Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

As confissões do lendário porteiro do Elefante Branco

Os jogadores de futebol, os empresários, as mulheres, o sexo, o poder e os segredos do "Trombinhas", a famosa casa noturna que tinha à porta “O Ribeiro”. Conta tudo em livro e nesta entrevista.

Sentado na mesa do canto de um restaurante perto de casa, em Moscavide, Manuel Ribeiro conta que um dia sentiu uma dor ao levantar-se da cama. Uma dor tão forte que foi a uma consulta com António Gaspar, o conhecido fisioterapeuta, muito ligado ao tratamento de jogadores de futebol (não por acaso, quem o recomendou foi Simão Sabrosa, que na altura era casado com uma sobrinha sua (Filipa). "Quando o Gaspar viu a radiografia perguntou-me se trabalhava como estivador, a carregar alguma coisa. Eu não. A única coisa que carrego é o garfo e a colher. E a faca. ‘Então como é que você tem a espinha desta maneira?’, perguntou-me ele. ‘Que carro é que você tem?’ Olhe, ando no meu terceiro Porsche. ‘Então não diga mais nada. Você anda sentado no chão.’ E era verdade. Carros rijos, fazia muitos quilómetros, ia para fora, era solteiro e tal…"

Manuel Ribeiro teve de trocar de carro, para um BMW, que ainda tem, e a dor passou. Hoje debate-se com outros problemas de saúde. Aos 73 anos, tenta deixar de fumar, o que acha que nunca vai conseguir, mas no dia anterior tinha fumado apenas oito cigarros, uma ninharia para um corpo que durante anos suportou três maços diários – aliás, três maços nocturnos.

Manuel Ribeiro ou simplesmente "Ribeiro", como sempre o trataram, foi durante 22 anos o porteiro do mais famoso clube nocturno de Lisboa. Aquele onde iam todas as elites: financeiras, desportivas, jornalísticas, empresariais, políticas, policiais e culturais, que faziam do Elefante Branco – ou "trombinhas" como era conhecido pelos frequentadores habituais – um ninho de poderosos. Um segredo de homens.

Agora, esses segredos são contados no livro O Porteiro do Elefante Branco (escrito por Elsa Bicho e editado pela Prime Books). Quase todos, porque um advogado amigo fez alguns cortes ao manuscrito original para evitar processos.

Ainda assim, há nomes, quase todos ligados ao futebol ("Iam lá todos, éramos nós que lhes escondíamos os carros"): Mozer, Romário, Eusébio ("cliente muito assíduo"), Luís Filipe Vieira ("quando era presidente do Alverca"), Futre e o seu Porsche amarelo, os jogadores russos do Benfica, o ex-futebolista do Sporting, Cherbakov, a equipa da República Checa que estava no Euro 2004, e o empresário Jorge Mendes ("ia lá muito no início"). Sem nomes, os árbitros internacionais que vinham apitar jogos das equipas portuguesas: "Depois de jantarem no Ramiro, iam ao Elefante. Copos e mais copos e os clubes é que pagavam, mulheres incluídas, se fosse o caso."

O Ribeiro ganhava bem?
Relativamente bem [ri-se]. Tinha vencimento e ganhava das gorjetas, naquele tempo toda a gente dava gorjetas, fosse rico ou pobre. Em 1986 fui ganhar 80 contos [€1.413 a preços de hoje], que era muito dinheiro. E depois ao fim do mês ganhava uns 400 contos [€7.067] em gratificações. Só num dia de Fórmula 1 [quando o Grande Prémio passava por Portugal] ganhei 116 contos [€2.049], foi o recorde. Dizem que na noite de Lisboa, à porta, ninguém ganhou tanto dinheiro como eu.

Ganhava muito, mas também gastava muito...
Chegava ao fim de semana, metia-me no carro e ia para Braga. Sozinho, apanhar ar, passear. Um desses fins de semana, estava a jantar na cervejaria Galiza, no Porto, ao balcão, aquilo estava cheio, quando pedi a conta disseram que estava paga. Paga? Pensei logo que o dono daquilo era cliente do Elefante. Mas quem pagou? Foi o fulano x. Então olhei e lá estava ele com a família, sentado a uma mesa. Reconheceu-me... Eu muitas vezes na rua via clientes com a família e fazia que não os via. Sempre. Se eles não me falassem, não lhes falava.

Chegou a investir na Bolsa?
O escritório do [antigo corrector] Pedro Caldeira era em frente. Naquela época trabalhavam toda a noite. Às vezes iam comer um prego ao Elefante. Tive ali três ou quatro meses em que podia ter ganhado muito dinheiro, porque eles estavam sempre a desafiar-me. Até que um dia, um deles convenceu-me, fui lá com 300 contos, para uma firma [comprar acções] de que não me lembro. Três ou quatro dias depois o Cavaco Silva arrebentou a Bolsa [em Outubro de 1987, o primeiro-ministro alertava para ações que eram "gato por lebre", o que, aliado a outras causas, levou a um minicrash]. Só os via a carregar papel, os carros de noite... Encontrei o gajo mais tarde, e ele diz-me para trazer as acções no dia seguinte. Devolveu-me os 300 contos.

Ribeiro nunca se casou e sempre viveu na casa dos pais. Nasceu em Olhão e veio para Lisboa com 10 anos. Teve alguns empregos, incluindo de taxista, mas era a noite que o chamava. Começou como porteiro no bar Nina, no Chiado, até que em 1986 foi convidado para o Elefante Branco, onde ficou (ainda que com algumas interrupções) até 2008, quando se reformou.

A casa nocturna nasceu em Novembro de 1978 para apanhar uma Lisboa ainda de ressaca social e política. Em 1985, um dos donos morreu numa viagem à Serra da Estrela com a mulher e o filho. Perderam-se, passaram a noite no carro e morreram intoxicados porque deixaram a chauffage ligada para se aquecerem. Reabriu em Setembro de 1986, com novos donos e decoração, e agora sim num País já em plena euforia económica.

Lê-se no livro que a casa "chegou a ter 8 mil garrafas só de clientes. E cada uma, já em 1986, custava 18 contos [€318]". O dia mais forte era a quinta-feira, porque "muitas pessoas vinham de fora, muitos empresários chegavam em negócios deixando Lisboa ao fim de semana. Muitos políticos também já não iam para a Assembleia à sexta-feira". O mais fraco de clientela era o sábado, dia para a família.

O que mudou no novo Elefante Branco?
Era mais requintado, menos popular. A mim disseram: o álcool e as senhoras são para os clientes. E que aquilo era para pessoas que frequentam a noite, não era para as pessoas da noite. Percebi logo tudo. Nos primeiros dois meses deu-me muitas dores de cabeça. Arranjei lá muitos inimigos. Puseram-me um livro com nomes para entregar garrafas a clientes antigos da casa. Eram só piratas, malta da noite, veja bem o que é que não levei à porta. E alguns conheciam-me de outras vidas.

Quantas raparigas trabalhavam lá em 1986?
Muito poucas, só portuguesas, não chegavam a 20. Tinham transitado do antigo. O grande arranque daquilo em mulheres foi em 1988/89, com as brasileiras que apareceram ali de enxurrada. Oitenta por cento dos clientes iam para lavar a vista, para beber um copo, conviver, não iam à procura de alguém para ir para a cama. É que vocês [jornalistas] têm a mania das casas de alterne. Já expliquei 10 vezes que não é.

Qual é a diferença?
Uma casa de alterne é uma pessoa ter um bar, ter 20, 30, 40, 50 mulheres e pagar-lhes um X por noite. E têm horário, estão ali, ganham X por noite e mais alguma coisa nas bebidas. No Elefante não ganhavam nada. Oferecíamos o jantar, àquelas que fossem às 10h da noite.

Ganhavam dinheiro como?
Com o corpo delas. Mas nada no Elefante Branco. Uma vez chateei-me à porta com um jornalista do Tal & Qual. Estava um bocado com os copos. Um dia o Jaime Neves, dos Comandos, deu-lhe um estalo, estava sentado ao lado dele, por causa das parvoíces dele. Ele já tinha posto duas vezes no jornal que o Elefante era uma casa de alterne. Já lhe tinha dito que não. O que se faz aqui, até lhe dei um exemplo, naquela época fazia-se, faz-se… Como é que se chama aquela pastelaria grande na Av. da República?

A Versailles?
Em frente.

O Galeto?
O Galeto. O que se faz aqui, as meninas, fazia-se no Galeto, na Mexicana e nos bares dos hotéis, que eu conhecia algumas [mulheres que o faziam]. No Galeto então era à má fila, na Mexicana era mais discreto, nos hotéis finos estavam ali a tomar o seu chá…

Com a chegada das brasileiras, as portuguesas…
…passaram à disponibilidade, ficaram logo reformadas. Uma brasileira fala de tudo e mais alguma coisa. São diferentes. Fisicamente, melhores... [no livro, Ribeiro acrescenta a desinibição sexual]. Eram meigas, educadas, não tinham pressas. As portuguesas era logo: "Oiça lá, você chamou-me p’ra quê? P’ra estar aqui? Vamos lá [sair do Elefante Branco, regra geral para um hotel ou pensão] ou não vamos lá? Quer dizer…" A brasileira não dizia isso.

No livro, Ribeiro diz que chegou a envolver-se com uma das raparigas, mas realça que foi um erro, porque calhou ela ter ficado na lista negra da gerência e ter de ser barrada à entrada. Despeitada, a mulher aventou-lhe à porta, para todos ouvirem, pormenores da intimidade dos dois.

Em que situações é que as raparigas eram vedadas?
Quando criavam problemas lá dentro. Discutirem umas com as outras. As brasileiras umas com as outras…

E clientes barrados?
Muitos. Por exemplo, se tivessem problemas com as raparigas, se as tratassem mal ou não lhes pagassem quando saíam com elas, entregava-lhes a garrafa à porta.

E zaragatas lá dentro?
Muito raro. É evidente que apanhei ali problemas. À porta. Mas também se chamasse um carro-patrulha, vinham logo quatro ou cinco.

Porquê?
Porque gostavam daquilo. Às vezes passavam ali: "Ó Ribeiro, arranja aí dois pregos e uma cervejinha e tal." Ia arranjar, depois passavam mais tarde. Quando estavam de serviço, bebiam ali às escondidas. Sempre os tratámos bem. E eles a nós.

Via muitas vezes mulheres a tentar apanhar os maridos?
Eram casos esporádicos. Tinha de haver olho clínico para quem estava na porta. Quando aparecia alguém fora daquilo, sozinha ou com uma amiga, era logo "apalpada". Conversar. Perguntavam se fulano estava. Que era um amigo. Não está cá, não sei quem é o senhor, não conheço.

Também as via a passar nos carros à porta?
Tantas… Algumas mandavam clientes, mas não tinham nada a ver com aquilo. Se ainda fossem pessoas como deve ser.

A esse propósito, Ribeiro conta a história da primeira rusga, que diz ter sido devido a ciúmes. "Porque uma inspetora, que ainda hoje é nome grande na Polícia Judiciária, quis ver o que andava a fazer o marido, também ele inspetor da PJ. É que o homem tinha lá uma namorada, uma portuguesa. Então, ciumenta, organizou uma rusga ao Elefante para ver o que descobria do affair do marido. Só lá foi por causa disso."

Conta que Magic Johnson não entrou à primeira no Elefante...
...porque estava de ténis. E brancos. Meteu-se no táxi e voltou com uns ténis pretos. Já entrou, sempre disfarça… Era um gajo mesmo porreiro.

E também tem uma história com Bryan Adams.
Mas esse entrou. Eu vi-o a pé, 3h e tal da manhã, com um blusão castanho, gola no ar, botas em bico. Este deve vir buscar alguma namorada aqui, quem é este gajo? Não o reconheci. Ele falava português e tudo. Perguntou quanto é que era a entrada, pagou. Quando entrou lá dentro, o barulho das galinhas todas… Fui lá dentro, soube que era o Bryan Adams. Fui ao tipo do bar dizer que ele tinha uma senha de consumo. À segunda vez já não pagou. A do Johnny Hallyday é que foi.

Johnny Hallyday?
Foi num dia em que salvo erro veio fazer a primeira parte do Bryan Adams. Apareceu lá com o Manuel Moura dos Santos, que era mais agarrado ao dinheiro… Então para não dar uma gorjeta ao gajo que andava a estacionar os carros andava ali à procura. O Hallyday foi sozinho, de blusão de ganga, calças de ganga, botas muito bicudas, muito mau ar, muito avermelhado, tinha uma pulseira daquelas com picos para os cães não morderem. Quando chegou à porta, disse-lhe quanto é que era, já não me lembro se eram 5 contos, ou 10. Diz-me ele assim: "Em LA [Los Angeles] pagam-me para vir a estas casas." E eu: "Pois, aqui é x." Ficou ali 15 minutos, LA, Itália, Moulin Rouge, que era convidado e ainda recebia, etc.

E o Moura dos Santos?
Ainda andava às voltas. Lá chegou e perguntou "Então, já entrou o Johnny Hallyday". Eh, pois é, o Johnny Hallyday! Eh pá, houve aqui uma bronca, teve de pagar uma senha para entrar. "O Johnny Hallyday teve de pagar uma senha para entrar no Elefante Branco!?" Ele estava danado, disse ao Moura dos Santos para lhe pedir a senha para devolver o dinheiro. Ele não quis. Não bebeu nada nem me deu a senha, não sei se foi para mostrar em LA.

Uma grande história é também a da noite em que se realizou um grande prémio de Fórmula 1 no Estoril e aparaeceu no Elefante Branco o brasileiro Ayrton Senna e o francês Alain Prost (arqui-inimigos). Foram com as suas escuderias ao night club e cada equipa ficou no seu canto. O porteiro conta que naquela noite apareceu também "o senhor Ferreira". Quem? "O Eusébio. Sempre o tratei por senhor Ferreira. Foi uma algazarra quando ele entrou."

O Elefante Branco vai na terceira vida. Fechou em 2016, reabriu em 2019 noutro local e com novos donos.

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