Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

O coleccionador de lágrimas

Chovia, quando o Boeing decolou de Nova York, faltando poucos minutos para as 23h. A vontade de rever o avô gerou em Carlos uma ansiedade difícil de tratar. O breve e rico tempo que experienciou com o avô, transformara sua tenra existência num torvelinho de incríveis emoções e descobertas.
Com certeza, ainda poderia encontrar no porão do amplo e aconchegante casarão, as prateleiras forradas com papel pardo, sustentando as centenas de frascos de diferentes cores e tamanhos. A repentina visão do delicado funil de acrílico dentro da terceira gaveta, trar-lhe-ia distantes e caras recordações.
- Como vai, vovô?
- Agora estou melhor com você ao meu lado. Obrigado por atender logo ao meu pedido.
- Não vim por causa dos compromissos da mamãe.
- A viagem foi boa? Você ainda tem medo de avião?
- Um pouco, principalmente durante a decolagem: fecho os ouvidos, os olhos e levanto os pés.
- Admiro sua coragem. O que me traz de novidade?
- Vô, o senhor ainda coleciona lagrimas?
- Parei, quando você resolveu partir para os EUA: perdi a motivação.
- O senhor ainda conserva os frascos e o funil?
- Sim, esta tudo como você deixou.
- O senhor quer recomeçar?
- Mentiria se dissesse que não...
- Então precisamos colocar algumas coisas em ordem.
- Concordo.
Começaram tirando o pó das prateleiras, apos espalharem os frascos sobre a grande mesa de fórmica.
- Vô, o senhor andou jogando lagrima fora?
- Apenas as mais antigas.
- Vô, o senhor por acaso ainda tem as lagrimas de Sofia?
- Tenho. Estas nem sua vô teria coragem de jogar fora.
- Ela já conhece toda a historia?
- Sim, contei-lhe na ultima noite de Natal.
- E ela?
- Ficou muito emocionada e colocou o frasco em destaque.
- Vô, Sofia foi mesmo o seu primeiro amor?
- Guarda segredo? Jamais amei tanto uma mulher.
- Conte-me como o senhor colheu as lagrimas.
- Sofia estava no seu leito de morte. As dores já provocavam alucinações. Mesmo assim, ela me reconheceu. Encostou a frágil cabeça no meu peito, libertou as lagrimas e partiu, serena.
Carlos sabia que não teria dificuldade em aumentar a coleção, bastaria pisar na calcada e andar alguns quarteirões.
- Vó, satisfaça a minha curiosidade.
- Diga.
- Que lagrimas o senhor gostaria de ter colhido?
- Pergunta interessante essa. Em certa noite de insônia, fiquei pensando nesta questão. Por exemplo: Cristo deve ter chorado naquela cruz; Judas, também, ao se arrepender; Kennedy com todas aquelas balas não deve ter tido tempo; Pasolini, barbaramente assassinado naquela maldita praia daquele maldito dia; Jim Morrison deve ter deixado lagrimas naquela banheira; Janis Joplin, ao ser expulsa do Copacabana Palace por nadar nua na piscina, deve ter ido chorar na praia; Hitler e Eva Braun na hora H, choraram?
- Não saberia responder. Agora, vó, por que aquele frasco no canto direito da terceira prateleira tem um tom avermelhado?- Porque são lagrimas vertidas num momento de extrema violência...
- Conte-me mais.
- São as lagrimas de um grande amigo meu. Foi um extraordinário professor de filosofia, barbaramente assassinado.
- O senhor estava lá?
- Sim, e vi tudo...Quando aproveitei a ausência dos carrascos e decidi colher as lagrimas, percebi que o corpo do meu amigo estava quebrado ao meio e totalmente tingido de sangue vermelho-vivo.
Sergio amava demais aquele neto, filho de sua única filha, empresaria de sucesso. Vê-lo ali ao lado, e poder lê-lo com carinho e admiração. COMO GOSTARIA DE MERECER UM TEMPO MAIOR...
- Vó, tive uma idéia genial!- Qual?
- Por que não misturamos as lagrimas e colocamos tudo num único frasco com uma etiqueta escrito HUMANIDADE?
- Não seria uma ma idéia, e economizaríamos espaço.
- Vô, quando o senhor colhera as minhas lagrimas?
- Ainda e muito cedo, você tem muita vida pela frente.
- E as suas, será que posso colhê-las agora?
- Como? Eu? As minhas?
- Sim, vovô, o senhor esta chorando.

ARMANDO DIORIO DE PAULA FILHO, 44 anos

2 comentários:

They fuck you up, your mum and dad
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
and add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
By fools in old style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
And half at one another's throats.

Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
and don't have any kids yourself.
vpv
posted by ccs at 1:24 PM 23 comments

Segunda-feira, Fevereiro 13, 2006
O MILAGRE DE FÁTIMA


Fátima Felgueiras decidiu peregrinar até Fátima, acompanhada de cinquenta camionetas apinhadas de apoiantes, para “orar em paz", no sossego do santuário. A oração, como era de prever, acabou num verdadeiro arraial. Tudo muito "espontâneo", segundo a autarca, indignada com as perguntas dos jornalistas. A comprovar a "espontaneidade" dos festejos, os lenços, os postais e os pins largamente distribuídos continham frases como esta: “Felgueiras Sempre Presente! Fátima, 11 de Fevereiro de 2006”. Não fosse a sensibilidade religiosa dos portugueses estar também ligeiramente exacerbada, podia-se falar de um milagre, do quarto milagre de Fátima: o milagre da “Fatinha” e da multiplicação dos lenços, dos postais e dos pins. Como os tempos não estão para brincadeiras, resta-nos esperar que o Vaticano, que franziu o sobrolho à presença de budistas no interior do santuário, chame o bispo de Leiria a Roma e proíba este tipo de fantochadas. E já agora, se não desse muito trabalho, a Câmara também podia explicar quem é que pagou a viagem de todos estes peregrinos.
ccs
Aviso prévio: Não vale a pena vir com a liberdade de expressão e com o direito da “Fatinha” às suas peregrinações: até ver, as Igrejas são responsáveis pelos seus lugares de culto.
posted by ccs at 11:13 PM 55 comments

CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES

Vale a pena ler os textos que Paulo Gorjão tem escrito no Bloguítica sobre a tese defendida por Samuel P. Huntington. É verdade que a tese, usada a torto e a direito, se banalizou, nos últimos anos. Qualquer conflito que meta um árabe, pelo meio, é automaticamente visto como mais um exemplo do “choque de civilizações” que estará em curso no “novo mundo” que se seguiu à Guerra Fria. O entusiasmo com que a expressão se aplica indiscriminadamente faz esquecer, demasiadas vezes, os interesses mais prosaicos dos Estados. Paulo Gorjão dá como exemplos a intervenção no Iraque e o actual diferendo com o Irão para tentar mostrar que o que está em causa, tanto num caso como noutro, não são razões de ordem cultural mas relações de poder entre Estados. Resta saber (e é esta a minha dúvida) se as relações de poder tornam secundárias as razões de ordem cultural ou se ambas se reforçam num contexto “civilizacional”. Ou seja, se o fundamentalismo religioso que hoje anima o Islão não é um instrumento essencial para se compreender não tanto as exigências do Irão (por exemplo), mas a força com que essas exigências se apresentam na cena internacional. A “humilhação” de uma civilização por parte de um Ocidente rico e “desprezível” é uma arma poderosa que pesa nas relações de poder e na forma como os Estados defendem os seus interesses. A crise dos cartoons mostra duas civilizações. E a sua instrumentalização (ao serviço dos interesses de alguns Estados) mostra, talvez ainda com mais clareza, a importância que o confronto entre duas civilizações tem actualmente nas relações de poder.
ccs
posted by ccs at 10:31 PM 28 comments

PORTUGAL NO SEU MELHOR


O deputado socialista João Gouveia, que o PSD-Madeira quer submeter a um exame psiquiátrico, foi candidato à Câmara Municipal de Vicente. Quando as sondagens lhe começaram a ser favoráveis, Jardim anunciou que, eleito ou não, nunca falaria com ele. Parece que isto não bastou, porque a seguir lhe incendiaram o carro. Mas nem com este aviso do Altíssimo, o homem desistiu. Para cortar o mal pela raiz, por assim dizer, alguém (certamente animado pelo melhor espírito democrático) cortou as vinhas de um militante do PS e deixou à porta de outro uma vaca morta.
A justiça tomou agora conta de João Gouveia por ele ter inexplicadamente declarado que Jardim fez da Madeira "um paraíso criminal". A maioria parlamentar do PSD levantou a imunidade parlamentar ao facínora e o queixoso é, como se calculará, o próprio Jardim. Já vi um filme assim, que se passava na América em 1930 com um bandido gordo. Não me lembro do nome.
vpv
posted by ccs at 7:14 PM 30 comments

A ESTÁTUA DO COMENDADOR


Toda a gente pergunta: onde pára o PSD, onde está Marques Mendes? O PSD e Marques Mendes, segundo consta, estão entre o ser e o não-ser. De quando em quando, aparece uma proposta de "pacto de regime", que o governo recusa, ou uma há uma altercação no parlamento sobre coisa nenhuma. De resto, nada. Vítor Constâncio prevê que a "recuperação" só vai começar em 2008 ou 2009? O PSD não se importa. O défice do Estado e da balança comercial aumentaram em 2005? E o desemprego também? O PSD saiu e já não volta hoje. Jardim trata um deputado regional do PS à boa e velha maneira soviética? O PSD não dá por isso. O Islão abre uma campanha contra o Ocidente? O PSD não se interessa por mouros. Freitas do Amaral empilha gaffe sobre gaffe e asneira sobre asneira? O PSD resmunga e torna a adormecer.
Estranhamente, no meio desta indiferença pelos pequenos sarilhos de Portugal e do mundo, o PSD anda agitadíssimo com as "directas". Por causa das "directas", ressuscitaram mortos como Morais Sarmento e Gomes da Silva, e até Santana Lopes, o próprio, o inconfundível, deitou a cabeça de fora do sarcófago. Porquê? Porque as "directas" garantem a grande barafunda: uma eleição e um congresso, e a última oportunidade para cada um agarrar o que não agarrou, antes de chegar a estátua do comendador, sob o nome terreno de Cavaco Silva. O que entretanto suceder ao país não conta.
vpv
posted by ccs at 6:16 PM 14 comments

INEXISTENTE
A grande habilidade de Sócrates, já se percebeu, é não existir. Essa é a principal táctica do nosso primeiro-ministro: Sócrates não existiu na campanha presidencial, pairou acima do seu candidato, como uma reserva nacional que o PS e o Governo tinham que preservar; não existe, agora, na crise dos cartoons, deixando o país entregue aos disparates de Freitas do Amaral. O primeiro-ministro tem opinião sobre a matéria? Consta que sim, que até deixou cair uma frase no Expresso, vaga e pouco comprometedora, suficientemente inócua para não o envolver na polémica e nos sarilhos do mundo. Presume-se que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, tentando falar em nome do país, fale pelo menos em nome do Governo. Mas convinha que o primeiro-ministro explicasse se também ele se vai empenhar na organização de um jogo de futebol entre árabes e europeus para distender o conflito de civilizações. Ou se também ele considera que a maioria das “provocações” tem partido do Ocidente e dos seus infiéis agitadores. Enquanto isso não acontecer, Freitas fala, de facto, em seu nome. E em clara oposição ao Presidente da República. O país, neste momento, tem duas vozes. Sócrates infelizmente não tem nenhuma.
ccs
posted by ccs at 12:29 PM 58 comments

Domingo, Fevereiro 12, 2006
NÃO ACREDITA? ACREDITE
Depois de ter corajosamente afirmado que o Ocidente era o agressor no caso dos cartoons, Freitas descobriu uma ideia boiando, radiosa, nas trevas do seu espírito. Uma ideia para a reconciliação universal ou, pelo menos, para um armistício na "guerra de religiões": o futebol. O futebol, como é sabido, cura tudo. Mas Freitas pensa que ele tem sido servido em pequenas doses. Não lhe basta o "mundial", não lhe basta o "europeu". Com a sua subtileza diplomática, o homem quer um campeonato euro-árabe. Aí, sim. Com a malta toda ao pontapé, acabava a questão do Maomé. Porque será que nunca ninguém se lembrou disto?
vpv
posted by ccs at 10:23 PM 58 comments

REACÇÕES

As reacções à minha coluna de anteontem ("Politicamente correcto?") não me surpreenderam. Fui acusado, quase sem exame do argumento em si próprio, de "islamofobia" (um novo crime), de belicismo e de medo. Comecemos pelo princípio. Não me parece que haja no Ocidente uma "islamofobia" comparável à "ocidentalofobia" (desculpem a palavra) do mundo muçulmano. A "Europa" entrou numa era, por assim dizer, post-religiosa e politicamente céptica, pouco propícia a qualquer espécie de intensidade na aversão ou no zelo. E, mesmo na América, o "revivalismo" cristão é uma cruzada contra a pornografia, o aborto, o divórcio, a eutanásia e o suicídio com assistência médica: não é uma cruzada contra o infiel. O Islão, que se acha o repositório dos valores que o Ocidente perdeu (a família, a piedade, a obediência, o sacrifício e por aí fora) tem pelo contrário uma profunda "fobia" ao Ocidente, visto como o símbolo e o vírus da decadência moral. Falando por mim, um ateu educado na tradição crítica inglesa e francesa, devo confessar que não me inclino para grandes paixões. Menos do que todas pela "islamofobia".
Quanto ao belicismo, sempre pensei que a estratégia do Ocidente para o Islão devia ser defensiva. A guerra de civilizações, que já existe, não é primariamente militar e os meios militares, como Bush provou, levam em linha recta à derrota. Se o uso da força, em certos casos, se justifica (no Kuwait, por exemplo, ou eventualmente contra a bomba iraniana), só se justifica por necessidade imediata (e manifesta) e com um objectivo preciso e limitado. Mas, posto isto, convém reconhecer uma realidade básica: o Islão não quer a paz com o Ocidente e não pode fazer a paz com o Ocidente. Do Irão ao Egipto, à Jordânia e à Síria, o único obstáculo ao caos, tanto externo como interno, é o inimigo comum. E, sendo assim, o escrúpulo oficial e oficioso de não "provocar" a fácil irritabilidade muçulmana não passa de um equívoco.

Falta a questão do medo. O medo, imagino, de explodir num restaurante e o medo, mais compreensível e mais digno, de um Ocidente sem petróleo. Como nunca me ocorreu nem uma coisa nem outra, presumo que o Islão paira como um espectro sobre a boa e bela vida da classe média "europeia" e americana. A televisão exagera e os jornais também. O pior perigo está em ceder a liberdade intelectual e política, que é a nossa essência, para conciliar o inconciliável.
vpv
(publicado no jornal Público)
posted by ccs at 4:36 PM 61 comments

PROVOCAÇÕES
Eu não ouvi. Mas não tenho grandes dúvidas de que o debate se encaminha para aí. Por detrás de cada bandeira queimada e de cada embaixada destruída ainda se vai descobrir um lunático enfurecido que acirrou a “sensibilidade religiosa” de um povo, sem compreender o melindre da situação e a justificada violência da fé. Malhas que o Ocidente tece!
ccs
posted by ccs at 4:13 PM 16 comments

O MUNDO ESTÁ PERDIDO
Só faltava mesmo isto: o Daniel Oliveira transformado num incompreendido moderado, tentando, em vão, pregar as virtudes do bom senso, no meio de dois mundos fanáticos, igualmente desprezíveis. De um lado os imãs, em guerra contra a blasfémia e a “licenciosidade” do Ocidente; do outro, turbas de comentadores, prontos a acirrar multidões e a atiçar o choque de civilizações. E, no meio, o pobre do Daniel, sensato e responsável, acompanhado, na sua difícil cruzada, por dois improváveis companheiros: José Sócrates e Vitalino Canas. Mais uma dúzia de cartoons e ainda corremos o risco de o ver aderir ao PS. O mundo está, de facto, perdido!
ccs
posted by ccs at 1:35 PM 29 comments

Sábado, Fevereiro 11, 2006
O HOMEM PERDEU A CABEÇA


O jornalista inglês Julian Manyon conta na Spectator que um dia, em 1997, disse ao chefe do Hamas, Khaled Meshal: "Mas com certeza que a permanência do Estado de Israel tem de ser aceite!". "Não se esqueça de Hattin", respondeu Meshal. Hattin foi a batalha em que Saladino (ou Salah al-Din) destroçou e destruiu os cruzados do Estado cristão de Jerusalém. Em 1187. "O Estado cristão de Jerusalém durou 88 anos", concluiu Meshal. "Inshallah, o Estado judaico não vai durar tanto". Isso foi em 1997! Pois, foi. Manyon perguntou há uma semana a Abu Tir, outro chefe do Hamas: "Vão acabar com as missões suicidas contra civis?". E Abu Tir nem sequer fingiu: "Se o ocupante tem medo dessas operações, que saia da nossa terra".
É com esta gente que, atrás de Chirac e de Putin, Freitas do Amaral se prepara para "dialogar". Um "diálogo" que dispensa a garantia do reconhecimento de Israel e da extinção do braço armado do Hamas. Pior ainda, um "diálogo" que desfaz gratuitamente a posição comum da América e da "Europa"na matéria. O homem perdeu a cabeça.
vpv
posted by ccs at 9:43 PM 42 comments

CARTAS
De João Serra, Chefe da Casa Civil da Presidência da República, sobre a visita de Jorge Sampaio a Nelas (referida neste post).
Visita de Jorge Sampaio a Nelas

Os jornalistas não relataram que:
1. A pretexto da projectada visita do Presidente a Nelas, estava preparada uma manifestação e uma contra-manifestação (a primeira da iniciativa da Junta de Freguesa de Canas de Senhorim e a segunda da iniciativa do núcleo de apoiantes do anterior presidente da Câmara de Nelas).
2. O anterior presidente da Câmara de Nelas perdeu as eleições para a actual Presidente em boa parte porque os habitantes de Canas de Senhorim decidiram votar nela.
3. A ameaça real de confronto físico e da provável intervenção policial destinava-se pois a provar que a actual maioria Camarária não tinha capacidade de conter os ânimos dos manifestantes de Canas de Senhorim (de facto enquanto José Correia foi Presidente da Câmara de Nelas, nunca canenses se manifestaram em Nelas).
4. O conflito tem uma história longa, de que lhe poderei falar também longamente se tiver algum interesse nela. Mas sempre lhe direi que essa história está recheada de episódios de violência: tiros contra a comitiva do Primeiro-Ministro Sá Carneiro, árvores a impedirem a passagem do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, cortes de linhas férreas, etc, etc.
5. A ida do PR a Nela rodeiu-se de algumas cautelas com vista a:
a) evitar violência;
b) não interferir no jogo político local, fortalecendo ou fragilizando qualquer dos protagonistas;
6. Nesse sentido, foi julgado preferível visitar um empresa a visitar uma instituição municipal (acontece isso em muitas visitas a concelhos).
7. Quanto ao resto:
a) é falso que o PR só tenha estado 30 minutos em Nelas
b) também não é verdade que a visita tenha sido preparada em segredo
c) ou melhor, foi preparada em segredo dos membros do Movimento de Canas
d) estou pessoalmente convencido de que alguma comunicação social queria e tudo fez para que houvesse confronto e ficou "decepcionada" com o PR.
Quanto à sua interpretação sobre a forma como o PR resolveu a passagem por Nelas, não devo discuti-la. Gostaria apenas que pudesse ter em conta que o contexto da decisão que tivemos de tomar é mais complexo do que pode parecer.
João Serra
posted by ccs at 7:30 PM 27 comments

NOVIDADES

Os leitores começam a reclamar. Estão fartos da história dos "bonecos", das ruas do Islão, das bandeiras queimadas, de abaixo-assinados, de manifestações à porta da embaixada da Dinamarca e de discussões esotéricas sobre a liberdade de expressão. Os leitores, como todos nós, exigem novidades constantes. A novidade é um vício que se esgota em dois tempos: um debate dura três dias e uma notícia umas horas. As “aberturas” das televisões ditam as regras: trinta minutos de neve, neve a cair em Lisboa, bonecos de neve no Alentejo, um manto de neve na Figueira da Foz, ruas com neve no Algarve. E chega de neve. Segue-se a “Teresa” acompanhada pela “Lena” e pelo casamento dos homossexuais: conservatória à pinha, políticos em bicos de pés, convidados em estúdio, reportagens de fundo, um debate prometedor. Cai o debate. Entra Maomé: cartoons ofensivos que as imagens não mostram, multidões em fúria, embaixadas destruídas, tiros no Afeganistão, jornalistas dinamarqueses, choque de civilizações, xeques e imãs para todos os gostos. Saem os xeques e os imãs. Surge Belmiro de Azevedo, envolto numa Opa hostil: conferências de imprensa, editores de economia em estúdio, os passos da operação, análise de cenários, agitação na Bolsa, a reacção da PT. E Belmiro de Azevedo acaba por ser substituído. A novidade deixou de ser novidade. Por razões que valeria a pena indagar, em Portugal, só as novelas é que têm o privilégio da durabilidade.
ccs
posted by ccs at 6:16 PM 11 comments

UM HOMEM COM SORTE

Sócrates é um homem com sorte. A política financeira, a que o país já se tinha resignado, que a direita apoiou e que os peritos maciçamente aprovaram, não provocou protestos de maior. A derrota nas locais foi escondida pela campanha para as presidenciais. Mesmo a derrota Soares, que em princípio o poderia abalar, acabou por ser vista como uma derrota pessoal de Soares perante Alegre e não como a derrota do candidato do PS perante Cavaco. Na imprensa e na televisão, pouca gente se interessou pelo papel de Sócrates no episódio e quase toda a gente correu atrás de Alegre, para ver (inutilmente) se daquela cabeça saía alguma ideia. Quando esse arraial esmoreceu, veio por milagre o caso das caricaturas, que afastou outra vez Sócrates para a obscuridade. E, no fim, até a OPA do eng. Belmiro ajudou. Há meses que o governo governa clandestinamente. Sempre fora do "ciclo de notícias", parece invisível.
Claro que houve uma ou outra ameaça a este sossego ou, se quiserem, a este privilégio. Desde logo, o próprio Alegre. Mas, como era de esperar, o tal "movimento cívico" do "milhão" morreu no acto de nascer e hoje, menos de um mês depois daquela inexplicável euforia, só resta uma dúzia de nostálgicos, que anda por aí a gemer nos jornais. Também a ministra da Cultura conseguiu pôr em pé de guerra a "inteligência" indígena, mas muito manifestamente passou o tempo em que a Cultura (com maiúscula) comovia alguém e a coisa lá se esvaiu sem sobressaltos. Verdade que Freitas, com o seu zelo e sua inépcia, perturbou a tranquilidade geral, mas de certa maneira até convém que ele se ofereça à guilhotina da próxima remodelação.

No meio desta vida encantada, Sócrates sabe o que faz. Fala pouco e prefere a "política do gesto". O "gesto" não toca na substância, não afecta imediatamente nenhum interesse e subentende um grande futuro. A história deste governo é a história de uma sucessão de "gestos". Primeiro, o "gesto" da OTA e do TGV. E a seguir, o "gesto" do investimento imaginário, de Bill Gates, do MIT, do plano tecnológico, da simplificação burocrática e por aí fora. Nada de palpável. Nada (excepto em parte a Ota) que alimente a oposição e a salve da frivolidade, em que Marques Mendes, por exemplo, dia a dia se afunda. Para compensar o país real (no sentido estrito da palavra), Sócrates cria uma espécie de país fictício, que está ali, jura ele, ao virar da esquina. Não está. Felizmente para ele, de Setembro para cá, a balbúrdia não deixou ver que não estava.
vpv
(publicado no jornal Público)
posted by ccs at 3:51 PM 23 comments

ENQUANTO ISSO (II)
Por cá, Marques Mendes vai perdendo colaboradores à média de um por semana. Nos outros partidos, os colaboradores costumam ser conhecidos quando começam a colaborar. No PSD curiosamente só se conhecem quando deixam de colaborar. Ninguém sabia que eles por lá andavam. Nem o que andavam por lá a fazer. Só no dia da despedida é que se fica a saber que supostamente eles andavam por lá. Assim vai a vida no PSD!
ccs
posted by ccs at 12:00 AM 19 comments

Sexta-feira, Fevereiro 10, 2006
O ESPÍRITO DA ONU

Kofi Annan garantiu que não há provas que a Síria e o Irão sejam responsáveis pela violência contra a Dinamarca. Kofi Annan sabe com certeza que não cai uma folha na Síria e no Irão sem licença do governo e com certeza também notou, como de resto o mundo inteiro, que a polícia assistiu tranquilamente enquanto a "rua" assaltava embaixadas, com o emblema e a bandeira nacional à vista. Na ONU, a mentira sempre foi um modo de vida e este episódio já não surpreende ou indigna ninguém. Mas não nos venham depois dizer que a ONU é uma fonte de legitimidade. De corrupção e facciosismo, sim. De legitimidade, não.
vpv


posted by ccs at 9:20 PM 25 comments

TÁCTICAS


O PS anunciou que, entre o aborto e o casamento de homossexuais, dá prioridade ao aborto. Teremos, portanto, o aborto em 2006 (se o "sim" ganhar o referendo) e, em 2007, o casamento de homossexuais. Não se percebe esta táctica subtil. Acha o PS que a Igreja e, em geral, a gente que não quer nem uma coisa nem outra se leva com mais facilidade dose a dose? Ou precisa de uma "causa" por ano para satisfazer a esquerda e calar o Bloco? Um ponto é certo: não há ali sombra de convicção. Para o PS, o aborto e o casamento de homossexuais contam ou não contam, de acordo com a conveniência superior do chefe e a agenda do governo. Em si próprios, são facultativos. Quanto muito valem como um sinal ao espírito do tempo. Como um "gesto".
vpv
posted by ccs at 7:03 PM 20 comments

POLITICAMENTE CORRECTO?

Nesta história das caricaturas muito gente se esforçou por provar a sua tolerância, o seu horror à xenofobia e o seu seriíssimo sentido das responsabilidades. Com toda a incorrecção política, talvez seja bom ver onde nos levam as nossas virtudes. Primeiro, a tolerância - devemos tolerar o Islão. Isto à superfície parece óbvio. Mas pede uma pergunta: também devemos tolerar a intolerância do Islão? A "Europa" respondeu que sim, mesmo à custa de se negar a si mesma. No tratado constitucional (felizmente falhado) evitou a palavra "cristandade". Mais precisamente, rejeitou a sua natureza e a sua origem, em última análise a sua liberdade, para reconhecer ao Islão um privilégio que a si própria não se reconhece. Como, de resto, na prática permite que as comunidades muçulmanas vivam segundo a sua lei e não segundo a lei geral, até quando se trata de direitos do indivíduo e, muito principalmente, da mulher. A tolerância não acabou por se tornar na defesa da intolerância?
Xenofobia significa aversão ou hostilidade ao que vem de fora, ao que é "estrangeiro". Para escapar à xenofobia - hoje um crime sem nome - temos de aceitar acriticamente o Islão, como se a nossa cultura não fosse na essência uma cultura crítica? Não ofender o sentimento religioso do próximo implica que se aceite como irrelevante ou inócua a shariah? Que se aprove, como coisa natural e permissível, qualquer fatwa contra qualquer ocidental que incorra na ira de qualquer imã? É, de facto, a nossa obrigação cívica e moral contemplar em silêncio e com respeito a sociedade da Arábia Saudita, do Irão ou do Afeganistão sob o regime Taliban? A nossa virtuosa renúncia à xenofobia não acabou por se tornar na defesa do intolerável?
Falta falar da responsabilidade. Maomé foi um profeta, mas também foi um guerreiro, um conquistador e um soberano. A shariah trata extensamente de política. Uma autoridade como o ayatollah Khomeini disse um dia: "O Islão é político ou não é nada". Tentar distinguir entre a guerra política e a guerra religiosa que o Islão move ao Ocidente não passa de um sofisma. Não se pode dividir o indivisível. A jihad deriva directamente do Corão. E o terrorismo, material e psicológico, assenta numa base doutrinal sólida, que Bin Laden, por exemplo, frequentemente invoca. Que espécie de responsabilidade leva, então, o Ocidente a não "provocar" um inimigo declarado? Não se tornou ela na pior e mais perigosa irresponsabilidade?
vpv
(publicado no jornal Público)

posted by ccs at 5:25 PM 56 comments

O ESTADO A QUE CHEGOU O PS
Primeiro foi o eng. Sócrates que abriu a caça aos blasfemos com umas declarações incisivas sobre os limites da liberdade e a lei do mais forte. Seguiu-se, num crescendo de religiosidade, o ministro dos Negócios Estrangeiros para quem a liberdade – sob perigo de se tornar “licenciosa” – tem que saber preservar os símbolos sagrados das várias religiões. Ontem, em clima já de apoteose, o porta-voz do PS, Vitalino Canas, falando em nome da bancada parlamentar, lançou esta pérola no hemiciclo: "Estão bem uns para os outros, os caricaturistas irresponsáveis e os fundamentalista violentos, ambos só podem ser alvo da nossa condenação”. Até agora não há reacções. Os deputados socialistas têm andado muito ocupados a atacar a intervenção de Manuel Alegre que criticou o comunicado de Freitas do Amaral à revelia do grupo parlamentar. Elucidativo! Do estado a que chegou o PS.
ccs
posted by ccs at 2:33 PM 29 comments

Quinta-feira, Fevereiro 09, 2006
AINDA OS JORNALISTAS
Desculpe João Morgado Fernandes mas o seu texto apenas confirma algumas ideias que tinha.


1.Diz que não brinca com a fé. Que tem valores (“uma mania” sua que, presume-se, já foi comum entre nós). Diz também que não brinca com outras coisas. E transforma isto numa doutrina. A partir daí desenvolve: para si, há territórios proibidos. E garante que até eu os tenho. Dou de barato! Você tem territórios proibidos, eu tenho territórios proibidos, qualquer um de nós tem territórios proibidos. Só que daí não se segue que haja territórios proibidos. E que se definam matérias sagradas em que ninguém pode tocar.

2.Distingue entre fé e sistemas religiosos ou instituições. A Igreja Católica que, na sua opinião, exerce, no nosso mundo, “uma influência que ultrapassa, em muito, o plano religioso” está sujeita à crítica ou à “brincadeira”, se quiser. Aí não tem nada a opor. Estamos no terreno da política, como afirma. Mas o terreno é pequeno, não se estende aos cartoons que, na sua opinião, são uma pura "provocação" e um puro "achincalhamento". Resumindo: não há política no Islão. O Estado é a religião. A religião é o Estado. Mas a política, vá lá saber-se porquê, anichou-se no Vaticano. Devolvo-lhe a simpatia: não cartoonizo. Nem sequer comento.

3.Não defende qualquer tipo de censura. Apenas o bom-senso. Mas o bom senso, como deve saber, é também uma forma de censura. Um pouco mais sofisticada. Admito!

4.Desconfia do jornalismo justiceiro. Eu não desconfio. Pura e simplesmente não o recomendo. Quanto ao atestado de mau comportamento que não considera necessário para fazer jornalismo apenas lhe posso dizer que não viria mal ao mundo (pelo contrário) se os jornalistas, às vezes, fossem menos bem comportados.


5.Garante que o seu jornalismo não exclui qualquer outro. Interessante! Que diria, então, se uma notícia, que considerasse "digna", desse origem a esta onda de retaliações: bandeiras queimadas, embaixadas destruídas, cidadãos perseguidos, ameaças de bombas e por aí fora? Dissertaria também sobre os limites da liberdade de expressão? Apelaria ao bom senso de quem publica coisas que destabilizam?

6.Está convencido de que o jornalismo que faz é mais difícil e comporta mais riscos. Acredito que esteja. Mas o que está em causa não é a qualidade ou a dificuldade do jornalismo. Mesmo que os cartoons sejam, como afirma, uma pura provocação e um puro achincalhamento, colocam-se apenas duas questões: saber se se devia proibir a sua publicação e saber se o Governo (qualquer Governo) deve ser responsável pelo que se publica nos jornais. O resto é bonito, tem muito valor e revela grande responsabilidade – mas foge ao essencial.
ccs
posted by ccs at 10:40 PM 18 comments

ENQUANTO ISSO (I)
O Presidente da República empreendeu uma visita clandestina a Nelas, onde se escondeu durante trinta breves minutos, antes de zarpar em sossego para Penalva do Castelo. Para evitar Canas de Senhorim e a sua já antiga histeria, o dr. Sampaio decidiu portar-se à altura de um foragido: reduziu a “visita” ao mínimo, elaborou um programa “secreto”, com direito a alterações “secretas” e só não usou um disfarce porque conseguiu passar mais ou menos desapercebido. Belo exemplo! Bela forma de representar o Estado!
ccs


posted by ccs at 7:47 PM 33 comments

PORTUGAL NO SEU MELHOR
Como um deputado da Assembleia Legislativa Regional tivesse atacado, com razão ou sem ela, "a minoria criminosa e oligárquica", que alegadamente governa a Madeira, o PSD requereu à dita Assembleia "a avaliação das faculdades mentais" do malfeitor. A ideia não é má. No estado a que chegámos, qualquer português gostava com certeza de saber como regula a cabeça dos príncipes que nos governam. Pessoalmente, confesso que sempre tive as piores suspeitas. E algumas certezas.
vpv
posted by ccs at 4:17 PM 17 comments

DEUS É DOS OUTROS

Bastou uma semana de ódio e de intimidação, de bandeiras queimadas e de embaixadas destruídas, de retaliações económicas e de sanções diplomáticas para que parte da opinião ocidental se vergasse perante os valores do Islão. No fundo, somos ocidentais, aceitamos os outros, compreendemos tudo e abdicamos de qualquer princípio que ponha em causa o sossego em que vivemos e os hábitos que adquirimos. Em questões de princípios somos prudentemente contidos. Se for preciso, descobrimos Deus: não em nós, como é óbvio, mas nos outros e no seu fundamentalismo. Este Deus, fanaticamente defendido, é o único que compreendemos na Sua infinita diferença. O nosso desapareceu, há muito, destruído pelo humor, pela análise, pela crítica, pelo desprezo e por uma indiferença mortal.
O cardeal Ratzinger, que o Conclave contra o espírito dos tempos nos impôs como Papa, representa

 

olha-me para esta merdelice de post, cabrão!