Presidente do benfica está acusado de um crime de recebimento indevido de vantagem por ter oferecido bilhetes e viagens ao então juiz Rui Rangel. A VISÃO revela as mensagens que provam pedidos de ajuda ao magistrado para resolver processo fiscal pendente: "Vem sempre ao meu pensamento Sintra Sintra Sintra Sintra Sintra. Quando resolvemos?" Rangel chegou a queixar-se de que dificuldade em obter bilhetes de Vieira para a tribuna presidencial não o deixava com vontade de resolver "os problemas dele", já que aquele camarote estaria sempre cheio "dos mesmos chulos de sempre".
Luís Filipe Vieira precisava com urgência de resolver um problema fiscal que tinha pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, razão pela qual terá intercedido diversas vezes junto do então juiz desembargador Rui Rangel para obter informações sobre o andamento do processo. O despacho de acusação da Operação Lex a que a VISÃO teve acesso – que acusa Rui Rangel, Luís Filipe Vieira e outros 15 arguidos – mostra que o presidente do Sport Lisboa e Benfica terá enviado várias mensagens directas a Rangel em 2016 e 2017 ou usado como intermediários outras pessoas ligadas ao clube dos encarnados, como o advogado Jorge Barroso e o vice-presidente para as modalidades, Fernando Tavares.
Em troca das diligências de Rangel para obter informações da juíza Isabel Fernandes, diz o Ministério Público, Luís Filipe Vieira terá oferecido ao juiz (entretanto expulso da magistratura) bilhetes para jogos importantes do Benfica, convites para o camarote presidencial (pelo menos 20) e até viagens com direito a todas as despesas pagas para ver jogos da Luz fora do país como um em Manchester, no Reino Unido. Por essa razão, Vieira e Rangel seguem para julgamento acusados de um crime de recebimento indevido de vantagem.
A VISÃO, que em 2016 revelou que Rui Rangel tinha sido apanhado no processo Rota do Atlântico como sendo beneficiário de transferências de dinheiro de José Veiga (razão pela qual o processo acabaria por transitar para o Supremo Tribunal de Justiça, em setembro desse ano), também já tinha revelado há uns meses algumas escutas que comprometiam Luís Filipe Vieira neste processo Lex. Agora, o despacho final de encerramento de inquérito deste caso revela a história completa.
A 28 de Março de 2017, aproveitando uma mensagem de Rui Rangel a agradecer dois bilhetes para um jogo do SLB, Luís Filipe Vieira disse ao então juiz desembargador: “Olá Rui, Aquela situação minha podemos próxima semana ir a Sintra? Era importante resolver esse assunto.” Rui Rangel respondeu: “Está a andar para depois da Páscoa. Podemos almoçar ou jantar e falamos para ir lá ok.”
Uns dias depois, Jorge Barroso fala com Rangel e diz-lhe que Luís Filipe Vieira lhe tinha pedido para voltar a insistir no assunto: “Quer jantar talvez esta semana para resolver assunto.” No dia 26 de Abril, nova mensagem de Vieira para Rangel: “Olá Rui, Seria importante para mim falar um pouco contigo sobre este meu problema, acho isto uma coisa incrível e acho que me podes ajudar a resolver. Diz-me melhor dia para ti e hora. Abraço amigo, Luís.” Rangel respondeu: “Estou às tuas ordens, amigo. Diz dia e hora. (…)” Até que a 28 de Abril de 2017, antes de um jogo do SLB, Vieira encontrou-se com Rangel, no hotel Sana, na Expo, em Lisboa. Uns dias depois, decorre outro encontro, entre Rangel, Fernando Tavares, Vieira e Jorge Barroso.
A 7 de Maio, é a vez de Rui Rangel pedir a Fernando Tavares dois bilhetes para um jogo com o Vitória de Guimarães e dez bilhetes para o jogo da final da Taça de Portugal, sugerindo que se necessário falasse com Luís Filipe Vieira: “Põe os teus conhecimentos a funcionar. Se necessário fala com o Vieira.” Rangel insistiu nos dias seguintes, dizendo que “não podia ficar mal visto” junto dos “angolanos”. O pedido seria acedido.
Dez dias depois, Jorge Barroso liga a Vieira a comunicar a data em que iriam jantar com Rui Rangel. O presidente do Benfica diz: “A ver se aperto com o Rangel a ver se me resolve aquela merda agora ou carago.” O interlocutor responde: “Pois aperta aperta porque o gajo.” Vieira complementa: “É um turista do carago foda-se.” Jorge Barroso remata: “Tens de ser tu a apertar.” O jantar acabaria por acontecer a 23 de maio, num restaurante no Estádio da Luz. No dia seguinte, sabendo que Jorge Barroso estava com Rangel, ligou-lhe e pediu-lhe para passar o telefone ao juiz.
Em junho, o problema continuava e Barroso enviou mensagem a Rangel: “Viva Rui, Tenho LFV a insistir para ir com ele a Sintra. O que digo?” Rangel mostra-se disponível para ir com ambos a Sintra. Mas mesmo assim, no dia 20, Jorge Barroso comenta com Fernando Tavares que é necessário terem um encontro com Rangel para o alertarem para a urgência de tratar dos assuntos de Sintra, porque o presidente do SLB já estava “agastado”, “sempre a falar no mesmo assunto”. No dia 24, Rangel diz por telefone a Barroso que tem informações lá de dentro e que aquilo ia ser muito complicado. Nesse dia, Vieira insiste com Barroso e pergunta-lhe se já tinha combinado alguma coisa com Rangel. Barroso diz que não, que ele é “um baldas”, e que o melhor era Vieira falar com ele directamente. Vieira diz que o assunto é urgente porque não podia ter o dinheiro parado e que Rangel se tinha comprometido a ajudar desde a Páscoa.
No dia seguinte, Vieira manda-lhe uma mensagem por WhatsApp: “Conforme falámos depois da Páscoa iríamos tratar de Sintra. Ainda nada disse porque tenho andado atrapalhado da cervical. Estou melhor, diz-me qual o dia em que estás disponível para darmos lá um pulo contigo ou com quem indicares.” Rangel promete fazer um contacto no dia seguinte. Uns dias depois, volta a dizer-lhe: “Estou em cima do assunto.” Vieira pede-lhe para marcar ida a Sintra logo depois de dia 6 de Julho. No dia 4, Vieira insiste: “Tenta próxima semana Sintra. Importante para mim resolver.” Rangel promete fazer as “diligências necessárias.”
“Estou com o nosso amigo JB. Vem sempre ao pensamento Sintra Sintra Sintra Sintra Sintra Sintra. Quando resolvemos?”
SMS DE LUÍS FILIPE VIEIRA PARA RUI RANGEL
A 12 de Julho, Rangel, Vieira e Fernando Tavares voltam a jantar juntos, no restaurante “Cais”, em Lisboa, para analisarem o progresso das diligências de Rangel junto de Sintra. No dia 17, Jorge Barroso comunica a Rangel: “O nosso amigo já perguntou qual o dia de sairmos os dois para tratar assunto dele. Dois dias depois, estando Jorge Barroso com Vieira, o presidente do Benfica pergunta a Rangel: “Estou com o nosso amigo JB. Vem sempre ao pensamento Sintra Sintra Sintra Sintra Sintra Sintra. Quando resolvemos?” Rangel dá conta de que nesse mesmo dia irá “tratar do assunto”. Nessa mesma mensagem, Rangel aproveita para se queixar: “Vê lá se convidaste este amigo também para estar presente. Sou um amigo de segunda como se diz na minha terra e o JB de primeira. O mundo é muito injusto. Um peixinho no Seixal que bom. Há há há há. Vou estar hoje com o Jorge ao fim do dia para tratar do assunto. Não me esqueço, nunca, dos meus amigos. Falamos mais logo.”
No dia seguinte, munido do número do processo, Jorge Barroso tenta marcar um encontro com a juiz do TAF de Sintra. Sem sucesso: a escrivã diz-lhe que a juíza não se reúne com os mandatários.”
A 3 de Agosto, Fernando Tavares liga a Rangel dizendo-lhe que Vieira estava a insistir para saber novidades sobre Sintra (usou o código IC19). Rangel disse que estava “tudo a andar”. A 9 de Agosto, Tavares volta a ligar ao então desembargador, dizendo-lhe estar junto de Vieira e que este quer saber novidades do processo. “As coisas estão controladas, estão a andar”, responde Rangel. Dois dias depois, novo telefone de Tavares, dizendo que a pressão era muita. A Vieira comunica que o juiz está a tratar do assunto, podia ficar tranquilo.
No dia 11, ainda sem resultados sobre Sintra, Rangel queixa-se a Fernando Tavares de estar a ser excluído da tribuna presidencial: “Bom dia amigão do coração, desculpa o desabafo. Pergunta: Já fui de novo excomungado da tribuna presidencial? Até à data o que tem existido é silêncio. Pese embora os chulos do costume terem aí lugar cativo. É o Benfica e o nosso amigo Vieira no seu melhor. Eu tenho os meus lugares cativos e bem pagos. Não preciso mas era importante, como sabes, aí estar. E não tenho que estar sempre a dizer isto. Enfim. (…)”
A 9 de Outubro, Rangel pediu a Tavares dois bilhetes para o jogo da Selecção Nacional para amigos que vinham de Angola, “pessoas importantes e influentes”. Perante a recusa de Tavares, Rangel sugeriu que os obtivesse junto de Vieira. Perante a demora, Rangel queixou-se: “O Vieira é sempre a mesma merda. Para nós nunca, para os outros sempre. Por isso é que não dá vontade nenhuma de resolver os assuntos dele. (…) É sempre um sacrifício e um esforço acima do normal. Por isso é que a tribuna presidencial nos jogos do Benfica está sempre cheia dos mesmos chulos de sempre.” Logo de seguida, Fernando Tavares arranjou-lhe os ditos bilhetes.
Logo de seguida, Rangel foi também convidado para assistir a um jogo no Reino Unido, entre o Benfica e o Manchester United. e mesmo depois disto não se coibiu de pedir bilhetes para outro jogo na Luz, para a tribuna presidencial e com acesso ao parque de estacionamento. “Todas as ofertas efectuadas a Rui Rangel foram benefícios, proveitos indevidamente recebidos por Rui Rangel, sem qualquer justificação na sua atribuição, ofertados por Luís Filipe Vieira, Jorge Barroso e Fernando Tavares, como forma de garantirem que Rui Rangel iria obter informações privilegiadas, referentes ao processo pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, e influenciar o andamento desse processo, no sentido da sua aceleração, tal como era pretensão de Luís Filipe Vieira”, concluíram os procuradores Vítor Pinto, Maria José Morgado, Sara Sobral e Paula Moura, no despacho final de encerramento de inquérito da Operação Lex, ao qual a VISÃO teve acesso.
E Rangel, de forma a aceder aos pedidos de Vieira, consegue um dia finalmente combinar um encontro com outra juíza, num quiosque em frente ao Tribunal da Relação de Lisboa: a juíza conselheira Conceição Gomes, de quem era amigo, e que aceitou a incumbência de ir falar com a juíza do TAF de Sintra que tinha em mãos o processo de Vieira. Esta juíza contactou Rosa Vasconcelos, que era presidente da Comarca de Lisboa Oeste, e esta por sua vez deslocou-se ao gabinete da juíza de Sintra, Isabel Fernandes, que confirmou que o processo estava a seu cargo e que assim que possível trataria dele. A decisão final acabaria por ir parar a outro juiz, e a outro tribunal, em virtude das regras dos movimentos judiciais.
Para o Ministério Público, Rangel fez estas diligências para obter para si “um tratamento privilegiado junto do SLB” e Vieira e os outros dirigentes do Benfica bem sabiam que estas atitudes de Rangel violavam os seus deveres de magistrado mas, segundo o MP, ofereceram aqueles bilhetes e outras “liberalidades” ao antigo juiz para obter a sua “colaboração e influência, em virtude da profissão que exercia”.
Por estas razões, o Ministério Público decidiu acusar Luís Filipe Vieira de um crime de recebimento indevido de vantagem, em co-autoria com Jorge Barroso e Fernando Tavares.
Rangel irá responder por este crime, mas também por um crime de corrupção passiva para ato ilícito (por ter recebido dinheiro de José Veiga), quatro crimes de abuso de poder (dois deles em co-autoria com Luís Vaz das Neves, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa), outro crime de corrupção ativa por ter recebido dinheiro de um cidadão espanhol e do advogado José Santos Martins, um crime de usurpação de funções por redigir pareceres e projetos legislativos, seis crimes de falsificação de documento, seis crimes de fraude fiscal e um crime de branqueamento.
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