Ao contrário do que clama a «esquerda indignada», o país não precisa do sector privado para haver «corrupção». Pelo contrário: ela medra no actual sistema de clientelismo de Estado incarnado pelo PS.
Quando vi a comunicação social coberta de declarações alarmistas do primeiro-ministro acerca de um «sentimento de revolta» que por aí correria contra a greve dos camionistas de matérias perigosas, percebeu-se que o PS está em pânico. Não tanto com essa greve, que acontecerá ou não daqui a duas semanas, mas sim com a rede de tropelias em que o partido foi apanhado desde que recomeçaram os incêndios florestais e se revelou a completa incompetência do governo para lidar não só com o flagelo mas também com as vítimas dos fogos e com os seus representantes locais.
Por sua vez, o episódio das «golas» — que seriam caricatas se não fossem inflamáveis! – destapou em catadupa a série de negócios de toda a ordem realizados com o Estado central e as autarquias por familiares próximos dos membros do presente governo e das câmaras do PS: logo quatro de uma só vez a acrescentar aos casos anteriores! Perante isso, a reacção de um primeiro-ministro cada vez mais prepotente foi refugiar-se imediatamente junto da procuradora-geral nomeada há pouco tempo por ele próprio e pelo Presidente da República, o qual parece entretanto ter desaparecido em férias… O significado destas fugas a dois meses das eleições não é difícil de adivinhar!
Bem queria o primeiro-ministro alterar a legislação que ele próprio aprovara no século passado e que ainda regula as relações de ética económica entre membros do governo e familiares próximos mas não teve tempo. A cobertura da PGR destina-se a salvar, se possível, a pele dos governantes do PS apanhados em falta mas, sobretudo, a adiar para depois das legislativas do início de Outubro uma solução qualquer para todos os desastres que já estão a caminho.
Outro sinistro processo acerca do qual nenhum dos responsáveis passados e actuais diz uma palavra é o caso de Tancos, no qual já há vinte e cinco arguidos mas ainda não se sabe quais são as óbvias responsabilidades dos governantes. É difícil os eleitores não perguntarem a si próprios: o antigo ministro da Defesa não disse nada ao primeiro-ministro nem este ao PR?
Afinal, essas eleições que pareciam favas contadas e muitos julgavam dar ao PS a «maioria absoluta» que o autorizaria a fazer o que lhe desse apetecesse, arriscam-se a correr pior do que o líder e o partido esperavam. É isso que deverá ocorrer perante um descontrolo tão grande da situação política. Neste momento, boa parte do eleitorado irá abster-se e não se sabe quantos eleitores se defrontam com a ausência de oposição relevante a este regime implantado à custa de uma «geringonça» em desrespeito das normas de coexistência democrática.
Com efeito, o PSD e o CDS bateram no fundo e a razão é simples: nenhum dos seus líderes teve capacidade política para assumir a herança do governo Passos Coelho, graças ao qual o país conseguiu sobreviver à crise e já havia começado a recuperar antes das eleições de 2015 as perdas legadas pelo Sr. Sócrates. Em contrapartida, este último é mantido fora do tribunal graças ao sistema de dilação ad aeternum dos processos de justiça mais delicados para os prevaricadores bem conhecidos que levaram Portugal ao ponto a que chegámos…
Ao contrário do que clama a «esquerda indignada», o país não precisa do sector privado para haver «corrupção». Pelo contrário: é o actual sistema de clientelismo de Estado incarnado pelo PS que tem garantido o controle partidário sobre um aparelho de Estado omnipresente, bem como a multiplicação de empregos estatais, é isso que alimenta a corrupção generalizada, como se comprovou logo que rebentou a crise.
No dia em que conhecermos o grau de corrupção que reina entre o universo da política profissional e o aparelho de Estado (funcionalismo público e fornecedores), mancomunados como estão com um sector privado de bens não transacionáveis monopolista e desregulado, verificar-se-á que os políticos profissionais são os grandes responsáveis pela corrupção. Por seu turno, esta constitui, lamentavelmente, o caldo em que mergulham muitos dos que escolhem a política como profissão, mesmo se de início julgam tê-la escolhido por vocação.
Após seis anos de governo Sócrates mais quatro da «geringonça», dez ao todo!, as próximas eleições não serão apenas uma questão de políticas, desde a saúde e a educação até ao investimento público, para não falar das reformas constitucionais, mas sobretudo de ética. Com a interrupção da «austeridade» imposta pela dívida, o país não tem vivido outra coisa senão comprar votos, oferecer empregos e distribuir os «ganhos da corrupção». Se o PS conseguir manter o poder, como é capaz de acontecer graças à abstenção, a governação do país deixará de ser uma questão aberta de medidas políticas para se tornar uma questão fechada de moral pública: SIM ou NÃO!
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