A Feira do Livro do Porto é, anualmente, destino obrigatório para todos aqueles que amam os livros e a leitura. Organizado pela Câmara desde 2014, o festival literário tem, porém, uma história longa, que remonta a 1930.
Quem, por estes dias, visita a Feira do Livro, a decorrer no cenário idílico dos Jardins do Palácio de Cristal, desfruta de uma experiência consideravelmente diferente daquela que era proporcionada há 90 anos. Os livros são o denominador comum de um acontecimento que já conheceu diversas localizações, e cuja oferta, hoje em dia, inclui concertos, sessões de cinema, ou eventos a pensar no público infanto-juvenil.
A Praça da Liberdade é o local onde primeiro se realizou o festival literário do Porto. Então sob o nome de Semana do Livro, o evento reuniu editores e livreiros em stands distribuídos ao redor da estátua equestre de D. Pedro IV. A iniciativa foi bem acolhida pelos portuenses e ganhou periodicidade anual.
"Há um justificado interesse pela próxima realização da Semana do Livro, que funcionará de 25 de Maio corrente, a 4 de Junho", lia-se numa breve notícia da edição de 12 de Maio de 1933 do extinto O Comércio do Porto.
Acontecimento incontornável no Porto da década de 1930, o festival literário mereceu atenção do semanário humorístico Maria Rita, que se publicou no Porto entre 1932 e 1934. A publicação ia buscar o seu nome à versão feminina do Zé Povinho, personagem criada por Rafael Bordalo Pinheiro.
"Livreiros juraram fazer do burro doutor"
Num tom irreverente, dentro daquilo que eram os constrangimentos impostos pela censura, o Maria Rita retratava a atmosfera que se vivia na cidade Invicta por alturas da Semana do Livro. "A semana terá dez dias como têm quase sempre todas as semanas. Será em plena Praça da Liberdade, à sombra do cavalo, porque os livreiros juraram fazer do burro doutor", escrevia-se em Maio de 1932.
No ano seguinte, a publicação voltou a abordar o evento com humor: "A feira do livro devia ser uma feira mesmo, como foi no seu primeiro ano, com todas as suas características de pregões, de berros, de reclamos aparatosos, e com um poucochinho de aldrabice, que, quando não desse outros resultados de melhor espécie, daria ao menos o enorme resultadão de obrigar os compradores de pechinchas a esportularem alguns cobres que de outra forma não veriam a luz do dia".
"Mas a coisa tem refinado de ano para ano. E, neste andar, se seguirem a orientação da respeitável comissão, ainda há de ser obrigatório o trajo de etiqueta para se conseguir comprar a Princesa Magalona. Este ano, a feira - perdão, perdão! A Semana do Livro - é circunspecta, distinta, e quando se oferece um livro de cinco tostões, tem de se pedir perdão ao cliente por tanta barateza", acrescentava o Maria Rita, em Junho de 1933.
Contudo, já em 1927 o Porto acolhia um evento que colocava o livro em destaque. Nesse ano, a cidade Invicta foi palco de uma celebração da literatura brasileira. "A colónia brasileira nesta cidade vai celebrar, com grandes festas, a data histórica da proclamação da República do Brasil. Entre as festas consta um grande banquete, seguido de baile, no Palácio de Cristal e recepção no consulado. (...) Também em homenagem à data, o editor Fraga Lamares instituirá a semana do livro brasileiro, sob o patrocínio do cônsul do Brasil e sua senhora", escreveu à época o Correio Paulistano.
Desde o seu início, a Feira do Livro do Porto passou por vários locais da cidade. Para além dos Jardins do Palácio de Cristal, onde actualmente se realiza, e da Praça da Liberdade, onde tudo começou, o festival literário também teve edições na Praça do Município (actual Praça General Humberto Delgado), na Praça de Mouzinho de Albuquerque (Rotunda da Boavista), no Mercado Ferreira Borges, no Pavilhão Rosa Mota e na Avenida dos Aliados.
Em 2013, pela primeira vez, a Feira do Livro do Porto não se realizou por um diferendo entre o então presidente da Câmara, Rui Rio, e a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. A partir de 2014 a autarquia tomou em mãos a organização do festival literário.
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