassínio e do insulto, quem garante que até o mais fanático racista, homófobo e cristão não liquidou ou insultou um negro, um homossexual ou um muçulmano por cálculo ou por medo ou por qualquer uma das paixões vulgares que notoriamente levam a extremos desse género? Os "crime de ódio" introduzem na lei penal uma área de obscuridade, propícia ao abuso e sem vantagem visível.
vpv
posted by ccs at 6:03 PM 43 comments
MARQUES MENDES
Marques Mendes "dedicou" uma semana ao turismo, para lembrar (a quem?):
1. Que a "área do turismo" é "uma área importantíssima, uma área do presente, uma área do futuro, uma área em que podemos ser competitivos".
2. Que o golfe é bom para o turismo e que Portugal precisa de mais golfistas.
3. Que é louvável promover o golfe e que o Presidente Sampaio promoveu o golfe.
4. Que em Portugal o dinheiro da formação profissional é frequentemente mal gasto.
Marques Mendes também conversou com empresários do turismo.
Descendo das nuvens: para que serve isto?
vpv
posted by ccs at 4:03 PM 51 comments
Terça-feira, Fevereiro 21, 2006
A OPOSIÇÃO
Há muitos anos que a oposição em Portugal é uma ficção democrática sem grande valor. A opinião pública despreza-a. O Parlamento ignora-a. E o país lembra-se dela, em momentos particulares, quando se quer vingar do Governo e dos “vigaristas” que o enganaram. Até lá, a oposição vegeta, entregue a meia dúzia de entusiastas que se arrastam pela paisagem, sem meios, sem apoios e sem vozes “autorizadas” que se dignem dar a cara por uma alternativa credível.
Ao contrário do que a expressão indica, o líder da oposição não é um líder: é uma figura ornamental do regime, uma sombra esbatida do primeiro-ministro, com um estatuto diminuído e um raio de acção diminuto. A Assembleia da República, o seu lugar por excelência, é vista pelo país (e pelos partidos) como um depósito de inutilidades avulsas que não sabem o que hão-de fazer na vida. Para cúmulo, o regimento não ajuda: os debates mensais com o Governo são feitos para o primeiro-ministro brilhar e não para a oposição debater qualquer política governamental.
Os governos-sombra acabam inevitavelmente na sombra: as caras são poucas, os porta-vozes têm mais que fazer e as venerandas figuras que cederam generosamente o seu nome não têm disponibilidade para criticar o Governo. Num país pequeno, onde as oportunidades são escassas, a sociedade civil (esse sonho de todos os renovadores) prefere ter boas relações com ministros e com secretários de Estado a dar apoio a uma oposição que tem apenas a oferecer um futuro remoto e nada prometedor.
O resto, as diferenças ideológicas e as alternativas políticas, não existe: a crise económica não oferece muitas saídas e o eleitorado não se revê em grandes reformas. O resultado salta à vista: um discurso cuidadoso que não assusta, nem compromete e que rende votos no famoso eleitorado do centro. Foi assim que Sócrates ganhou. E foi também assim que Cavaco Silva chegou a Belém. Perante isto e para responder ao Paulo Gorjão: tenho sérias dúvidas de que a oposição, apesar das condições adversas, pudesse ter feito melhor. Mesmo sem Santana Lopes!
ccs
posted by ccs at 10:57 PM 45 comments
"NEGACIONISMOS"
Há várias maneiras de negar o Holocausto, conforme os fins políticos de cada um:
1. Negar que o número de mortos fosse mais do que um milhão e meio, dois milhões. Esta "redução" parece em princípio moral e politicamente irrelevante, mas de facto refuta a ideia de genocídio.
2. Negar a existência ou o papel central das "fábricas da morte". Isto dá ao Holocausto um carácter vagamente aleatório e colateral à guerra e pretende passar a responsabilidade do regime para forças fora da cadeia hierárquica central, como os Einsatzgruppen SS e voluntários locais (nomeadamente da Ucrânia e dos países bálticos).
3. Negar que o Alto-Comando do exército soubesse o que estava a acontecer na sua própria área de operações. Neste caso, o objectivo é à superfície separar os militares do nazismo para absolver os militares. Só que implicitamente também separa a Alemanha (inocente e honrada), que o exército encarnava, da ignomínia nazi.
4. Negar que Hitler tivesse ordenado ou tivesse tido conhecimento do Holocausto. É uma tentativa radical de "limpar" o nazismo.
5. Negar que a natureza única do Holocausto, para o apresentar como uma resposta, se não legítima, pelo menos justificada ao Gulag: uma ideia que chegou a ganhar uma certa respeitabilidade durante a "guerra-fria" e se destinava a estabelecer a Alemanha como um parceiro democrático de confiança.
Nenhuma das cinco teses do "negacionismo" é historicamente sustentável.
vpv
posted by ccs at 5:27 PM 89 comments
LIBERDADE ACADÉMICA
Repito: um homem que falsifica deliberadamente a história não é um historiador. No caso de David Irving, por exemplo, não se trata só de um problema de interpretação, mas de modificar, truncar e suprimir documentos para "estabelecer" uma tese. Isto não pode ser considerado, sob nenhum pretexto, trabalho académico, ou julgado como trabalho académico. É pura propaganda. A liberdade política de fazer propaganda, mesmo a favor de uma causa abominável, não se confunde com a liberdade de investigação. Espero que o João Miranda concorde.
vpv
posted by ccs at 4:05 PM 45 comments
UM ANO (I)
Paulo Gorjão diz que o principal trunfo de José Sócrates não é a memória de Santana Lopes mas “o facto de Marques Mendes não ser (ainda?) uma alternativa credível”. Resta saber por que é que Marques Mendes não é ainda uma alternativa credível. Em parte, porque o PSD ainda não recuperou da liderança de Santana Lopes. Em parte, porque o estado de graça do governo se prolongou, para além do habitual, por causa do governo de Santana Lopes. Em parte também, por responsabilidade de Marques Mendes. Mas essa responsabilidade, por enquanto, dilui-se na responsabilidade maior de Santana Lopes. Daí o “ainda” e o ponto de interrogação que auspiciosamente o acompanha.
ccs
posted by ccs at 2:52 PM 29 comments
Segunda-feira, Fevereiro 20, 2006
UM "NEGACIONISTA"
David Irving foi condenado a uma pena de prisão na Áustria, por ter negado o Holocausto. David Irving não é um historiador, é um homem que falsificou deliberada e muito competentemente a história. Não se enganou: quis fazer o que fez. Não se pode invocar a favor dele o "cepticismo" académico e o direito ao erro. Só se pode invocar o direito político que lhe assiste de escrever e publicar tudo o que entender. Há quem o ache "perigoso", porque, ao contrário do malfeitor comum, estudou com minúcia e seriedade a evidência arquivística para a distorcer. Talvez seja "perigoso". Mas não escapou ao exame da comunidade dos pares. Ninguém o leva a sério há mais de quinze anos. Desprezado, isolado e já sem sombra de influência, recebeu agora uma espécie de consagração perversa por culpa de uma lei estúpida e de uma atmosfera persecutória, num país que se quer livrar do seu abominável passado à custa de uma virtude postiça. David Irving estava na rua como o lixo. Se por acaso se conseguir levantar é porque esquecemos que a liberdade nos defende.
vpv
posted by ccs at 10:07 PM 52 comments
UM ANO DE SÓCRATES
Um ano de Sócrates, segundo o índice geral do Público:
1. Défice abaixo dos seis por cento: Conseguido pelo aumento de impostos (fundamentalmente, o IVA) e por uma maior eficácia na cobrança. A redução das despesas, ensaiada aqui e ali, com muito medo e uma grande tendência para fugir, continua a ser uma figura de propaganda.
2. Plano Tecnológico: Fora o amadorismo e o cheiro a "truque" da moda, é o que as corporações de interesses permitem que seja, por outras palavras, quase nada. Mas sempre deu a oportunidade para uma espécie de "Herman-SIC", com Bill Gates, convidado da noite, e o MIT, conjunto folclórico. Um orgasmo precoce.
3. Reestruturação da Administração Pública: Comissões, comissões, comissões. Quem se quer esconder e ficar quietinho, nomeia uma comissão. A farsa do costume.
4. Ota e TGV: Quando se deve muito dinheiro, só as dívidas nos salvam. Décimo quarto episódio do "Vigarista milionário", uma peça clássica portuguesa.
5. Fim dos regimes especiais de Segurança Social e de Saúde: Aqui, sim: contra a fraqueza a autoridade não cede. Bater nos criados foi sempre uma tradição indígena.
6. Lei das rendas: Com um tresloucado atrevimento, o governo lá se atreveu a um passinho oblíquo para evitar que os centros das cidades se tornem num montão de ruínas. Não resolveu nada, mas com certeza ficou muito bem com a sua inovadora consciência.
7. Colocações de professores por quatro anos: Consola saber que de quando em quando a FENPROF concorda com o ministro da Educação.
8. Lei da nacionalidade: Abrir a porta, com o pé firmemente na porta. Quem é xenófobo é o Portas.
9. Medicamentos fora das farmácias: Uma guerra contra o lobby das farmácias que excede as façanhas de Eurico, o Presbítero. Não toca no principal, isto é, no estatuto absurdamente privilegiado da "classe", uma excrescência do século XIX. Não se pode querer tudo.
10. Férias judiciais: Para o parolo ver. Um acto que passa com majestade ao lado dos problemas.
11. Combate a incêndios: Esperemos que da confusão estabelecida, saia luz. Não fogo.
12. Evasão fiscal: A esquerda sempre gostou de tosquiar a carneirada.
13. Fundos da "Europa": A sopa do convento ainda não acabou.
14. Acordo de Bolonha: Atrasado. Quanto mais tarde, melhor. Não se manda um coxo para os 100 metros de obstáculos.
15. Aborto: Por favor, não arranjem sarilhos ao sr. eng.
16. Taxa de carbono: Isso era na oposição.
Fora do índice geral do Público:
17. Nomeações: O Vara, o Gomes, o Oliveira Martins são beneméritos da Pátria e só por acaso criaturas do PS.
vpv
posted by ccs at 6:09 PM 35 comments
UM ANO
Um ano depois de ter ganho as eleições, o principal trunfo de Sócrates é a memória ainda viva do que foi Santana Lopes.
ccs
posted by ccs at 2:27 PM 42 comments
Domingo, Fevereiro 19, 2006
FÁTIMA
Ao país parecia que a hora do apocalipse tinha chegado e a ninguém mais do que aos católicos. Sob pretexto de que a Igreja insistia em manter comunidades religiosas (no caso, de freiras), seis bispos foram expulsos das suas dioceses só em 1917. A guerra, a mobilização geral e o exacerbamento da ditadura jacobina intensificaram também a perseguição ao clero menor. À medida que os desastres se acumulavam os padres e os católicos iam pagando o desespero dos "bons republicanos". Eram os culpados por excelência e as vítimas predestinadas de tudo o que corria mal, e quase tudo corria mal. Os portugueses não gostavam da guerra? Influência e perfídia da padralhada, mancomunada com os monárquicos. O povo revoltava-se nas cidades porque não tinha pão e, na província, por causa da requisição de cereais? Manobras do ultramontanismo. Os preços subiam? Intrigas dos jesuítas. Portugal não estimava o dr. Afonso Costa de acordo com os seus muitos méritos? "Monomania religiosa". As represálias vinham a seguir: padres presos por tocarem sinos; procissões interrompidas porque o bispo se atrevera a pôr vestes talares; igrejas fechadas porque tinham admitido mulheres e crianças durante o dia, ou porque o padre local dissera missa por um "conspirador", ou porque oficiais de uniforme haviam ajudado à missa (papel delicadamente descrito como "passar os panos"), ou porque o sacristão expendera na mercearia opiniões "defetistas" (derrotistas) e germanófilas.
Cem anos antes, em 1822, a causa realista fora reanimada por um milagre. A Virgem aparecera a duas pastorinhas em Carnide para lhes dizer que Portugal sobreviveria à impiedade maçónica. Sob o patrocínio de Dona Carlota Joaquina, grandes peregrinações se fizeram aos locais sagrados em que Deus garantira a dízima, os bens dos conventos e a perenidade do antigo regime. Infelizmente, uns meses depois um pronunciamento (a "Vilafrancada") acabou com esta devoção. Em 1915 e 1916, os "pastorinhos" Lúcia de Jesus Santos, de 8 anos, e os seus primos, Jacinta e Francisco, de 7 e 5 anos, viram oito vezes, em várias freguesias de Fátima, um anjo que declarou ser o anjo de Portugal, estando evidentemente entendido que a República era demoníaca. Ao princípio, o anjo não era muito nítido e não dizia nada. Mas pouco a pouco foi-se explicando. Ninguém deu importância a estas visitas, normais em adolescentes e na pastorícia. Em 1917, as coisas correram de outra maneira. Entre Maio e Outubro, a Virgem apareceu quatro vezes a Lúcia, Francisco e Jacinta (agora respectivamente com 10, 9 e 7 anos), sempre no dia 13, sempre à mesma hora e sempre na Cova da Iria (excepto em Agosto, por motivos de que não vale a pena explicar aqui). As relações das crianças com a Virgem variavam: Lúcia via, ouvia e falava; Jacinta via e ouvia, sem falar; e Francisco via, sem ouvir nem falar. Nunca se esclareceu a óbvia desconfiança da Virgem em Jacinta e, principalmente, em Francisco.
Lúcia e Jacinta receberam a "mensagem" do Céu, uma série de trivialidades evangélicas, com duas alusões à realidade, ambas sobre assuntos correntes. A Virgem comunicou, nomeadamente, que a II Guerra Mundial seria "horrível", quando o horror da primeira sufocava o país, e preveniu que a Rússia revolucionária se preparava para subverter o mundo, coisa que os jornais e os padres anunciavam dia sim, dia não, desde de Fevereiro. As profecias, manifestamente corrigidas por quem de direito, resumiam as preocupações do conservadorismo indígena e reflectiam as opiniões e os sentimentos do clero, esmagado pela ditadura jacobina. Que Deus partilhasse as aflições dos inimigos da República era um fenómeno insusceptível de espantar os bem-pensantes e a Igreja portuguesa em 1917. A fortuna posterior de Fátima deve muito à sobrevivência do regime até 1926 e à visão moderna da Virgem, que apareceu perto do Entroncamento, isto é, na confluência da vias férreas do centro e do norte do país. Tivesse ela aparecido em Tavira ou Bragança, dez anos mais tarde, nunca se teria sabido.
vpv
(Adaptação de A República Velha)
posted by ccs at 8:20 PM 107 comments
UM AVISO
Quem abre a televisão tem assistido dia a dia ao protesto geral contra a "racionalização" da rede escolar. Professores, pais, Juntas de Freguesia rebentam de indignação. O governo, Lisboa, a gente sem forma e figura humana que todo lo manda quer tirar ao bom povo a escola da aldeia e subtrair as criancinhas ao olho vigilante da família. Surpreendentemente, os manifestantes, quase sempre entre os 30 e os 40 anos, viveram toda a sua vida em democracia e assistiram, ou sofreram, a prodigiosa transformação do interior. Mas resistem à mudança, com um genuíno desespero, sem perceber que para os filhos uma escola com meia dúzia ou dúzia e meia de alunos, isolada e primitiva, só os pode prejudicar. Claro que o governo, como de costume, começou pelo fim, ou seja, começou a "racionalização" sem escolas modernas, que demonstrassem materialmente a superioridade do ensino e a diversidade da experiência de que os "transferidos" passariam a beneficiar. De qualquer maneira, é lógico supor que bastaria o alargamento do convívio, a especialização dos currículos e a maior competência dos professores para convencer os pais. Não bastou. A coisa foi vista como um insulto e uma imperdoável atropelo.
Sucedeu o mesmo com a "racionalização" da "rede de saúde". O ministério resolveu fechar umas dezenas ou centenas de "centros", que não serviam para nada ou quase nada e tinham um número ridículo de consultas, para concentrar e melhorar os meios de tratamento. Em princípio, esta pequena reforma parecia benéfica e urgente. Engano. Houve cenas de fúria, entre o melodrama e a violência, a que as Juntas de Freguesia também deram o seu autorizado contributo.
Políticos são políticos, estejam onde estejam, e quando chegou a vez delas, as Juntas por um pouco não morriam de raiva. Das 3.000 e tantas que existem por esse país fora, uma larga parte não é útil, nem justificável. Fundir as mais pequenas nas grandes traz vantagens de eficiência imediata e aumenta o poder negocial das que ficarem. Infelizmente, também aqui, não vale a pena argumentar. O bom povo quer ouvir. E porquê? Porque usa a Junta como posto médico, caixa de correio e pronto-socorro. Por causa da história, da tradição, da vizinhança. Numa palavra, por patriotismo. Por essa espécie patriotismo de paróquia que ainda em 1980 fazia com que as pessoas se matassem em nome da fronteira entre Vila Velha e Vila Meia.
Os retóricos da "inovação", de Cavaco a Sócrates, que se excitam com o Portugal da "Europa", do telemóvel e do computador, nunca medem bem o peso e a pertinácia do outro Portugal, do Portugal imóvel, arcaico, conservador, que detesta o governo como um inimigo e um ladrão e aspira principalmente a que o deixem em paz.
vpv
(publicado no Público)
posted by ccs at 6:53 PM 48 comments
TRÊS NOTAS
1.Já o disse e repito: considero grave a busca feita ao jornal 24 Horas. Por poder pôr em causa a liberdade de imprensa e o segredo profissional dos jornalistas. E por escamotear o que devia ser o verdadeiro objectivo do inquérito conduzido pela PGR: a existência do já famoso "envelope 9" com a sua comprometedora lista de números de telefone e respectivos contactos. Na ausência de outras explicações, pode-se concluir que o inquérito esqueceu o essencial e se centra apenas no acessório: ou seja, na forma como os jornalistas tiveram acesso às suas informações.
2.Exigir pronunciamentos da parte do Presidente da República ou do Primeiro-Ministro, sem estar na posse de todos os elementos, revela, no mínimo, alguma irresponsabilidade. O que se pode (e deve) exigir, agora com maioria de razão, é que o inquérito chegue rapidamente ao fim, conforme foi exigido por Jorge Sampaio há um mês. Não é admissível que uma situação, como esta, se mantenha, por mais tempo, embrulhada num inquérito obscuro, que se tornou ainda mais obscuro depois da busca ao jornal 24 Horas.
3.Os erros e o desnorte que vingam no Ministério Público e na Procuradoria-Geral da República justificam que se peça, como tem sido pedida, a demissão de Souto Moura. Mas, até prova em contrário, não justificam que se ponha em causa a seriedade e a honestidade do Procurador. Souto Moura terá muitos defeitos e uma acentuada inabilidade para pôr ordem na casa e para lidar com determinados processos. Mas transformá-lo num "inimigo" da liberdade de expressão, capaz das maiores patifarias para salvar a "honra" da coorporação corre o risco de ser um erro tão ou mais grave do que todos os que ele cometeu.
ccs
posted by ccs at 6:10 PM 66 comments
Sábado, Fevereiro 18, 2006
QUEM ANDA À CHUVA...
Desde sempre, quando o PS ou PSD têm perante si um longo período de oposição começam a falar em "abrir" o partido, que presumivelmente estava antes "fechado". O exercício pressupõe a má fama dos políticos da casa e presume que "atrair" gente de fora, sem o estigma da corrupção, da intriga e do carreirismo, ligará por um processo obscuro a "máquina" à sociedade ou mesmo remeterá a "máquina" para um papel secundário. Na realidade, apesar de várias tentativas, nunca "abertura" alguma trouxe a mínima mudança ao PS e ao PSD, para lá da "adesão" provisória de "figuras" de puro valor ornamental ou de gente já marcada para um futuro governo. Há ainda no PSD quem insista nesta velha receita, mas muito pouca e muito "cavaquista". O populismo veio para ficar e a "abertura", como panaceia, foi largamente substituída pela "democratização" da "máquina".
Essa presuntiva reforma consiste sobretudo na eleição directa do Presidente. Só que não pára aqui. Os descendentes de Santana querem mais. Querem que os candidatos do PSD, das Juntas de Freguesia ao parlamento, sejam "ratificados" pelo "sufrágio universal" dos militantes. Que isto, num país pequeno e pobre como Portugal, possa transformar o PSD num perpétuo tumulto, não lhes passa pela cabeça. As "bases" tomaram um estatuto mítico. O homem de Gaia, Luís Filipe Menezes, fala do "poder das bases" como outrora Otelo falava do "poder do povo" e ataca com a maior seriedade o "centralismo democrático", que, segundo ele, é na prática o regime do partido.
Entretanto, Marques Mendes, que nem "abriu" o PSD e nem parece entusiasmado com a "democratização da máquina" (embora aceite a eleição directa do Presidente, a que até recentemente se opunha), perde o tempo e a paciência numa fronda tradicional contra o governo. Uma fronda que não leva a nada, como não levou com Guterres, com Barroso ou com Ferro, não por falta de autoridade, dele próprio ou de quem o segue, mas porque a retórica abstracta de protesto não interessa a ninguém. O mal do PSD não é ser "fechado" ou "centralizado e aparelhístico" (Menezes dixit), é o de fazer uma oposição arcaica. Vive, sem um único spin doctor, à mercê da oratória de S. Bento (que o regimento ainda por cima prejudica) e do lugar que a imprensa e as televisões lhe querem dar. Anda atrás da agenda do governo e do aleatório dia a dia do país. Não tem política, nem políticas. Ou um gabinete-sombra para dar uma cara a cada crítica e vigiar cada ministro. Não admira que nesse vácuo os "notáveis" resmunguem e os demagogos se agitem. Quem anda à chuva…
vpv
(publicado no jornal Público)
posted by ccs at 7:20 PM 29 comments
PORTUGAL E O AFEGANISTÃO
Caro Paulo Gorjão, fez bem em perguntar. "Advogo", as you put it, a retirada imediata da NATO do Afeganistão. Não acredito em qualquer espécie de nation building, sob ocupação estrangeira. De resto, falei num reforço de 300.000 homens, porque é o número geralmente indicado em Inglaterra. Por mim, acho que nem 3 milhões conseguiam mudar fosse o que fosse.
vpv
posted by ccs at 4:07 PM 33 comments
VALE A PENA?
Animado dos melhores propósitos o ministro da Saúde achou que tinha chegado a altura de brindar o país com uma luminosa evidência: se a despesa não parar de aumentar, os doentes vão ter, mais dia, menos dia, que começar a pagar a Saúde. Caiu-lhe o país em cima, é claro. Os partidos da oposição mostraram-se imediatamente dispostos a defender com a vida o Serviço Nacional de Saúde. E até o CDS, num acesso de entusiasmo, recorreu à Constituição (a mesma que o partido quer alterar) para recordar “a gratuitidade tendencial” do sistema. Tentando (em vão) acalmar os ânimos, o PS prestou-se aos esclarecimentos habituais, esclarecendo que a ideia do ministro (a existir alguma ideia) só se concretizaria num futuro longínquo, depois de esgotadas todas as possibilidades do sistema e de se realizarem todos os estudos possíveis. Tudo isto, presume-se, não passou de um “balão de ensaio” para testar a abertura da sociedade a eventuais alterações na Saúde. Infelizmente, pelo caminho, testa-se também o funcionamento dos partidos. Na oposição, o PS criticou asperamente o aumento das taxas moderadoras proposto pelo defunto Governo de Santana Lopes. Agora, no Governo, “descobre” a necessidade de um novo financiamento do sistema. No governo, PSD e CDS propuseram o aumento das taxas moderadoras. Agora, na oposição, agarram-se com unhas e dentes à gratuitidade do sistema e aos pergaminhos da Constituição. Vale a pena levá-los a sério?
ccs
posted by ccs at 3:38 PM 32 comments
CALADINHO
Os comentários, anónimos ou não, deixam pouca margem para dúvidas: sossegado e caladinho é como o CDS deve estar. O “défice de oposição” é um exclusivo do PSD que Marques Mendes tem que saber compensar com congressos, alterações de estatutos e eleições directas para a liderança do partido. O CDS, aparentemente, não entra nessas andanças: tem um presidente estimável que só não aparece porque não gosta de alaridos e de populismos fáceis. A moderação e a respectiva seriedade implicam uma dose grandiosa de invisibilidade. Conferências de imprensa, à meia-noite, com meia dúzia de jornalistas ensonados? Fazem parte da vida de um euro-deputado. Bruxelas ocupa-lhe a semana e o dia; Lisboa só às quintas-feiras, à hora de jantar, para reunir com os seus pares e fazer a uma comunicação ao país, de importância relativa, pela calada da noite. O partido é pequeno, basta-lhe uma liderança em part-time. Para todos os efeitos, o CDS só quer chegar ao governo em 2009, patrocinado pelo novo Presidente da República que, caladinho, ajudou a eleger. Criticar este feliz estado de coisas é pedir chinfrim, enviar recados, abrir o caminho a Paulo Portas e à sua insuportável visibilidade. O CDS deve continuar caladinho. E invisível, como de depreende. Paz à sua alma! É o que ocorre dizer.
ccs
posted by ccs at 2:11 PM 40 comments
AGRADEÇO A BONDADE
Agradeço ao Nuno Ramos de Almeida a bondade de me lembrar o período de retrocesso e decadência do Império Turco e as malfeitorias que lhe fizeram a Rússia, a Inglaterra e França. Mas talvez seja bom notar que foi por causa da hostilidade entre a Inglaterra e a Rússia que esse Império durou mais dois séculos do que duraria por si próprio. Sem a oposição constante da Inglaterra e a guerra da Crimeia contra a Inglaterra e a França, a Rússia teria com facilidade chegado a Constantinopla e acabado com o poder muçulmano no Médio Oriente. A Inglaterra, de resto, tirando obviamente o Egipto, não tocou na Turquia asiática e africana até 1918 e foi a Turquia que lhe declarou guerra, não o contrário.
De qualquer maneira, o Nuno parece que perdeu a moral da história. A saber: que desde a origem o Islão avançou agressivamente no Mediterrâneo e no coração da Europa e só parou quando não se conseguiu "modernizar". A partir do século XVIII, o Império era um "homem doente", que as potências trataram, apesar de tudo, com moderação.
vpv
posted by ccs at 1:15 PM 13 comments
Sexta-feira, Fevereiro 17, 2006
DIAS SEM ÁGUA
A EPAL persiste em me deixar sem água entre 15 e vinte vezes por ano. Por causa de uma "ruptura" na minha rua, na rua do lado ou na rua da frente. Sempre uma ruptura "imprevista", que surpreende a EPAL e provoca "perturbações no abastecimento". Ontem e hoje, à mesma hora, houve imprevistamente "perturbações". Ontem, como de costume, telefonei à EPAL e fui informado por uma voz langorosa de que "a situação" seria "normalizada às 20" (eram três da tarde). Às 20, nada; e às 21, ainda sem água, fui informado de que a "situação" seria "normalizada às 23", coisa que de facto aconteceu, se a lama que saiu das torneiras se pode considerar normal. Hoje já me disseram (por volta das cinco) que "a situação" seria "normalizada" "às 20", para me dizerem depois que será "normalizada" às 23. Por respeito pelo consumidor, as mentiras da EPAL nunca são imprevistas. A EPAL só não consegue prever rupturas nos três colectores do bairro desde 1991. O longo prazo excede a capacidade da EPAL.
O meu problema é um velho problema do jornalismo português: o que fazer? Ramalho, a quem tinham cortado a água, não conseguiu cortar nada à "Companhia" da altura. Por mim, pensei em organizar uma campanha a exigir a privatização da EPAL, o que, pelo menos, dava uma causa ao "imparável movimento" de Alegre. Mas, privatizado ou não, um monopólio é um monopólio e não me cheira que ganhasse muito com isso. Fica a paciência. Em Portugal, um fim nada imprevisível para uma ruptura imprevista.
vpv
posted by ccs at 7:57 PM 33 comments
INVISÍVEL
Não sei onde andam os entusiastas da democracia-cristã que tanto rejubilaram com a eleição de Ribeiro e Castro para a presidência do CDS. No CDS não andam. Ou, se andam, não se dá por isso: o partido entrou na clandestinidade onde se arrasta penosamente perante a indiferença geral. Este súbito desaparecimento não causa sequer estranheza. Reduzido à sua total insignificância, o CDS deixou de merecer o benefício da dúvida ou o incómodo de uma crítica. No último congresso, quando se despediu de Paulo Portas, o partido ia deixar de ser “populista” e recuperar, com as luminárias do costume, a “respeitabilidade” perdida. Dez meses depois é o que se vê. Ou melhor, o que não se vê. Este novo CDS, moderado e centrista, tem a triste particularidade de ser...invisível.
ccs
posted by ccs at 6:38 PM 24 comments
O EMBAIXADOR E O MINISTRO
O embaixador do Irão em Portugal, Mahommed Taheri, ficou satisfeitíssimo com a atitude do governo português no caso dos cartoons. Particularmente com "as coisas muito boas", que Freitas disse e redisse e que o primeiro-ministro em silêncio confirmou. Grato pela ajuda, Taheri presumiu que encontrara um amigo no Ocidente. Que havia ele de pensar? O primeiro comunicado de Freitas criticava a Dinamarca por não "compreender" o Islão e pedia respeito para Maomé, Cristo e a Virgem Maria, sem sequer falar na violência organizada da "rua" islâmica. Nunca ninguém na Europa fora tão longe. Como ninguém na Europa se lembrou de apontar o Ocidente como agressor por excelência do mundo muçulmano e de invocar a propósito as cruzadas (aparentemente, um episódio de "anteontem") e outros "crimes" da intolerância e da prepotência cristã. Freitas não percebeu que estava a inverter a história e a adoptar as mais grosseiras falsificações da ortodoxia "fundamentalista". Mas Taheri com certeza percebeu. O Islão, desde a origem militar e expansionista, conquistou, dominou e converteu à força quatro quintos do Mediterrâneo. Ainda em meados do século XVII Viena estava cercada pelo exército turco e mesmo hoje o sonho da ressurreição do Califado não morreu. Taheri, que provavelmente se orgulha dessas velhas façanhas, só podia interpretar as divagações de Freitas como fraqueza e arrependimento da "Europa".
Pior. Na cabeça iraniana de Taheri, se Freitas rejeitava com tanta intensidade os terríveis pecados do Ocidente, por maioria de razão rejeitava também o maior de todos: quem condena as cruzadas, condena logicamente o Estado de Israel. Taheri julgou que Portugal o compreendia e resolveu explicar em público que os cartoons não passavam de uma conspiração zionista e transgrediam a liberdade de imprensa (ponto com que o próprio Sócrates, de resto, concordara). Até aqui Taheri agira com a implícita aprovação de Freitas. Mas faltava o Holocausto e Taheri não resistiu e negou o Holocausto. Suspeito que o escândalo e o protesto o surpreenderam. Freitas tinha aberto o grande caminho da "compreensão". Que essa "compreensão" parasse no Holocausto não lhe ocorreu. Se não parara ou se inibira com a mentira, a demagogia, o terrorismo, a promessa de arrasar Israel e a ameaça nuclear, que diferença fazia o Holocausto? Taheri é um bom embaixador, porque representa com zelo o sentimento e as convicções do Islão. Freitas não é um bom ministro porque representa com excesso as mais torpes tendências de Portugal e da "Europa". Para conciliar a "rua" muçulmana, condenou, de facto, o que nós somos.
vpv
(publicado no jornal Público)
posted by ccs at 5:23 PM 38 comments
RIDÍCULO
Vários leitores pediram-me para explicar por que é que num post anterior considerei ridículas as afirmações de Pacheco Pereira sobre os “tempos miseráveis e humilhantes” que se arriscava a viver por criticar “livremente” a Procuradoria-Geral da República e os seus agentes. Confesso que o ridículo, o exagero levado até ao umbigo, me pareceu que dispensava explicações de maior. Aparentemente, não dispensava. Assim sendo e a bem dos leitores, passo a explicar: uma coisa é criticar as buscas feitas ao jornal 24 Horas (uma iniciativa, aliás, que ainda não ouvi ninguém defender e que ainda não foi também devidamente esclarecida) ; outra, completamente diferente, é ver na Procuradoria-Geral da República, nomeadamente em Souto Moura, um perigo à liberdade de opinião e, em particular, à liberdade de opinião de Pacheco Pereira. Ao longo dos últimos tempos, Souto Moura tem revelado um apreciável conjunto de defeitos: mas só por má fé ou por puro exibicionismo se pode considerá-lo uma perigosa ameaça à liberdade de Pacheco Pereira (ou de qualquer outro) opinar semanalmente sobre as mais diversas matérias.
P.S. Como não quero saber das "leis da blogosfera" para nada, não deixo de lembrar que Pacheco Pereira, no curto período de tempo que teve responsabilidades no grupo parlamentar do PSD, não se notabilizou propriamente pela defesa da liberdade de expressão. Por ele, os jornalistas não punham o pé nos corredores da Assembleia da República. Agora, pelos vistos, viraram heróis numa luta gloriosa contra os abusos do Procurador. Ridículo? No mínimo.
ccs
posted by ccs at 2:29 PM 91 comments
Quinta-feira, Fevereiro 16, 2006
UMA VELHA CHANTAGEM
Sócrates resolveu dizer, em defesa de Freitas, que Portugal precisa a todo o preço de conciliar o Islão, porque tem soldados em "países muçulmanos". Mas disse mais: disse que a nossa liberdade, se for responsável, deve ser limitada pela necessidade militar. Parece que não engolir humildemente a campanha de intimidação e violência, que se organizou a pretexto dos cartoons, prejudica a nossa "missão de paz" e que Freitas, por tabela, é um benemérito. Na minha idade, já ouvi este argumento torpe a Salazar, a Marcelo, a Johnson e a Nixon. Em vez de fazer chantagem, era bom que Sócrates nos conseguisse explicar que espécie de interesse nacional nos leva a apoiar as loucuras de Bush.
vpv
posted by ccs at 5:39 PM 53 comments
O INQUÉRITO
Sobre a busca policial ao jornal 24 Horas:
1. Antes de mais, é no mínimo estranho que depois de um mês de total quietude, o Ministério Público decida avançar contra o 24 Horas no dia seguinte ao ministro da Justiça ter referido a morosidade do processo. Se é apenas uma coincidência, não parece.
2. A questão levantada pelo Presidente da República (que deu origem ao inquérito da Procuradoria-Geral) não tinha a ver com a publicação do caso pelo 24 Horas mas sim com a existência do caso: ou seja, com o facto de haver no processo, sem que nada o justificasse, uma extensa lista de números de telefone de titulares de cargos públicos com o registo dos respectivos contactos. Seria de esperar que o Ministério Público, antes de se debruçar sobre “o acesso a dados pessoais” por parte dos jornalistas, esclarecesse a forma como esses dados pessoais foram parar ao processo. E é exactamente isso que ainda não foi feito.
3. A apreensão de instrumentos de trabalho (nomeadamente de computadores) de jornalistas põe naturalmente em causa o direito à confidencialidade das fontes. Ao que parece esse direito terá sido acautelado embora, para já, não se compreenda a que título foi feita a busca ao 24 Horas.
4. Dito isto, não vale a pena fechar os olhos à “investigação” que tem sido feita pelo jornalista em causa (Jorge Van Kriekan) ao serviço de um dos arguidos. O facto não desvaloriza a notícia dada pelo 24 Horas mas levanta algumas dúvidas sobre o papel dos advogados de defesa em todo este imbróglio.
P.S. Ridículas as afirmações de Pacheco Pereira sobre a possibilidade de “viver tempos miseráveis e humilhantes” pelo simples facto de discordar, nas suas colunas de opinião, da actuação da Procuradoria-Geral da República.
ccs
posted by ccs at 5:04 PM 43 comments
Quarta-feira, Fevereiro 15, 2006
A VIDINHA
Como seria de esperar, Sócrates lá acabou por dar cobertura às declarações do seu ministro Freitas do Amaral. Não foi ao ponto de defender um campeonato de futebol entre árabes e europeus e não consta que tenha referido os símbolos sagrados de Cristo e da Virgem Maria. Mas apelou à “moderação”, ao “sentido de responsabilidade”, explicando, pelo caminho, que é isso que tem feito o ministério dos Negócios Estrangeiros. Freitas do Amaral fez muito mais do que isso: filosofou sobre a história das religiões, evocou o colonialismo, chegou às cruzadas que parece que foram “anteontem”, criticou duramente a política “canhoneira” inglesa, dissertou sobre os limites da liberdade de expressão e terminou, em beleza, com um elogio fúnebre proferido pelo embaixador do Irão. Sócrates evitou estes desvios e ficou-se pela moderação. Em certa medida compreende-se. A alternativa era correr com o ministro elogiado. O que já custa a compreender é a passividade com que o grupo parlamentar do PS ouviu este sermão. Que se saiba, não houve uma voz que pusesse em causa a versão oficial do primeiro-ministro. As críticas em surdina que se passearam, nos últimos dias, pelas páginas dos jornais, sumiram como que por encanto. Durante a reunião entre Sócrates e os deputados socialistas, não houve uma pergunta, uma reticência, uma nota fora de tom. O poder anestesia. Manuel Alegre e o seu movimento bem podem ficar com as despesas da cidadania. O PS quer é sossego. E tratar da sua vidinha.
ccs
posted by ccs at 11:06 PM 37 comments
O MAL ESTÁ FEITO
O ministro dos Negócios Estrangeiros, depois de prolongada reflexão, decidiu aproveitar as declarações do embaixador do Irão sobre o Holocausto para tentar “polir” o seu enviesado discurso. Como se pode ler numa nota do ministério, essas declarações “ofendem gravemente a consciência colectiva da humanidade e, em particular, a comunidade judaica espalhada pelo mundo, cujos sentimentos exigem o mesmo respeito do que aquele que o Governo português tem vindo a defender em relação aos povos islâmicos”. Ou seja e traduzindo diplomaticamente a nota, Freitas do Amaral pretende mostrar que critica o discurso do embaixador sobre o Holocausto com a mesma coragem e o mesmo discernimento com que criticou os cartoonistas dinamarqueses que se atreveram a desenhar Maomé. Se alguém duvidava da firme posição do Governo (encarnada na sua ilustre pessoa) aqui está a prova de que a razão, mais tarde ou mais cedo, acaba por vir ao de cima. Ao contrário do que alguns extremistas andam por aí a dizer, Freitas acha que está onde sempre esteve: no meio, equidistante dos excessos e do zelo fanático com que alguns defendem os pergaminhos das suas civilizações. Ele (visto por ele, é claro), tanto levanta a voz aos dinamarqueses como exige explicações ao Irão. Ele quer é respeito! E que todos se respeitem a todos, respeitando escrupulosamente sentimentos, símbolos e religiões. Esquece-se, porventura, como já foi referido por Paulo Gorjão, que um embaixador representa e fala em nome de um Estado; enquanto nenhum Estado democrático pode falar pela direcção de um jornal. Mas isso são pormenores formais com os quais não vale a pena perder tempo. O mal está feito. E, como se vê, não tem emenda possível.
ccs
posted by ccs at 9:43 PM 34 comments
PORTUGAL E O AFEGANISTÃO
Parece que as tropas portuguesas continuam no Afeganistão até 2007. O que se espera que lá façam com o governo cercado em Cabul e a economia dependente da papoila do ópio não é claro. Os senhores da droga, os senhores da guerra e os chefes tribais mandam no país. Pouco a pouco, os Taliban começam a voltar. A NATO precisava de 300.000 homens para impor um mínimo de segurança e ordem. Tem 15.000. Para serve esta comédia e por que razão Portugal participa tão submissamente nela? O sr. Amado, ministro, não explicou.
vpv
posted by ccs at 2:54 PM 32 comments
ANTES DA SAÚDE
O governo de Blair continua a suprimir a liberdade inglesa com um zelo beato. Anteontem, lá conseguiu o bilhete de identidade e a proibição total de fumar. O bilhete de identidade, em princípio, só se aplica a quem pedir o passaporte. Mas quem não pede o passaporte? A proibição de fumar, essa, é total, mesmo nos pubs que não servem comida e nos clubes privados, em que até hoje o Estado nunca se tinha atrevido a tocar. A Inglaterra excêntrica, singular e anárquica de antigamente, que foi uma alegria e um refúgio, está condenada.
O Ocidente que deixou de acreditar fosse no que fosse, acredita fervorosamente na saúde. Não se percebe este amor ao corpo. Um indivíduo que não fume, que não beba, que se obrigue disciplinadamente a uma dieta punitiva e faça exercício sem parar ganha o extraordinário privilégio de trabalhar muito mais, durante muito mais tempo. Ou, pior ainda, acaba por cair numa velhice patética e por morrer entubado e espicaçado e com médicos que o tratam como quem trata o problema de uma rã.
Não espanta que a esquerda goste deste exercício de melhoramento do homem. É repressivo e abre um belo e vasto campo à intolerância dos não-fumadores. Quando qualquer mentecapto pode perseguir um tabagista como um ente sub-humano, a populaça aprecia. Até Hitler era dado a esse desporto. Como dizia o outro, não tarda muito que ninguém se lembre como a vida era doce, antes da saúde se tornar a religião oficial.
vpv
posted by ccs at 2:49 PM 63 comments
REFORMAS
O sr. Alberto Costa iniciou hoje uma ronda de contactos com os partidos para debater a eventual reforma do Código Penal. A ronda, presume-se, é apenas um sinal de boa-vontade, uma forma de publicitar a afeição que o ministro nutre pelo consenso nas chamadas questões de Estado. Ouvidos os partidos, o Governo fará como muito bem entender, como aliás já começou a fazer, quando aprovou em Conselho de Ministros, um diploma sobre a definição das prioridades da política criminal. Entretanto e dada a futilidade do exercício, os partidos e o Governo podiam aproveitar esta ronda para explicar ao país a última “novidade” do caso Felgueiras. Não bastava que, perante a incompreensão geral, a senhora tivesse regressado em ombros do seu “exílio” no Brasil, onde se tinha prudentemente refugiado da Justiça, em condições que ainda estão por esclarecer. Soube-se hoje que o Estado português financiou a sua “estadia”, enviando-lhe mensalmente 3499 euros, a título de reforma, para satisfação das suas necessidades básicas. Sem pôr em causa o direito que qualquer cidadão tem à sua legítima reforma, importa saber como é que alguém que anda fugido à Justiça portuguesa recebe do Estado português uma pensão, através da qual, consegue continuar a fugir à Justiça portuguesa. É também por isto, ou principalmente por isto que a credibilidade do “sistema” se afunda, todos os dias, na sua esplendorosa miséria.
ccs
posted by ccs at 2:01 PM 28 comments
Terça-feira, Fevereiro 14, 2006
UM PAÍS ROSA
Peço desculpa: entretida com os cartoons de Maomé e com a nossa nova diplomacia, não reparei que, de há uns tempos para cá, o país mudou. As presidenciais, com todos os candidatos a zurzir na crise e no flagelo do desemprego, desapareceram e, com elas, desapareceu a crise. O desemprego, infelizmente, teima em subir mas, sabe-se lá porquê, deixou de ser um flagelo Como ainda agora ouvi, é um problema “estrutural” pelo qual o Governo não pode ser responsabilizado. É verdade que o eng. Sócrates, no delírio da campanha eleitoral, prometeu criar 150 mil postos de trabalho. Mas isso são águas que já lá vão e a legislatura, como se sabe, ainda agora vai a meio. Haja fé. E tudo se comporá! Entretanto, os salários “sobem” com menos retenção de IRS e embora na prática não subam, vão subindo entre aspas o que é uma magnífica notícia para qualquer agregado em dificuldades. A Opa do eng. Belmiro, sobretudo se for contrariada por uma contra-Opa, revela a surpreendente vitalidade da nossa economia, ainda há uns meses de rastos. Afinal, a confiança, esse bem inestimável, que o prof. Cavaco Silva nos oferecia, estava aí, ao virar da esquina, à espera de se manifestar. E a Segurança Social, falida e à beira do colapso, de repente, passou a dar lucro e é fonte das maiores alegrias. O país mudou, de facto. E nós a perdermos tempo com Maomé!
ccs
posted by ccs at 10:10 PM 31 comments
CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES?
A propósito do debate, que Paulo Gorjão começou na "Bloguítica", alguns comentários. Primeiro: quem se "choca" com quem? Não me parece que o Ocidente se "choque" ou que, em certa medida, sequer se interesse (fora a curiosidade turística e cultural) pelo mundo muçulmano. Precisa do petróleo do Islão. Nada mais. Sem petróleo, o Islão seria simplesmente ignorado. A política da América e da "Europa" no Médio Oriente é, e sempre foi, pura realpolitik, mesmo quando invoca, ou invocou, princípios superiores de "civilização".
O Islão, ao contrário, não olha o Ocidente com a "medida" e o cálculo do poder. Apesar do petróleo e de uma incomparável vantagem geo-estratégica não se conseguiu "modernizar". Nem assimilar a mudança, nem estabelecer instituições compatíveis com a mudança, nem produzir a mudança a que aspirava. As sociedades muçulmanas são hoje intoleráveis, não para a América ou a "Europa", mas para quem lá vive. A "rua" do Irão ou da Síria odeia o Ocidente, com certeza. Só que vê e quer a riqueza, a técnica, a igualdade e até a liberdade do Ocidente. O Ocidente acabou por se tornar para o Islão o símbolo ambíguo de um ideal falhado e o bode expiatório de tudo o que falhou. Aqui há um "choque" e um "choque" real.
O Islão tem duas "saídas" para a catástrofe que se aproxima: ou persiste em se "ocidentalizar" e, nesse caso, resta saber se de caminho não perderá a alma; ou volta à suposta "pureza" da origem e, nesse caso, resta saber se não acabará no caos. Esta escolha impossível não permite sombra de racionalidade e faz do Ocidente o inimigo natural e satânico. Não vale a pena esperar um entendimento idílico.
vpv
posted by ccs at 8:16 PM 49 comments
POLÍTICA GOVERNAMENTAL
- Então, há alguma novidade?
- O ministro anunciou que vai alterar o modelo de gestão das empresas que tutela.
- Qual é a alteração?
- Dentro de um mês ele diz que anuncia.
- Então hoje foi um pré-anúncio?
- Sim, foi...
ccs
posted by ccs at 4:56 PM 17 comments
CONFIRMAÇÕES
O silêncio do primeiro-ministro foi, hoje, devidamente interpretado pelos seus assessores: “O primeiro-ministro está solidário com as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros no sentido do apelo à responsabilidade no uso da liberdade de expressão e na defesa de todas as iniciativas para promover a paz e o diálogo entre os povos e as civilizações”.
Confirma-se assim que perante a crise internacional aberta pela publicação dos cartoons sobre Maomé, o Governo português considera: a) lamentável a publicação dos cartoons que ofendem símbolos sagrados do Islão; b) compreensível a violência islâmica que se abateu sobre alguns países ocidentais; c) um dado adquirido que “o maior agressor temos sido nós”. E isto, como explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros, “para já não falar das Cruzadas, que vão longe mas que estão presentes como alguma coisa que se passou anteontem, para já não falar da colonização de África e de vários povos islâmicos e asiáticos, para já não falar da política de canhoneira seguida pela Inglaterra”. Por último e perante a gravidade da situação, o Governo português sugere a realização de um campeonato de futebol entre árabes e europeus.
Confesso que, depois disto, tenho uma única dúvida: não há ninguém no Governo que tenha um mínimo de vergonha?
ccs
posted by ccs at 2:47 PM 51 comments
LEITURAS
"O insustentável silêncio de Sócrates", Teresa de Sousa, Público
posted by ccs at 2:14 PM 7 comments
PHILIP LARKIN (1922-1985)
Ontem, fez 20 anos que morreu Philip Larkin. Só dei por isso à noite, com o noticiário da Sky. Em Portugal pouco gente conhece Larkin: e é pena num país que não deixou ainda de confundir a dicção alta, ornamental e nobre com a dicção poética. Larkin limpou esse lirismo morto. Coloquial, cínico, vulgar e sempre em tom menor, foi um herói da minha geração. Um exemplo:
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