O Zé António Saraiva passou a ter Constâncio na conta de pessoa de carácter duvidoso mal soube que ele andava a espalhar por todos os cantos da Lisboa política que os ataques que lhe faziam no "Expresso" eram tão-só uma pérfida vingança do seu director por ele o ter derrotado em partidas de ténis e de xadrez, disputadas quando ambos se encontraram nas férias.
Não conheço Vítor Constâncio ao ponto de poder emitir uma opinião abalizada sobre o seu carácter. Todavia, creio estar na posse de informação suficiente para o caracterizar como um sobrevivente.
Constâncio, que amanhã deixa a casa dos sexagenários (ficam desde já aqui os meus parabéns antecipados), sobreviveu a três anos de desastrada e cinzenta liderança do PS, cargo em que sucedeu a Mário Soares e abandonou em 1989, na sequência da sua impotência em arranjar um candidato às eleições para a Câmara de Lisboa - e após ter sido derrotado nas legislativas por Cavaco, a quem proporcionou uma inédita maioria absoluta.
Só um sobrevivente como Constâncio, depois de sair da política pela porta das traseiras, poderia construir uma brilhante carreira académica, onde cometeu a proeza de chegar a catedrático sem ter concluído o doutoramento, a par de um lucrativo périplo pelas empresas, como administrador da EDP e BPI.
Só um sobrevivente lograria, no dealbar do novo século, regressar ao cargo de governador do Banco de Portugal, que ocupou durante dez anos auferindo o bonito salário mensal de 17 372 euros, um pouco mais do que o dobro do vencimento do presidente da Reserva Federal norte-americana.
Só um sobrevivente conseguiria ser promovido a vice-presidente do Banco Central Europeu, com um salário anual de 320 mil euros e o pelouro da supervisão bancária, depois de ter sido incapaz de detectar as fraudes, aldrabices e patifarias do BPN e Banco Privado que custaram mais de cinco mil milhões de euros aos contribuintes - e de fazer orelhas moucas aos alertas feitos em devido tempo pela Imprensa.
Constâncio também sobreviveu à sua mulher, Maria José, que nos deixou a 29 de Agosto. E apesar de ganhar 26 724 euros por mês, o viúvo Vítor Manuel Ribeiro Constâncio tem automaticamente direito a uma pensão de sobrevivência no valor de 2400 euros/mês, o equivalente a 60% da pensão da falecida.
Não sei se naquele momento de dor, no meio da papelada que a agência funerária lhe passou para as mãos - onde constam os impressos solicitando o subsídio de funeral e a pensão de sobrevivência - , o viúvo Constâncio assinou este último.
Sei que ele não precisa da pensão de sobrevivência para sobreviver. Sei ainda que para sobrevivermos temos de acabar com a possibilidade de ele - bem como todas as pessoas que ganham num mês o que 90% dos portugueses não ganham num ano - receber uma pensão de sobrevivência. Sei também que seria avisado perceber primeiro o teor das alterações ao regime das pensões de sobrevivência antes de armar um banzé e ameaçar recorrer a essa nova espécie de filial de Deus na Terra que dá pelo nome de Tribunal Constitucional. [daqui]
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