Por que hão-de países cujos cidadãos vivem pior que os gregos, pagam mais impostos que os gregos e se reformam mais tarde que os gregos ser "solidários" com os gregos? O voto foi dos gregos, não deles
Há três conclusões a tirar do referendo grego:
I) Não se pode negociar com demagogos da mesma forma que se negoceia com quem está disposto a respeitar as regras.
II) Aos demagogos os povos não exigem nada antes toleram quase tudo porque os demagogos sobrevivem porque transferem sempre as culpas para os outros.
III) Se no poder os demagogos são quase imbatíveis na verdade só lá conseguem chegar porque beneficiam de uma extraordinária tolerância e condescendência por parte dos outros protagonistas.
A coisa começou mais ou menos assim: eles têm tanta graça. Porque não usam gravata. Porque usam rabo de cavalo. Porque rapam o cabelo. Porque andam de bicicleta. Porque andam de mota. Porque andam de metro. Porque andam. Porque são aplaudidos nas marchas do negócio do politicamente correcto. Porque passam dos restaurantes mais in para os colectivos de okupas. Porque para lá dos seus círculos só vêem roubalheira, negociatas, interesses. Porque nas televisões de dedo espetado dizem que todos os outros são corruptos. Eles claro nunca são corruptos e se por acaso alguém lhes chama a atenção para um financiamento obscuro ou um caso de nepotismo reagem vivamente indignados e exigem desculpas imediatas. É como o patriotismo. Quando eles falam de orgulho nacional, de pátria e de levantar a cabeça quase nos devemos perfilar. Mas se forem os outros a fazer o mesmo discurso está-se diante de velho ranço da direita nacionalista, patrioteira, folclórica para não dizer fascista.
Eles determinam o que é correcto e incorrecto. Mas não só. Garantem também como vão ser as famílias do futuro, as causas do futuro, o futuro em si mesmo. Do berço à cova eles têm uma causa e uma política para cada momento.
Eles são os nossos radicais. De esquerda, claro. (Também os há de direita e vão vê-los dentro em breve!)
Em muitas das universidades são dominantes. Os jornalistas tratam-nos por tu. São tão amorosos não são? Tão inteligentes, tão giros, tão sexys. E depois dizem aquelas coisas sobre as pessoas que não são números, falam de afectos, de virar a página a isto e àquilo sem mais problemas. São adoráveis de facto. Até ao momento em que têm poder.
Aí percebe-se que não mudaram nada. Continuam na mesma barricada dos outros tempos. Enquanto exigem para si e para os seus resultados um respeito institucional quase sagrado fazem gato-sapato dos seus interlocutores. Desautorizam-nos. Ridicularizam-nos. Fintam-nos. E no fim gritam que é preciso negociar, dialogar, estabelecer pontes.
Dantes queriam fazer revoluções. Agora têm projectos. A diferença é que nas revoluções arranjavam portas a dentro o seu financiamento: nacionalizavam e confiscavam. Agora exigem ser patrocinados. Como se tudo não passasse de um filme.
Desculpem mas neste logro só cai quem quer. E cair uma vez vá que não vá. Duas já tem que se lhe diga e à terceira ou é masoquismo ou estupidez. Como aqui escrevi há algumas horas o referendo que decorreu na Grécia não teria sido considerado aceitável caso não tivesse sido convocado pelo Syriza, tão queriducho que ele é das redacções, dos activistas, das pessoas de causas e de toda aquele gente que vive de teorizar sobre aquilo que os outros devem fazer, dar, garantir… Imaginam o que não se teria dito e escrito caso, por exemplo, em Angola se convocasse um referendo com esta informalidade, para não lhe chamar outra coisa? Já imaginaram a senhora Marine Le Pen a querer referendar numa semaninha algumas daquelas ideias que lhe animam o encéfalo?
Não, não me vão dizer que há matérias que não são referendáveis. Desde esta semana na Europa referenda-se o que se quiser e nos moldes em que se quiser. Até por exemplo cessar a ajuda à Grécia. Por que hão-de países cujos cidadãos vivem pior que os gregos, pagam mais impostos que os gregos e se reformam mais tarde que os gregos ser “solidários” com os gregos que votam num governo que para cúmulo namora descaradamente com uma Rússia que é uma ameaça directa para segurança de alguns desses países?
Devíamos ter pensado nisso antes? Pois devíamos. Mas agora é tarde. O que conta é que o Syriza ganhou na Grécia. E é preciso que isso fique claro: ganhou na Grécia. E tem um mandato para governar a Grécia. Não o dinheiro dos contribuintes europeus e a UE.
É dramático a Grécia sair do euro? Para os gregos é, mas se calhar nem é tanto quanto ficar. E antes que estejamos a ver Pablo Iglesias e Marine Le Pen com os mesmos truques em Madrid, Paris e em Bruxelas convém que se esclareça que os votos nos radicais não valem mais que os outros. [HELENA MATOS, aqui]
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