Só em Março de 2018 o processo de Vara foi separado dos restantes, o que deveria ter ocorrido há mais de um ano. Como foi isto possível?
Armando Vara, condenado em 2014 a cinco anos de prisão efectiva, continua à solta, já lá vão quase cinco anos. Tornou-se assim o símbolo vivo do que de pior e de melhor tem a Justiça portuguesa: uma Justiça independente, porque condenou um ex-ministro, banqueiro e empresário todo-poderoso; mas também uma Justiça demorada ou mesmo ineficaz porque, apesar de o sentenciar a prisão efectiva, parece não conseguir prendê-lo.
A condenação de Armando Vara constituiu à época uma novidade, pois Vara era considerado intocável. Havia sido ministro de vários governos e confidente de Guterres e Sócrates. Tinha administrado o Millennium-BCP e a Caixa Geral de Depósitos. No banco público, tinha concedido créditos de favor a muitos poderosos que haveriam de o defender, pois a isso obrigava esta teia de cumplicidades. Mas, em 2014, acontecia o que ninguém previra, nem o próprio: Armando Vara condenado pelo Tribunal de Aveiro, a cinco anos de prisão efectiva. A notícia da prisão foi profusamente divulgada pelos media, tendo mesmo sido inculcada na opinião pública a ideia (errónea, mas generalizada) de que Vara viria a ser detido em breve.
Na sequência da condenação, Armando Vara, claro, interpôs recurso no Tribunal da Relação do Porto; recorreu relativamente a diversas matérias, bem como da própria decisão final. Sem sucesso. A Relação do Porto deliberou “negar provimento ao recurso da decisão final interposto pelo arguido Armando António Martins Vara mantendo-se, no que a este arguido e recorrente diz respeito, integralmente o Acórdão recorrido”. Deste acórdão, de Abril de 2017, foi também dada notícia pública, tendo então sido reforçada a convicção na opinião pública de que Vara iria cumprir a pena de prisão. Mas o facto é que, inexplicavelmente, tal não ocorreu. Até hoje.
Já não se compreendera a demora na apreciação do recurso na Relação do Porto. Foram três anos, de Setembro de 2014 a Abril de 2017, de expedientes e desculpas esfarrapadas para justificar a morosidade processual. Desde o incidente de recusa de dois desembargadores relatores inicialmente designados, que solicitaram escusa, por alegadamente terem ligações a Vara; até às desculpas recorrentes face à dimensão do processo – tudo constituiu motivo para justificar o injustificável, a decisão sempre adiada.
Mas, finalmente, em Abril de 2017, a Relação decidiu. Da decisão em causa da Relação não há possibilidade de recurso para o Supremo, uma vez que dos acórdãos da Relação que confirmem a decisão da 1.ª Instância só as condenações superiores a oito anos são recorríveis. O advogado de Vara intentou então um ardiloso esquema dilatório: recorreu para o Tribunal Constitucional e tentou, com sucesso, adiar o envio do processo da Relação do Porto para o Constitucional. Sempre na mira da obstrução ao normal curso da Justiça, o defensor de Vara, Tiago Bastos, alegou que o recurso só poderia subir ao Constitucional após uma outra decisão que nada tinha que ver com Armando Vara: um acórdão do Supremo, respeitante a um outro arguido no processo, Manuel Godinho. Inexplicavelmente, a relatora do processo deixou-se iludir e, com este simulado travão, o processo de Vara ficou na gaveta, na Relação do Porto, mais de um ano. Só em Março de 2018 o processo de Vara foi separado dos restantes; o que deveria ter ocorrido há mais de um ano. Como foi isto possível?
E assim, sem qualquer justificação plausível, volvidos 13 meses, Vara não foi ainda preso, em Maio de 2018. O processo deveria ter subido ao Constitucional há mais de um ano e, não havendo possibilidade de alteração em matérias de facto ou de Direito, o condenado Armando Vara deveria estar preso há já muitos meses. Mas continua tranquilamente em liberdade, a maior parte do tempo fora do país.
Esta situação de leveza, de impunidade e desrespeito pela Justiça gera na sociedade uma indignação generalizada, provocando mesmo justificado alarme social. Além de que esta inoperância configura um total desprezo pelo trabalho competente dos investigadores responsáveis, na Judiciária de Aveiro, pelo processo Face Oculta; e também pela capacidade do Ministério Público em proferir uma acusação competente e idónea. Finalmente, esta inconsequência desrespeita a decisão dos Tribunais de Primeira Instância e da própria Relação. Aqui chegados, e para que o sistema de Justiça se dê minimamente ao respeito, prendam-no, por favor, pela vossa saúde. E pela nossa Justiça!
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