(*) - Henrique Pereira dos Santos no Corte Fitas
Esta frase completamente absurda é escrita, com o evidente orgulho, por Rui Tavares, um político que nas horas vagas é historiador.
Não é o único, o mais vocal e conhecido representante desse conjunto de políticos que usam uma historiografia de treta como caução académica para a sua propaganda política até é Fernando Rosas, embora haja outros menores, como Pacheco Pereira e Manuel Loff, por exemplo, e alguns menos políticos e mais respeitáveis do ponto de vista da historiografia, como Irene Pimentel.
Mas a todos, em diferentes graus, se aplica o princípio de que são políticos que usam a fraude historiográfica como gazua para contrabandear ideias políticas mascaradas de conhecimento científico.
Neste caso concreto há uma ironia adicional: na Quarta-feira passada Rui Tavares escreve um artigo em que defende a necessidade de aumento da cultura científica como mecanismo de defesa face aos populismos e outras crenças assentes no preconceito, hoje, Sexta-feira, faz a demonstração prática da falta que lhe faz uma cultura científica sólida para se livrar dos seus preconceitos ideológicos.
A frase que dá título a este post, independentemente de ser absurda em si, é explicada por Rui Tavares para defender um modelo de desenvolvimento do país assente no conhecimento e não na mão de obra barata. E Rui Tavares, o político, não se incomoda nada de torcer a história para melhor defender as suas ideias políticas.
Começa por misturar a diminuição do custo do trabalho, que Passos Coelho e a troika procuraram como forma de amortecer os efeitos da austeridade no desemprego, com as questões de educação, uma evidente palermice: nem eram as questões de educação que estavam em causa, nem era a remuneração dos trabalhadores que se pretendia reduzir, mas sim o custo do trabalho para as empresas, que inclui a remuneração do trabalhador, com certeza, mas, no caso de Portugal, inclui uma taxação de pelo menos um terço do custo para as empresas que é desviada para o Estado, sob a forma de impostos e taxas sociais.
Depois esquece que independentemente do que Passos Manuel tenha defendido no papel, o facto é que a política de educação dessa época não teve qualquer resultado na qualificação dos portugueses, portanto, se Rui Tavares quisesse contrapôr responsáveis por políticas de educação com efeitos reais na qualificação de portugueses, teria de escrever: "Menos Marquês de Pombal e mais Salazar", visto que o primeiro reduziu a população escolar em 90% - estritamente por razões ideológicas que Rui Tavares perfilha - e o segundo escolarizou a totalidade da população em idade escolar.
Claro que, por razões políticas estritas, Rui Tavares nunca usaria essa formulação que é historiograficamente correcta (embora continue a ser absurda porque nenhum dos dois homens citados se pode reduzir ao que fizeram na educação).
Aliás, neste seu artigo, Rui Tavares volta a torcer a história, tal como fez recentemente Fernando Rosas, usando o argumento clássico da importância das colónias para a economia da oligarquia que, opinião de Rosas, Tavares e outros de que o jornalismo gosta muito, investia na mão-de-obra barata: "um novo-velho modelo de negócios para o país baseado na mão-de-obra barata ou mesmo forçada, matérias-primas pilhadas e mercados coloniais cativos - modelo esse tão essencial à nossa sobrevivência que Salazar tentou agarrá-lo até ao fim ao custo de uma guerra absurda em três cenários diferentes no continente africano".
Não vale a pena perder muito tempo a rebater a quantidade de preconceitos políticos que Rui Tavares pretende fazer passar por historiografia deste parágrafo porque Nuno Palma, a propósito de uma entrevista de Fernando Rosas a que o Público deu destaque recentemente por razões que a razão desconhece, já explicou bem aqui como a ideia do peso económico das colónias na economia do regime é uma ideia sem qualquer base nos números que se conhecem.
Como diz Nuno Palma, as afirmações feitas por Rui Tavares poderão ser fundamentalmente verdadeiras em relação ao ouro do Brasil, mas são essencialmente falsas durante o resto do período colonial, seja antes, seja depois dessa época, incluindo durante o salazarismo.
Ao contrário do que pretende Rui Tavares (e grande parte da vulgata historiográfica que é usada politicamente e a que o jornalismo dá uma cobertura incompreensível), o Estado Novo investiu fortemente na educação - essencialmente na educação básica, é certo, mas no fim do regime, mesmo ainda com Salazar, e sobretudo depois, o alargamento do secundário e do ensino superior era uma realidade que se movia lentamente, por exemplo, a meio dos anos sessenta são fundadas universidades em Angola e Moçambique -, o pib per capita aumentou substancialmente a partir dos anos cinquenta, a dieta do país começou a mudar das leguminosas secas (feijão, grão, fava) para alimentos mais ricos, como leite, ovos e carne e a convergência com os países desenvolvidos nunca foi tão grande, nos últimos duzentos anos, como entre meados dos anos 50 e 1973.
E isso não se deveu à exploração das colónias, tanto mais que a guerra colonial absorvia cada vez mais recursos do Estado.
Historiadores de esquerda e direita, como Jaime Reis, Luciano do Amaral, Pedro Lains ou Nuno Palma, escrevem coisas mais ou menos semelhantes sobre história contemporânea.
Rosas, Tavares e afins, escrevem coisas diferentes, mas convém não esquecer que a sua proeminência no espaço público não tem nenhuma relação com a qualidade académica do que produzem, mas sim com a sua actividade política a que se aplica bem a irritação de Caetano Veloso perante a enorme vaia de que estava a ser alvo: "Vocês vão sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem".
O facto da imprensa dar permanentemente cobertura a este tipo de políticos comentadores, como se a sua produção intelectual justificasse a atenção que lhe dedicam, é um fortíssimo sinal de como temos instituições fraquíssimas, esse sim, um problema sério para o país, o que ajuda a explicar como ainda hoje um homem que reduz a população escolar em 90% seja apresentado nos livros escolares como um grande renovador da educação no país.
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