Era metê-los a todos na cabine do maquinista... A frase não pretende desejar nada de mal a Pedro Passos Coelho, Paulo Portas, Cavaco Silva ou Álvaro Santos Pereira. Todos os dias dezenas de maquinistas circulam com comboios pela Linha do Norte sem que tivéssemos a ideia (até segunda-feira) de que estavam liminarmente a arriscar a vida à mais pequena falha. Mas o desastre do Intercidades torna de novo evidente uma coisa claríssima: a Linha do Norte, mandada construir por Fontes Pereira de Melo a meio do século XIX, está mais que velha, galopantemente inoperacional, perigosa, com uma taxa de saturação de 95% de acordo com os últimos estudos. É um problema sem solução à vista uma vez que, com garbo nacionalista, a equipa PSD-CDS lutou anos contra um imaginário TGV sem saber exatamente do que falava. Por isso o caos na principal linha do país vai manter-se por décadas.
Este acidente não é apenas uma fortuita ocorrência. As circunstâncias têm de ser rigorosamente apuradas porque só um milagre - realmente um milagre - fez com que não lamentássemos dezenas de vítimas e estivéssemos agora a discutir a sério a Linha do Norte. Como dizia ontem este jornal, se o Alfa Pendular estivesse a circular pela outra linha aquando do choque (e passou pouco tempo antes...), estaríamos perante uma das maiores tragédias ferroviárias de sempre em Portugal.
E o que se sabe sobre as circunstâncias do acidente? É prosaico: lubrificante a mais na linha... Basta isto para se provocar acidentes de comboio? Não digam isto a nenhuma organização terrorista... Por isso é preciso ir um pouco mais longe. Desde logo ao facto de a via ferroviária do eixo mais importante do país (Braga-Porto-Lisboa) ser uma estrada nacional velhinha por onde andam em simultâneo comboios regionais, intercidades, alfas e os de mercadorias. Quase todos os troços ferroviários da Linha do Norte têm apenas duas linhas, cruzados sistematicamente por comboios regionais que ora esperam ora avançam em relação a comboios de velocidade elevada. Acidentes como estes só não se repetem mais vezes por excelente gestão de linhas.
Depois de milhões e milhões em obras mafiosas e sucateiras na Linha do Norte, as coisas poderiam não ser assim, claro. Mas os governos de Cavaco e Guterres não investiram numa 'autoestrada ferroviária' como fez Espanha, que inaugurou a sua linha AVE em 1992 entre Madrid e Sevilha. 1992. Apetece perguntar: TGV? Qual TGV? Linhas, meus senhores, discutam linhas, e não comboios. Que governante com dois dedos de testa é contra a ideia de Portugal modernizar a mais importante linha férrea do país com a provecta idade de 150 anos e comparticipações comunitárias até 80%? A modernização da Linha do Norte talvez avance no dia em que o excelentíssimo sr. ministro, sr. primeiro-ministro ou sr. presidente da República tiverem a delicadeza de viajar entre Lisboa e Porto junto ao maquinista - e verem com os próprios olhos a desgraça em que aquilo está.
Obviamente isto pouco importa a quem sai pouco da capital. Os custos são na periferia. O aumento radical do número de portagens (ou ausência de transportes públicos) é um breve ruído político, apenas mais um, sem consequência. Se o Governo acha que é importante obter entre 47 e 70 milhões com mais 14 portagens no Norte e duas à volta de Lisboa, fica por perceber por que não tem tanto amor ao dinheiro quando a 'clandestina' portaria 251/2012 atribui 300 milhões a fundo perdido às empresas elétricas para o investimento nas novas barragens - como as do Tua e Tâmega. Há sempre dinheiro para os grandes e tantas vezes inúteis negócios.
A verdade é que o país está sequestrado física e economicamente. O custo dos combustíveis e das portagens torna cada vez mais difíceis as deslocações e a vida das empresas. Os transportes públicos mingam ou são cada vez mais caros - para os que ainda os têm. Parece mesmo que os únicos "bons acessos" são os que nos abrem a via aos 'mercados financeiros'. Para contrair dívida? Realmente está tudo a correr maravilhosamente. Exceto a vida real.
0 comentários:
Enviar um comentário