JOÃO MIGUEL TAVARES: A verdade é esta: Gomes Cravinho está muito mais próximo dos fósforos do que Mário Machado. As labaredas estão noutro lado.
A minha reacção ao ver Mário Machado defender Salazar é semelhante à minha reacção ao ver o PCP defender o regime venezuelano: acho patético, em ambos os casos. E acho mais. Da mesma forma que o PCP não deve ser proibido de defender Nicolás Maduro, também Machado deve ter direito a espraiar o seu amor público por Oliveira Salazar e pelo saudoso tempo em que havia “respeito” – além de censura, violência, analfabetismo, paroquialismo e subdesenvolvimento.
Acho igualmente que toda a gente tem direito a indignar-se com os convidados de Manuel Luís Goucha e a criticá-lo por descrever Mário Machado no Facebook como – e cito – “autor de umas declarações polémicas”. Desde que não queiram proibir Goucha de convidar quem bem lhe apetecer, as suas acções e intervenções são certamente passíveis de crítica.
Até aqui, tudo normal. As coisas só deixam de ser normais quando um ministro do actual Governo, à boleia deste tema, decide ir para as redes sociais exercitar a sua liberdade de expressão e reflectir sobre a ascensão da extrema direita no mundo, como se o bater de asas de Mário Machado nos estúdios de Queluz de Baixo fosse provocar uma tempestade fascista em São Bento. Aí, eu já fico bastante encanitado.
Não porque os membros do Governo não tenham direito a exprimir-se e a comentar a actualidade social e política, mas porque essa expressão acarreta um peso institucional acrescido devido ao cargo que desempenham, e porque o rigor intelectual com que intervêm deve ser minimamente preservado.
Donde, quando o ministro da Defesa João Gomes Cravinho decide afirmar no Twitter que “é preciso ter a noção” de que a “atitude” da TVI, ao convidar Mário Machado para estar no “Você na TV”, “não é muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas”, eu tenho alguma coisa a dizer sobre incendiários, labaredas e a extrema-direita.
Até pode ser que um dia a malta saudosa do Estado Novo venha a entrar no Parlamento. Mas, se acaso tal acontecer, a responsabilidade será muito mais de políticos como João Gomes Cravinho do que de ex-presidiários como Mário Machado. De cada vez que Machado fala, como facilmente comprovará quem tenha assistido à conversa com Goucha, a causa nacionalista afunda-se mais um pouco.
Tudo nele soa a velho e requentado, e não está sequer bem articulado em termos retóricos. Além disso, 12 anos de vida na cadeia não é propriamente o melhor currículo para quem tanto ama a ordem e o “respeito”. Machado pode ser eficaz a amolgar os dentes de quem se atravessa no seu caminho, mas politicamente vale zero. Tão patético quanto ouvi-lo defender Salazar é ver políticos e colunistas com medo que ele represente alguma coisa. Não representa. Nada.
É por isso que tanto me irrita a intervenção de João Gomes Cravinho. Aquilo que um dia pode empurrar Portugal para os braços de populistas da extrema-direita ou da extrema-esquerda não é o discurso de Mário Machado.
- São os deputados que dizem que estão no Parlamento e não estão.
- São as líderes de juventudes partidárias eleitas apesar das fraudes nos currículos.
- São as PGR competentes afastadas por serem incómodas para o poder político.
- São os políticos condenados que demoram anos a ir para a prisão.
- São os políticos corruptos protegidos pelos partidos.
- São as leis que faltam para combater a corrupção.
A verdade é esta: Gomes Cravinho está muito mais próximo dos fósforos do que Mário Machado. As labaredas estão noutro lado.
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