É tão habitual quanto sintomático: o megadebate, chamemos-lhe assim, sobre os fundos comunitários para o período 2014--2020 (a nossa única safra e a nossa única safa nos próximos anos) realizou-se, ontem, em... Lisboa, a região mais rica do país.
O argumento parece mesquinho e paroquial? Pode parecer, mas não é. Eis o motivo do interesse político desta nota: quem organizou o evento? O leitor enganou-se se pensou, como seria normal, ter sido o Ministério da Economia. Foram os ministérios das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, liderados pelos dois ministros que mais ardentemente desejam pôr a pata sobre o controlo dos fundos comunitários.
E porquê? O primeiro, Vítor Gaspar, porque quer transformar o QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) num instrumento de política orçamental (os muitos milhões que hão de brotar dos fundos europeus dar-lhe-ão imenso jeito para segurar a besta do défice). O segundo, Paulo Portas, porque a diplomacia económica se faz tanto melhor quanto mais dinheiro tivermos à disposição. O que os junta? A visão profundamente centralista do país e uma atávica e bafienta desconfiança em relação ao poder local e, pior ainda, a qualquer coisa que cheire a poder regional. A partilha de poder, portanto.
O secretário de Estado do Desenvolvimento Regional disse tudo o que havia para dizer na sua intervenção. "É urgente combater a dispersão, tanto quanto fomentar um verdadeiro racional de desenvolvimento regional e local (...). Uma deriva centralista dos fundos comunitários é recusada tanto pela Política de Coesão da União, como pelo Governo; pela regulamentação comunitária, como pelos manuais de políticas económicas".
Por que motivo se vê Almeida Henriques, acérrimo defensor dos municípios e regiões, na obrigação de sublinhar (e não é a primeira vez que o faz) aquilo que deveria ser óbvio para todos? Por que razão fala ele dos perigos de uma "deriva centralista" dos fundos comunitários? Este é (mais) um sinal, claro como a água, de que a luta entre o Ministério das Finanças e o Ministério da Economia em torno do comando dos fundos europeus continua em cima da mesa. Quer dizer: Vítor Gaspar não abdica de lhes deitar a mão. E tem a seu lado Paulo Portas. Dupla portentosa, capaz de trucidar Álvaro Santos Pereira enquanto o diabo esfrega um olho.
O ministro da Economia percebeu demasiado tarde (se é que realmente já percebeu) que Vítor e Paulo estavam a comer-lhe as papas na cabeça. Por outro lado, se algum dia Pedro Passos Coelho for chamado a dirimir esta estimável peleja, está bom de ver quem perderá. Perderá Álvaro Santos Pereira. Mas perderá, sobretudo, o resto de país que o técnico Gaspar desconsidera, que o cínico Portas diz amar e que o perdido Passos finge conhecer.
As berças são uma chatice...
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