Como diagnosticámos aqui, a figura de Estado, longe de sermos “todos nós”, representa sim o monopólio sobre o uso da violência detido por um grupo de suseranos que, muito provavelmente, acredita que merece guiar e moldar as ideias dos seus vassalos, exigindo, em troca desse divino favor, sustento eterno na forma de produção extorquida às massas. No entanto, como mostrámos, será um erro avaliar esta realidade fora de um contexto dinâmico e de disputa pelo poder. De outro modo, o nosso modelo expor-se-ia à crítica de que, se o Estado é realmente tão mau, como podem dele fazer parte pessoas que decididamente não desejam o mal da população. Não será o sufrágio universal a prova de que todos temos uma parte na culpa do que acontece na governação do país? Se o Estado é tão mau, como pode permitir a liberdade de expressão e a democracia, a constante possibilidade de uma maioria diferente assumir as rédeas do país? Sem uma perspectiva dinâmica e de maximização do poder no longo prazo, todas estas críticas seriam devastadoras para o argumento libertário. Rothbard explica brilhantemente o raciocínio que propomos:
[O Estado] sempre nasceu da conquista e da exploração. O paradigma clássico é aquele em que uma tribo conquistadora resolve fazer uma pausa no seu método — testado e aprovado pelo tempo — de pilhagem e assassinato das tribos conquistadas, percebendo que a duração do saque seria mais longa e segura — e a situação mais agradável — se permitisse que a tribo conquistada continuasse vivendo e produzindo, com a única condição de que os conquistadores agora assumiriam a condição de governantes, exigindo um tributo anual constante.
É com isso em mente que tentarei explorar um pouco melhor alguns do métodos dinâmicos usados pelo poder estatal com o fim de perpetuar o seu monopólio.
É indiscutível que a Ideologia e a Propaganda são totalmente indispensáveis para os objetivos dos governantes. Afinal de contas, a Arte da Guerra é conquistar o inimigo sem sequer chegar a lutar. O Estado gastará todos os recursos que forem necessários para assegurar que a maioria dos seus súbditos não pensa para além de certos limites, ou que, mesmo que o faça, parta sempre do princípio que a governação é um dado adquirido, podendo apenas discutir-se o tipo de políticas mais adequado. Novamente, Rothbard identifica essa pressão constante sobre a elite burocrática:
Embora o seu modus operandi seja o da força, o problema básico e de longo prazo é ideológico. Para continuar no poder, qualquer governo (não simplesmente um governo “democrático”) tem de ter o apoio da maioria dos seus súbditos. E esse apoio, há que dizer, não precisa de ser um entusiasmo activo; pode bem ser uma resignação passiva, como se se tratasse de uma lei inevitável da natureza; Mas tem de haver apoio no sentido de algum tipo de aceitação; caso contrário, a minoria formada pelos governantes estatais seria em última instância destronada pela resistência ativa da maioria do público.
É fácil perceber a grande pressão feita na opinião geral com o fim de promover a escola pública, por exemplo. É uma das instituições menos colocadas em causa, ou sequer escrutinadas num Estado democrático. Não há melhor arma para uma aristocracia que se queira perpetuar do que ter acesso anual aos seus futuros súbditos, pagadores de impostos, podendo definir o que é o certo e o errado desde a sua infância. É vital para o Estado a existência da escolaridade obrigatória e pública, com metas definidas pelos intelectuais escolhidos por si. Este é um tesouro tão valioso que os governantes estão dispostos a ceder algum do seu saque se isso garantir o apoio dos intelectuais das escolas e universidades públicas. Os professores de hoje em dia fazem o papel outrora dos sacerdotes na justificação dos governantes perante a opinião pública. Talvez por isso a escola pública seja, nos dias que correm, uma das instituições que, no máximo, o povo critica, mas que nunca lhe ocorrerá questionar. Nesse aspecto, os sindicatos dos professores merecem as regalias obtidas: foram bem sucedidos ao implantar na mentalidade geral a ideia de que se o Estado não facultasse o ensino, as maiores tragédias sociais atirariam o país para épocas negras. Sejamos francos: até Salazar percebia o quão fundamental era a existência do Ensino Público para a manutenção do Poder. Não será razão para nos fazer pensar duas vezes antes de glorificar essa instituição?
Adicionalmente, na nossa lista negra de mercenários, os economistas terão de aparecer bem perto dos próprios políticos e dos professores. Afinal de contas, haverá profissão mais miraculosamente caloteira do que a do economista moderno1? É toda uma mistura de jargão estatístico e ilusionismo matemático, camuflando os maiores atentados ao bom senso. O papel dos economistas modernos é fundamental para a preservação do governo: o economista moderno personifica o político cientista, que do alto dos seus modelos nos assegura que tudo vai correr como planeado, bastando apenas que a gestão económica do país seja deixada aos grandes sábios da econometria. PIB, défice estrutural, externalidades, bens públicos, concorrência perfeita, impostos progressivos, efeito multiplicador: todo um arsenal de artimanhas socialistas mascarado de ciência imparcial. O economista moderno é o maior cúmplice do assalto feito pelo Estado à honestidade intelectual.
Por fim, chego ao ponto crucial da discussão que aqui proponho: a tributação. A tributação é a alimentação do monstro. A questão dos impostos é o maior exercício de equilibrismo a que o Estado se tem de submeter: como sacar o máximo possível a longo prazo sem levantar uma revolução? Aqui reside a arte última da política, tal como a descreveu Jean Baptiste Colbert, ministro das finanças de Luís XIV e pioneiro das teorias mercantilistas do século XVII:
A arte de aumentar os impostos é como depenar um ganso, em que se procura retirar o maior número de penas com o menor barulho possível
Fazer com que uma grande parte da população dependa da proteção e rendimentos oferecidos pelo Estado é a melhor maneira de assegurar a maioria dos votos. No entanto, isso coloca uma pressão imensa em termos de receita, especialmente nos Estados que não podem imprimir a sua moeda. Como distribuir a carga dos assaltos de forma a manter a situação controlada? Parece-me óbvio que a solução encontrada pela canalha ao longo dos anos se resume ao seguinte: Evitar ao máximo o contacto do cidadão comum com o pagamento de impostos, e se possível fazê-lo acreditar que quem o assalta não é o Estado mas sim quem vai servir de cobrador de impostos de serviço: as empresas e os patrões. Não se iludam, é preciso ser realmente um verdadeiro empreendedor para arriscar ter uma empresa num país como o nosso! Se a maioria dos cidadãos fosse empresário e não empregado ou funcionário, seria totalmente insustentável para o Estado manter a situação actual. No entanto, toda a ideologia anti-capitalista faz com que até alguns dos empresários acreditem que devem à sociedade uma compensação pelo privilégio de terem conseguido acertar naquilo que os consumidores mais valorizam. Só anos e anos de propaganda podem explicar a forma completamente débil como os empresários lidam com aquilo por que os obrigam a passar. A maior parte das empresas no nosso país é um autêntico departamento das finanças não remunerado. No entanto, tudo isso tem de ser completamente escondido do cidadão comum: lembrem-se, há que fingir que pagar impostos é quase um privilégio, um sinal de modernidade e que, afinal de contas, nem custa nada, porque tudo é tratado automaticamente.
Mas vamos ao caso concreto: o maior demónio do sistema tributário: a chamada ‘retenção na fonte’ e os chamados ‘pagamentos por conta’. No fundo, podem resumir-se numa simples expressão: dívida pública sem custos de serviço. As empresas são obrigadas a adiantar todo o seu imposto ao longo do ano, naquilo que é obviamente um empréstimo sem juros ao Estado, sendo que podem muito bem nem receber aquilo que pagaram em excesso quando chega a hora de ajustar as contas. Por outro lado, estão encarregues de, sempre que efetuam os pagamentos dos salários dos colaboradores, reter ‘na fonte’ o imposto sobre o rendimento destes, de forma a que tudo seja processado sem que o iludido funcionário chegue sequer a sentir que o dinheiro lhe foi literalmente extorquido (mesmo que o sinta, vai associar o roubo à figura do patrão, que não lhe paga o suficiente, e não a toda a colmeia de funcionários e pensionistas que vivem à sua conta).
Alguém acredita que o Monstro poderia dar-se ao luxo de sugar tanto produto nacional se fossem os próprios cidadãos a entregar o seu imposto no fim do ano? O conceito de ‘retenção na fonte’ é um dos maiores atentados à liberdade individual alguma vez levados a cabo pela sempre original tropa de técnicos fiscais. É uma obra prima do totalitarismo fiscal2. Tal como os impostos progressivos.
Os impostos progressivos são a maneira de o Estado poupar a maioria da população com rendimentos mais baixos, com menos a perder e com mais ganas de ir para a rua protestar, ao mesmo tempo que suga quase todo o rendimento dos empresários e da classe média (os empreendedores e produtivos), que pagam a maior parte dos impostos, mas cuja vida ocupada e cheia de responsabilidades impossibilita uma verdadeira e efectiva marcha contra esta situação.
Resumidamente, o Estado faz depender de si praticamente metade da população, sendo que, da outra metade, assegura que a maior parte não paga impostos para que não levante um motim, chegando até a dar-lhe algumas regalias, indo buscar todo o produto de que necessita à cada vez mais ténue minoria de empreendedores e trabalhadores verdadeiramente produtivos e atarefados que compõem a classe média e alta do setor privado. Mesmo assim, não vá o diabo tecê-las, inventa o conceito de retenção na fonte, escondendo da vista dos trabalhadores o assalto, fazendo depender de uma minoria ainda mais pequena, a dos patrões, o processamento de toda a papelada e trabalho burocrático que levaria qualquer cidadão comum a revoltar-se contra a canalha assaltante (de notar que as entidades reguladoras se asseguram que, ao mínimo deslize, a empresa que lute contra este inferno será atirada para um espancamento fiscal e judicial, para não mencionar reputacional, que mais nenhum empreendedor tentará a gracinha de lutar contra o processo).
Para este fim, é importantíssimo criar a ideia de que não pagar impostos não é simplesmente evitar um assalto: há que instalar na mente de todos os cidadãos que não prestar tributo ao Estado é considerar que os interesses individuais estão acima dos coletivos, é ser egoísta. Todos temos de pagar a nossa ‘justa parte’. Para os engraçadinhos que mesmo assim não se convencerem, cria o Estado um sem fim de mecanismos de deduções fiscais, que são basicamente prémios por entregar a produção privada ao gang, e que podem ser usados para gerir os incentivos (como dizem os economistas modernos), de forma a que, mais uma vez, se coloquem os cidadãos a policiar os seus próprios vizinhos. É prova disto a dedução por gastos com manutenção de veículos, gastos com cabeleireiros, os sorteios de veículos ou mesmo esse grande prémio que são os certificados de dívida do Estado! Os economistas, professores e demais intelectuais ao serviço do Estado conseguiram a grande proeza de fazer o povo acreditar que toda a sua produção é devida ao gang, e que cabe ao gang gerir e orientar as melhores formas de gerar a riqueza. Prova disso, para além do que já falámos, é a arrogância dos Orçamentos de Estado que se assumem guiões do desenvolvimento nacional, autênticos planos soviéticos para satisfazer os gostos dos parasitas; ou toda a conversa contra a emigração e o abandono escolar, ou a natalidade, que mais não são do que os reflexos do medo tremendo que a casta estatal tem de que um dia deixem de existir empreendedores e trabalhadores produtivos para os sustentar, obrigando toda a corja inútil a tentar aprender algum ofício produtivo; ou, para finalizar, todo o conluio internacional a que assistimos em matéria de trocas de informação e penalizações a empresas multinacionais que tentem optimizar a carga de imposto a que estão sujeitas. Não deixa de ser interessante perceber que as primeiras pessoas a criticar o cartel petrolífero da OPEC são agora também as primeiras a aplaudir o autêntico oligopólio Inter-Máfia que surge entre as Autoridades Fiscais de todo o Mundo. Já ouviram alguém na televisão falar disto como uma cartelização pura e dura por parte dos suseranos de todo o globo? Claro que não: trata-se apenas de “alargar a base fiscal, por forma a promover um futuro mais justo e transparente.”
O que nos traz a uma previsão daquilo que será o futuro à medida que cada vez menos terão de pagar a cada vez mais: a luta contra o dinheiro físico terá cada vez uma maior atenção mediática, aliando-se a um também maior uso das deduções fiscais para policiamento dos ‘contribuintes’.
Num futuro negro, todos faremos os nossos pagamentos por via electrónica, sendo que os bancos são obrigados a denunciar toda a informação ao Estado, sob pena de não serem resgatados caso as coisas corram mal nas suas artimanhas financeiras. Todo o nosso salário será tributado, mas o Governo oferecerá uma enciclopédia de deduções de forma a ter total controlo sobre onde gastam os seus súbditos o dinheiro que o Estado lhes oferece como uma liberalidade pelo seu dever de produção.
Só há uma esperança: que a classe média do privado e os empresários de todo o país se juntem num ‘basta!’ colectivo que atire o parasitismo socialista de volta para onde nunca devia ter saído: o caixote do lixo da História. Hoje, mais do que nunca, dependemos da força de vontade e da coragem dos mais produtivos e empreendedores.
Nota: Apenas ao autor devem ser imputadas as responsabilidades pelos pontos de vista deste artigo.
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