O PS quer estar sempre no poder, sendo o partido do Estado, e se possível sempre no governo, umas vezes com o apoio das esquerdas radicais, outras com a ajuda do PSD. Eis o favor que Rio fez a Costa.
Os dez anos de governos de Cavaco Silva foram o maior trauma da história do PS. Esqueçam o Estado Novo e o Salazarismo. O verdadeiro trauma para os socialistas foi o Cavaquismo. A década Cavaquista constituiu uma ameaça à visão socialista da democracia portuguesa pós-25 de Abril.
Há várias interpretações sobre o significado da revolução dos cravos, de acordo com os objectivos dos partidos políticos. O PCP e as esquerdas radicais nunca olharam para o 25 de Abril como o início de um regime democrático, mas como uma revolução para substituir uma ditadura, o Estado Novo, por outra ditadura, comunista, provavelmente – tendo em conta o exemplo soviético – bem mais violenta. Para o PSD e o CDS, o fim do Salazarismo abriu a porta a um regime democrático ocidental, pluralista e liberal, apoiado na integração europeia. A versão do PS é semelhante mas não é exactamente a mesma. O pluralismo democrático deve ser limitado pela hegemonia do PS no sistema político. O PS ocuparia um lugar central e especial na democracia portuguesa. Seria o partido natural do poder. Seria, na III República, o que o Partido Republicano de Afonso Costa foi na I república. Na concepção socialista de democracia, a ideologia jacobina foi sempre mais forte do que a tradição social democrata, de resto fraca no PS, ao contrário do que se passa com os partidos de esquerda noutros países europeus.
Para os socialistas, o 25 de Abril foi feito para o PS estar no poder e não na oposição. Foi este programa de poder que Cavaco Silva ameaçou. Daí o profundo ódio que os socialistas sentem por Cavaco, como aliás não sentem por qualquer outro político da democracia portuguesa. Durante alguns anos Sá Carneiro foi a grande ameaça aos socialistas. Logo na década de 1970, Sá Carneiro percebeu o essencial: a democracia portuguesa só estaria completa quando houvesse uma alternativa ao PS, que fosse do centro à direita. Foi isso que a primeira AD conseguiu. Mas depois Sá Carneiro morreu.
Após a década Cavaquista, os socialistas aprenderam a lição. O exemplo Cavaquista não se poderia repetir. O PS nunca mais poderia estar uma década fora do poder. Por isso, a partir de 1995, tratou de ocupar o poder, num sentido mais vasto do que o governo, começando pelo Estado, incluindo os diferentes órgãos de soberania. Depois a comunicação social que interessa, as televisões. E por fim, os sectores centrais da economia privada. Mas para a estratégia socialista, o controlo do Estado é o ponto fundamental. Em Portugal, quem controla o Estado manda no país (este é o aspecto da herança Salazarista de que o PS gosta e nada fará para mudar). Esta estratégia de poder conheceu o seu momento mais alto durante os anos de Sócrates como PM, onde o único limite real ao poder socialista foi, mais uma vez, Cavaco Silva.
O sucesso desta estratégia é evidente. Desde 1995, o PS tem estado sempre no poder. Mesmo nos raros intervalos em que não esteve no governo, continuou no poder. Durante estas duas décadas e meia, Passos Coelho foi a principal ameaça ao poder socialista. Se Passos Coelho e Paulo Portas tivessem continuado no governo, em 2015, seria o regresso do fantasma Cavaquista e uma nova ameaça ao poder do PS. Mas quatro anos não foram suficientes para enfraquecer irremediavelmente o poder socialista. Depois do PSD e do CDS terem sido úteis para fazer o trabalho sujo, o PS retomou o seu projecto hegemónico, reduzindo o PCP e o Bloco à condição de ajudantes.
Apesar da geringonça, que foi apenas a estratégia necessária em 2015, para evitar um novo governo de Passos Coelho, o PS não quer, nem nunca quis, uma polarização entre a esquerda e a direita. Esse era o projecto de Sá Carneiro e de Cavaco: a alternativa entre a esquerda liderada pelo PS, e a direita liderada pelo PSD. Mas esse confronto ameaça a hegemonia do PS na democracia portuguesa.
O PS quer estar sempre no poder, sendo o partido do Estado, e se possível sempre no governo, umas vezes com o apoio das esquerdas radicais, outras vezes com a ajuda do PSD. Eis o favor que Rui Rio fez a António Costa. Transformou o PSD num possível aliado menor do PS, em vez de liderar uma verdadeira oposição aos socialistas. Ou seja, está a contribuir para reforçar a hegemonia socialista em Portugal: o verdadeiro projecto do PS, desde Mário Soares até António Costa. O PS nunca mudará e não o culpem por reforçar o seu poder. É ao PSD que compete liderar uma alternativa não-socialista suficientemente forte para conquistar uma maioria absoluta. Enquanto não for capaz, o PS estará no governo para sempre.
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