O processo de transferência do Infarmed para o Porto durou dez meses de ridículo. Mas no fim não cai o Carmo nem a Trindade nem o ministro
Há poucas histórias mais ridículas neste governo do que a da transferência do Infarmed para o Porto. Foi uma brincadeira de adultos, um tratado de leviandade assinado pelo ministro da Saúde, mas que parece não ter grande impacto na Lisboa que se julga Portugal e age como tal. A melhor frase para resumir esta pessegada foi dita por Rui Moreira semanas antes da hora oficial do óbito: “O Infarmed é a anedota da descentralização”.
A hora oficial do óbito aconteceu esta sexta feira e foi dada por Adalberto Marques Fernandes, no Parlamento, aliás com a tibieza que marcou todo o processo: a transferência, disse, foi “suspensa”, como se alguma vez tencionasse não enterrar o projeto e apenas deixá-lo morto em câmara ardente. Vai ser estudado por outra comissão, disse. Está-se mesmo a ver.
Aquilo que começou por ser anunciado pelo primeiro-ministro como definitivo (“vou repetir pela quinta vez”, afirmou, “a decisão do governo é que o Infarmed vá para o Porto, estamos entendidos?”), passou depois a estar sujeito a um relatório técnico; quando o relatório técnico apoiou a transferência, ela ficou “suspensa” porque o “contexto político” mudou e porque a vontade dos trabalhadores não era essa. Que surpresa. Se a vontade dos trabalhadores é determinante, então a descentralização de serviços do Estado morreu, fica tudo onde está. E não é preciso fazer relatórios nem anunciar projetos, basta ir à cantina de cada serviço e perguntar se alguém quer mudar de cidade. Este processo durou dez meses mas ao fim de dez minutos já os trabalhadores, claro, estavam contra.
O que mudou “tendo em conta o contexto político” não foi a criação de uma comissão para estudar a descentralização, foi que o governo não está para enfrentar uma controvérsia por causa disto. Trabalhadores do Infarmed 1 – governo 0. Lisboa 1 – Porto 0. Centralismo 1 – Descentralização sempre zero.
É claro que este vento não mexe uma palha em Lisboa, que responde que isto é bairrismo do Porto e que descentralizar não é só para o Porto. Nem vale a pena explicar que o Porto nunca pediu o Infarmed e que o bairrismo é de Lisboa, mas é um bairrismo tão altivo que a cidade nem se vê a si mesma. E é verdade que descentralizar não é só para o Porto mas, por este andar, não é para o Porto nem para lado nenhum. “É muito mais pacífico dizer que já não vai para o Porto do que decidir que vai para o Porto”, afirma este domingo o socialista Manuel Pizarro no Jornal de Notícias, referindo-se à “condescendência” com que os deputados ouviram a notícia. Pizarro acrescenta que o ministro da Saúde devia pelo menos pedir desculpa. Ou então pedir um espelho, dizemos nós, para perceber a figura que fez.
Não cai o Carmo nem a Trindade nem o ministro. O processo foi ridículo do princípio ao fim, matando à nascença uma ideia que era boa. Sim, boa. Descentralizar não é apenas dar mais poderes administrativos e transferir dinheiro, o que pode até ser um presente envenenado, se servir para desresponsabilizar o governo da escassez de orçamentos de serviços públicos subfinanciados (como escolas, hospitais, transportes públicos). Dispersar serviços do Estado pelo país é um problema para os trabalhadores na transição, o que é atendível, mas distribui não apenas poder como também postos de trabalho e riqueza pelo país. Precisamente o que Lisboa não quer. E os governos são tão lisboetas como um fado da Severa cantado na Mouraria.
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