O presidente da Câmara do Porto está convencido de que só no início do próximo ano, depois de o país passar em 2019 por três eleições, é que se vai voltar a discutir a descentralização e a regionalização. Rui Moreira, que ontem à noite deu uma longa entrevista ao programa Júlio Magalhães, do Porto Canal, partilhou a sua opinião com 12 personalidades de diferentes sectores da Região Norte, não só sobre este tema, mas também sobre a afirmação do Porto-cidade, em áreas como a economia, cultura, habitação e turismo. Veja o vídeo da entrevista na íntegra.
A conversa, que teve lugar na Alfândega do Porto, estendeu-se durante duas horas e meia, com Rui Moreira a responder a todas as questões levantadas por empresários, políticos, dirigentes associativos e programadores culturais, que foram convidados a participar no debate pelo Porto Canal.
A descentralização foi o assunto que mais protagonismo assumiu, com várias questões a chegar da plateia. Num ano que vai ser marcado por três eleições (europeias, regionais na Madeira e legislativas), Rui Moreira acredita que, inevitavelmente, o tema descentralização só voltará à agenda política em 2020.
O país, lamenta, continua "impregnado pelo perfume centralista", sendo o processo Infarmed um dos casos mais paradigmáticos dessa aversão à mudança, que vem da própria administração pública. "Por isso sempre defendi que o modelo vai partir da reforma do sistema político. Nunca acreditei que fosse uma reforma da administração pública".
Mas, declarando-se "um optimista", o autarca acredita que a descentralização irá avançar um dia. "O Estado é cada vez mais exíguo. Já não é capaz de ocupar o território e chegar a todos. Portanto, é uma necessidade imperiosa".
Não pelo modelo atual, porque "aquilo que nos foi proposto não é descentralização nenhuma. É apenas fazer dos municípios 'tarefeiros' de funções que são do Estado central", considerou Rui Moreira, aludindo ao acordo entre o PS e o PSD, que foi feito ao arrepio das negociações que decorreram com os municípios na Cimeira de Sintra. Enquanto for presidente da Câmara, vai recusar esta "falsa descentralização que é um presente envenenado", como muitos outros autarcas dos partidos do "arco da governação" já consideraram.
"Provavelmente, o descontentamento vai chegar no voto" e, se os partidos ditos tradicionais não conseguirem interpretar isso, Rui Moreira acredita que o espaço político possa a vir a ser preenchido por novas formações políticas.
"As empresas da região são profundamente castigadas pelo centralismo"
Respondendo às questões de Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Empresarial de Portugal" (AEP), o presidente da Câmara do Porto considerou que, pelo facto de ser no Norte que a economia é mais aberta e de ser nesta região que se encontra a maior capacidade exportadora, é penalizante que os centros de decisão estejam afastados de uma realidade que desconhecem.
Os efeitos desse centralismo, exemplificou, vêem-se na lista das maiores empresas devedoras à Caixa Geral de Depósitos; na decisão, que criticou há alguns anos, de instalar o Compete 2020 em Lisboa; no processo do 'Alexandre Herculano', em que o anterior Governo inscreveu a Câmara do Porto em verbas de fundos comunitários para reabilitar uma escola que não é gerida por si, sem o seu conhecimento.
"Tem havido um trabalho exemplar do Município junto do tecido empresarial e tecnológico"
A afirmação é de Luís Neves, presidente da Porto Tech Hub, outro dos convidados do painel que colocou questões a Rui Moreira, relacionadas com a descentralização e a regionalização e o seu efeito no fomento do empreendedorismo e da inovação.
"Quando temos uma estratégia para a economia, é no sentido da criação de competências e da facilitação daquilo que é a instalação e crescimento das empresas na cidade. Acho que descomplicámos muito a vida às empresas, também no sentido de criar um ambiente competitivo", disse o edil.
"A cultura não é o projecto de um presidente de câmara; é da cidade"
Ver novamente o Rivoli - Teatro Municipal do Porto com salas cheias é, para Rui Moreira, demonstrativo daquilo que a cidade quer para a cultura e da forma como confia ao Município a tarefa da promoção da cultura, assente num trabalho em rede com as estruturas da cidade.
"Devolver o Rivoli à cidade foi uma das nossas prioridades e cumprimos", afirmou.
Mas há mais. Projectos-charneira como o Cultura em Expansão ou o Festival Dias da Dança, já convertido em associação, modelo que permitirá que possa sobreviver "independentemente da linha política que vier a ser seguida no futuro", constatou.
Rui Moreira está convicto de que a criação da empresa municipal da Cultura permitirá ainda lançar outros projetos, por enquanto adiados, como as obras de reabilitação do Coliseu Porto Ageas ou a requalificação do Cinema Batalha.
"A cultura na Câmara do Porto já absorve mais de 3,5% do orçamento", quando no país ainda não atingiu 1%. Nesta equação, enquadram-se, por exemplo, os protocolos estabelecidos com a Fundação de Serralves, Casa da Música e Cooperativa Árvore, que rondam o investimento anual de 750 mil euros e são responsáveis pelo desenvolvimento de diferentes programas educativos.
Admitindo que não é ainda possível fazer tudo o que seria desejável, Rui Moreira explicou ao diretor do Museu da Imprensa, Luís Humberto Marcos, que "vimos de um tempo em que, basicamente, a Câmara do Porto não tinha nada [na área cultural] e a primeira prioridade tinha de ser tratar daquilo que é nosso".
Numa conversa que também abordou o turismo enquanto importante dinamizador da economia local, especialmente do comércio tradicional e de rua, o tema da habitação na cidade não ficou de fora.
Em 2017, pela primeira vez em quatro décadas, o Porto voltou a ganhar habitantes, embora o autarca reconheça que o tecido demográfico da cidade esteja envelhecido.
Além do trabalho contínuo de manutenção e requalificação do património municipal, o Executivo de Rui Moreira entende que a habitação para a classe média merece hoje respostas do setor público, como é o caso do maior programa nacional de habitação acessível lançado ontem no Porto. (daqui)
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