Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

A Ferreirinha morreu há 120 anos: a mulher que triunfou num tempo e num sector em que só os homens dominavam

Há 120 anos, na Quinta das Nogueiras, em Godim, Peso da Régua, falecia Antónia Adelaide Ferreira. Terminavam assim os 84 anos de vida da que ficou conhecida como a “Ferrerinha”, a “mãe dos pobres”, mas que foi também uma empresária de raro sucesso, num tempo e num sector exclusivamente dominados por homens.

Figura incontornável do Alto Douro vinhateiro, Antónia Adelaide nasceu em 1811, no seio de uma família abastada e com créditos firmados no cultivo da vinha. Por diligência paterna, foi destinada a casar com um primo que nunca se interessou pelos negócios e que delapidou parte do património familiar. Enviuvou cedo, aos 33 anos, sendo já mãe de dois filhos: uma menina, Maria de Assunção, e um rapaz, António Bernardo Ferreira.

A viuvez precoce despertou em si a vocação de empresária, levando-a a assumir a liderança da Casa Ferreira, fundada pelo seu avô, Bernardo Ferreira, por ordens do Marquês de Pombal. Fez grandes plantações de vinha, construiu armazéns, contratou colaboradores, comprou quintas importantes – Aciprestes, Porto e Mileu – e fundou outras – como Vale Meão –, tornando-se uma figura de primeira grandeza no setor do Vinho do Porto.

À sua prosperidade não foi indiferente o Duque de Saldanha, um dos homens mais poderosos do seu tempo. O marechal pretendeu fazer casar o seu filho com a menina Maria de Assunção. Após recusa de D. Antónia, inconformado, o duque mandou raptar a jovem, então com apenas 12 anos. Para o evitar, D. Antónia e os filhos são forçados a fugir do país, fixando-se em Londres. Aí casa, em segundas núpcias, com um dos administradores de longa data da empresa, José da Silva Torres.

Já em Portugal, é numa das suas numerosas viagens do Alto Douro para o Porto, em 1861, que se dá o famoso naufrágio no traiçoeiro Cachão da Valeira que vitimou o seu amigo, o Barão de Forrester. Os remeiros foram incapazes de resistir à força da corrente, o barco embateu nas rochas e todos os ocupantes foram atirados para as águas revoltas do rio. Diz a tradição que o barão foi arrastado para o fundo pelo peso das libras de ouro que carregava no seu largo cinturão. Quis a sorte que D. Antónia se salvasse graças às suas saias que, insufladas de ar, a mantiveram à superfície e a levaram até à margem.
1868 foi um ano de produção excedentária de vinho do Porto. Apesar da excelente qualidade de vinho, as enormes quantidades disponíveis provocaram uma rápida saturação do mercado. Os viticultores viram-se a braços com produções que não conseguiam escoar. Para ajudar os produtores e talvez pressentindo uma excelente oportunidade de negócio no futuro, D. Antónia teve a coragem de comprar grandes quantidades de vinho, a baixo preço, num tempo em que todos queriam vender.

Dois anos mais tarde surge a praga do oídio que destrói grande parte dos vinhedos. Apesar dos preços escalarem vertiginosamente muito poucos tinham vinho para vender. Foi a oportunidade para D. Antónia recuperar o investimento efetuado e multiplicar a sua fortuna.
Entretanto, a região do Douro é também atingida pela filoxera, doença provocada por um inseto que sugava, secava e matava as raízes das videiras. O seu efeito manifesta-se, em primeiro lugar, nas zonas mais a leste mas, por volta de 1872, coloca de rastos muitas das mais conhecidas propriedades produtoras de vinho do Porto. Os rendimentos baixam drasticamente, provocando a escassez de vinho e uma nova subida do seu preço.

D. Antónia não se acomoda e desloca-se a Inglaterra para se informar sobre os meios mais modernos e eficazes para combater a praga. Ao mesmo tempo que luta contra a indiferença dos sucessivos governos portugueses em relação à sorte da produção vinícola nacional, D. Antónia adota processos mais sofisticados de produção do vinho e investe em novas plantações de vinhas. A solução passou por utilizar raízes de videiras americanas, imunes ao ataque da filoxera.

Tentando que as quintas do Douro não caíssem nas mãos dos ingleses, a Ferreirinha adquiriu-as uma a uma e, mais tarde, devolveu-as por um preço simbólico – chegando mesmo, em alguns casos, a doá-las – aos antigos proprietários.

Detentora de uma grande fortuna e de dezenas de quintas na região do Douro – com destaque para a Quinta do Vesúvio, a mais famosa das suas propriedades –, esta mulher visionária lutou sempre pelos mais necessitados e pelas suas causas. Quando, em 1880, ficou novamente viúva, intensificou o seu envolvimento em obras de benfeitoria, nomeadamente na construção dos hospitais de Vila Real, Régua, Moncorvo e Lamego.

Duas vezes viúva, D. Antónia consolidou a empresa de forma admirável. O seu espírito empreendedor ensinou-a a prever, decidir e actuar, mas nunca esquecendo o lado humano, o que a transformou numa figura de grande projeção e carisma.

Símbolo de empreendedorismo, de altruísmo e de generosidade, esta mulher determinada e corajosa construiu um enorme império ao longo do século XIX. Quando faleceu, em 1896, deixou uma fortuna considerável e perto de trinta quintas. Entre as numerosas quintas hoje geridas pela Casa Ferreirinha encontra-se a Quinta da Leda, situada em Almendra, Vila Nova de Foz Côa. Das uvas provenientes destas vinhas, nasce a base do vinho topo de gama da Casa Ferreirinha, o conceituado Barca Velha, símbolo inquestionável da qualidade mais alta dos vinhos do Douro e que é declarado apenas em anos realmente excepcionais.

Em 2004, a RTP exibiu uma série, da autoria de Francisco Moita Flores, retratando a sua vida ímpar. A emblemática empresa A. A. Ferreira foi adquirida em 1987 pela Sogrape que continua, anualmente, a entregar o “Prémio Dona Antónia Adelaide Ferreira” que visa distinguir “figuras femininas portuguesas que, devido às suas características humanas e capacidades de empreendedorismo, tenham replicado de alguma forma o excepcional exemplo de Dona Antónia nos tempos de hoje, nomeadamente através do contributo para o desenvolvimento económico, social e cultural do País”.  [Manuel Sousa, aqui]

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