Devido ao nosso isolamento clássico, aquilo que é discutido no Ocidente passa muitas vezes ao lado das cabeças que nos apascentam. Estamos em AM quando o resto está em FM. É como se Portugal fosse Ocidente no corpo e não na mente. Um exemplo: o facto de termos pela primeira vez um governo apoiado por todas as esquerdas tem retardado a chegada a Portugal de um tema que foi reforçado por 2018: o desaparecimento das esquerdas na Europa. Porque é que isto aconteceu? Vinte anos de equívocos com boa imprensa explicam o desaparecimento da esquerda da realidade das pessoas comuns.
Quando pensava que a “globalização predatória” só beneficiava o Ocidente à custa do Resto, a esquerda colocava o trabalhador ocidental no campo do “neoliberalismo”. Quando esta fraude ainda marxista caiu e entrou em campo o “politicamente correto”, a esquerda passou a ver no trabalhador ocidental o símbolo do “patriarcado branco”
A esquerda não percebeu o 11 de Setembro. Passou os anos 90 a dizer que a “globalização predatória” enriquecia o Ocidente à custa dos povos do Resto. Nesta narrativa, o 11 de Setembro apareceu como a vingança à Fanon dos deserdados económicos contra a “globalização neoliberal”. Já não se lembram desta cantilena que foi mantra sagrado em jornais e universidades? A esquerda não percebia que o motivo podia ser o fanatismo religioso de homens que até viviam bem. Nesta época, defender que a globalização era um fator de enriquecimento do Resto e que o 11 de Setembro tinha motivação religiosa e não económica ou meramente política (Palestina) era o mesmo que entrar nas fogueiras dos jornais e das faculdades.
Vinte anos depois, o que aconteceu? A esquerda saltou da visão exclusivamente económica para uma visão exclusivamente identitária. Entre 2001 e 2019, ficou evidente que o grande mantra da esquerda dos anos 90 era uma fraude: não, a globalização não era um mecanismo para o Ocidente sugar as riquezas do Resto; a globalização retirou milhões da pobreza na Ásia, América do Sul e até África; quem ficou pior foi o próprio Ocidente, quem ficou pior foi o velho trabalhador ocidental, que paradoxalmente foi abandonado pela esquerda. Porquê? Quando pensava que a “globalização predatória” só beneficiava o Ocidente à custa do Resto, a esquerda colocava o trabalhador ocidental no campo do “neoliberalismo”. Quando esta fraude ainda marxista caiu e entrou em campo o “politicamente correto”, a esquerda passou a ver no trabalhador ocidental o símbolo do “patriarcado branco”. Repito: duas décadas de erros elevados a mantras pelos média explicam o desaparecimento da esquerda da realidade das pessoas comuns.
(Henrique Raposo, aqui)
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