A agenda de Costa é reveladora: para ele, como para Sócrates, o despesismo é todo um programa de governo
Há um novo tabu na política portuguesa. E desta vez, para variar, à esquerda. António Costa, candidato do PS a primeiro-ministro, recusa-se a revelar o que pensa para o país. Jura que sabe o que diz, mas foge de dizer o que sabe. O PS quer discutir a dívida pública, mas não diz se é pela reestruturação, pela renegociação ou pelo haircut - mas cuidado, porque estas bocas para consumo eleitoral interno na Grécia, por exemplo, fizeram disparar os juros. O PS vai votar contra o Orçamento, mesmo antes de conhecer o documento e quando pela primeira vez há uma redução selectiva de impostos, mas não avança com alternativas. Que os socialistas tenham passado um cheque em branco ao seu presumível futuro líder não é da minha conta. Mas quando toca ao país, o caso muda de figura.
Afinal o que é que o país conhece do pensamento de António Costa? Partamos do positivo para o negativo. Do pouco que se sabe, a defesa da descentralização parece-me de longe a melhor proposta. Acompanho-o em praticamente tudo o que disse no 5 de Outubro. E posto que essa é a visão maioritária, tanto no PS como no PSD, só espero que um consenso entre os nossos partidos possa ser rapidamente alcançado, até porque já está considerado na proposta de Orçamento. A partir daqui, as zonas cinzentas começam a tomar conta do debate.
Costa venceu as primárias socialistas com a sua vazia e dúbia "agenda para a década". Essa "agenda" está assente em areia movediça. Costa proclama o fim da austeridade repondo salários e pensões, por um lado, e decreta o relançamento da economia por via do investimento público, por outro. Perguntará o leitor: como é que um governo pode abraçar um programa de aumento de despesa se Portugal, pela mão dos três principais partidos, se comprometeu com um rigorosíssimo Pacto Orçamental Europeu? Pois, não pode. Mas também para isso Costa tem uma solução miraculosa: mudam-se as regras na Europa. Esta tese mostra duas coisas. Primeiro, uma aproximação ao idealismo inocente de Seguro - e, de facto, as diferenças entre os dois neste ponto não existem. Segundo, Costa já se põe em rota de colisão com uma fatia importante da sua família política europeia. Resta saber como é que essas diferenças serão acomodadas no Rato a curto prazo. Pela experiência do passado, e olhando para os socialistas em França ou Itália, entre a realidade e a retórica socialista há uma distância inultrapassável.
A agenda de Costa é reveladora: para ele, como para Sócrates, o despesismo é todo um programa de governo. Falando em Sócrates, o modelo do ex-primeiro-ministro é o melhor guia para as propostas programáticas de Costa. Durante anos, nas suas passagens pela "Quadratura", o autarca de Lisboa notabilizou-se como um acérrimo defensor do legado de Sócrates, e nesta matéria é claro e coerente ao assumir as suas responsabilidades de "número dois" do PS de então.
É desejável e útil para a democracia e para o país que o "novo" PS de Costa se mostre diferente do "velho" PS. Mas vendo, lendo e ouvindo a entourage de Costa, sinto-me sintonizado na RTP Memória. A liderança de Seguro foi um interregno entre dois ciclos internos de socratismo/costismo. Incrível seria que o novo PS fosse afinal o antigo PS com mais quatro anos e os mesmos erros de sempre. Será que eles acreditam que os portugueses já se esqueceram?
Duvido que tenham esquecido. E quando daqui por um ano votarem nas legislativas, a escolha de muitos milhares será influenciada pelos factos. Os factos são simples: Passos Coelho já provou que é capaz de resgatar um país da bancarrota. Costa ainda não provou que é capaz de nos manter fora dela.
Com legislativas em Outubro e presidenciais no horizonte, 2015 será um ano de grande tensão política. Porque estamos na onda dos compromissos e da estabilidade, gostaria de ver António Costa e Pedro Passos Coelho respeitarem o voto dos eleitores. Isso só pode ser feito de uma forma: independentemente dos resultados, os dois devem continuar como líderes partidários depois das legislativas, no governo ou na oposição. A manutenção dos dois nos seus lugares será a única forma de não paralisar o país num cenário, largamente previsível, de necessidade de soluções políticas e reformadoras. E também seria a manifestação clara de uma nova política sobre a velha política.
Presidente da Câmara de Cascais [aqui]
0 comentários:
Enviar um comentário