Os últimos e derradeiros meses de Rui Rio na Câmara do Porto têm sido férteis em novidades no capítulo da estatuária. A primeira foi a inauguração, no largo fronteiro à Cadeia da Relação (onde, há 151 anos, Camilo escreveu em três semanas o best-seller romântico "Amor de perdição"), da estátua Amor de Camilo, da autoria de Francisco Simões.
Do Simões aprecio bastante as obras que decoram estações do metro de Lisboa (o belo conjunto de estátuas de mulheres, no Campo Pequeno, e os bustos de Vieira da Silva e Arpad Szenes, no Rato) e subscrevo a sua adoração pelo belo sexo.
"A mulher é a coisa mais bonita do Universo. Não há pássaro, não há sol, não há mar, não há nada que se lhe compare. O corpo da mulher é redondo, não tem arestas, tem uma policromia harmoniosa, cheira bem", escreveu o Francisco Simões - e eu só posso concordar com ele.
Já tenho as minhas dúvidas quanto à decisão, que até pode ser adjetivada de sexista, de representar um Camilo completamente vestido a apalpar com a mão direita o cu de uma nudista (presumo seja a Ana Plácido), mas, enfim, a arte pode e deve entregar-se a liberdades que eu nem sequer ouso questionar.
A mais recente manobra de Rio foi a transferência para a Praça da Liberdade da estátua do Porto, do mestre João Silva, que estava na Sé, desde que Távora a resgatou aos jardins do Palácio de Cristal, para onde tinha sido exilada em 1916, quando foi rasgada a Avenida dos Aliados.
Numa primeira impressão, compreendi a decisão de um presidente da Câmara empenhado em animar a Baixa e tentar compensá-la da perda, esta primavera, de dois dos seus melhores clássicos: a Feira do Livro e os festejos portistas pela conquista de mais um campeonato.
Mas, pensando melhor, percebi que a coisa não é assim tão linear. O Rui está em últimas exibições e por isso preocupado com o seu legado. É humano que assim seja. No final de um longo período (nunca 12 anos custaram tanto a passar) à frente de uma cidade, é quase inevitável ceder à tentação de tentar controlar a sucessão (daí ter lançado a candidatura de Rui Moreira) e dar uma última demão na imagem que ele pretende a História guarde da sua passagem pelos Paços do Concelho.
Olhando para trás, retive o legado de dois presidentes. Paulo Valada recuperou o Ferreira Borges e foi o grande ideólogo da navegabilidade do Douro. A proclamação do Centro Histórico como Património da Humanidade, o metro, o Parque da Cidade e o Porto 2001 são as façanhas por que ficará para sempre recordado Fernando Gomes.
E Rui Rio? Bem, até estou disposto a aplaudi-lo por ter trazido de volta à Baixa a estátua do Porto, até porque dali, da esquina do Banco de Portugal, o velho guerreiro entretém-se a espreitar a Menina Nua. Mas uma mudança de estátua, somada a ter deitado abaixo duas torres do Aleixo, refrescado os bairros e afrontado o F. C. Porto e a cultura, parece-me ser um legado demasiado curto e magro para uma dúzia de anos à frente da Câmara no século XXI, não acham?
[Jornal de Notícias]
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