Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Semiótica do palavrão (*)

(*) PAULO MOURA, aqui


Em nen­hum outro lugar do país se fala um por­tuguês tão rico como no Porto. Perdoem-me os bem-falantes de todas as lat­i­tudes, mas eu, que já morei em muitas ter­ras, nunca vi acari­ciar as palavras como no Porto. E não me refiro às camadas cul­tas. Por mais que isto custe aos lusos doutores, na Invicta, o povo apoderou-se do Verbo. “No Porto?”, pas­mará um lis­boeta. “Eu quando lá vou só ouço palavrões!”. Pre­cisa­mente. Esse é um exem­plo fasci­nante. No resto do país, os palavrões são usa­dos em situ­ações extremas, para mostrar desagrado por uma situ­ação, ou para insul­tar alguém, que pre­tendemos rebaixar. E, usando-os, rebaixamo-nos a nós próprios tam­bém. É para isso que servem: para reduzir à obscenidade.
No Porto, os palavrões não são obscenos: são uma arte e uma filosofia. Não sei se algum lin­guista anal­isou alguma vez este fenó­meno. Mas valia a pena. Primeiro porque, no Porto, os palavrões são fiéis à sua natureza — são vul­gares e ordinários. Não são, como noutras regiões, raros e extra­ordinários. São de todos, e não de uma elite inde­cente. Depois, porque servem para exprimir uma sabedo­ria.
A tác­tica é esta (e digo-o com todo o respeito e admi­ração pela terra onde nasci): há um jogo de metá­foras, todas elas ref­er­entes ao acto sex­ual, que servem para com­preen­der a vida. É um uni­verso alegórico em que o sexo não é mais do que um exer­cí­cio util­i­tarista de dom­i­nação e humil­hação, uma econo­mia do dar e do rece­ber, um negó­cio de favores, promes­sas e cobranças. Visto desta forma, a vida erótica com­porta uma panó­plia de situ­ações que cor­re­spon­dem a out­ras tan­tas da vida em geral.
Atenção, trata-se de um jogo tác­ito, e não de um machismo emped­ernido ou um marx­ismo de caserna. Por exem­plo, se se disser que alguém “apan­hou no c. e nem piou”, isto sig­nifica que foi vítima de um abuso tão descarado que nem teve tempo de protes­tar. A expressão aplica-se a situ­ações tão vari­adas como ter pago um preço exager­ado num restau­rante ou ter sido des­pe­dido sem justa causa. Parte do princí­pio de que o sexo anal é um acto de prazer uni­lat­eral, que implica por­tanto a humil­hação do sujeito pas­sivo.
Por outro lado, a expressão “tenho apan­hado muito no c.” sig­nifica que já sofri muito na vida, pelo que estou preparado para grandes desafios. Uma expressão equiv­a­lente mas talvez ainda um pouco mais amarga é “eu já fiz muitos b.
Se alguém respon­der a um pedido ou uma pro­posta com a frase “na c. da tua tia!”, isso sig­nifica uma recusa peremp­tória, como quem diz “isso é que era bom!” ou “isso é o que tu que­rias!”, numa alusão ao even­tual desejo sub­lim­i­nar e incon­fes­sado de ter acesso às partes ínti­mas de fig­uras respeitáveis da família. Mas, se a frase for “até rima da c. da tua prima”, sig­nifica um sinal de cumpli­ci­dade. A sim­ples alter­ação do grau de par­entesco implica uma revi­ra­volta semân­tica. É todo um jogo de sub­tilezas. Mais um exem­plo: as elocuções “p. que te pariu” ou “filho da p.” são inequiv­o­ca­mente neg­a­ti­vas, pois pres­supõem que a mãe do inter­locu­tor seria uma tra­bal­hadora do sexo, pelo que o coito que deu origem àquele terá sido, não de amor, mas um acto mer­can­til. Pelo con­trário, dizer “meu grande filho da p.” é um gesto de car­inho, talvez por sug­erir que o indi­ví­duo em causa, por se ter com­por­tado como um grande filho, merece o respeito e a pro­tecção da sociedade, ape­sar das cir­cun­stân­cias pouco aus­pi­ciosas em que foi con­ce­bido.
(PÚBLICO)

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