
Um pequeno génio é, simultaneamente, uma potencial fonte de rendimento, daquelas que têm que ser rapidamente aproveitadas, pois uma criança prodígio não será nunca, por definição, algo para durar muitos anos...

Após ter tocado na Universidade de Salzburgo, em Setembro de 1761, Mozart rumou a Munique, em Janeiro do ano seguinte e, em Setembro, a Viena, onde a família tocou perante o vice-chanceler imperial: Leopold Mozart (1719-1787) ao violino, Nannerl (1751-1829) tocou piano e cantou, com Mozart no cravo e também ao violino. Consta que no cravo, os pés de Mozart nem ao chão chegavam...
Em Viena tocaram ainda para a imperatriz Maria Teresa (1717-1780) e para a sua filha Maria Antonieta (1755-1793), futura rainha de França e detentora de um pescoço admirável. Mozart não perdeu a oportunidade para brilhar, ordenando a Georg Christoph Wangenseil (1715-1777), músico da corte que gozava de bastante popularidade, que lhe virasse as páginas da partitura!
A família Mozart foi generosamente paga na altura, mas a imperatriz viria a desenvolver-lhe um ódio de estimação, apelidando os Mozart de um bando de inúteis e pedintes...


Em Abril do ano seguinte os Mozart foram para Londres, onde o jovem Wolfgang teve a oportunidade de conhecer Johann Christian Bach (1735-1782), filho mais novo de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e que, na altura, era o professor de música da rainha. Em Londres deram 4 concertos públicos e tocaram ainda para o rei George III (1738-1820) e a rainha Charlotte (1744-1818), com assinável sucesso, musical mas não financeiro, que o casal real era forreta até dizer basta...
Em Julho de 1765 deixaram Londres, passaram alguns meses na Holanda e, em Julho do ano seguinte regressaram a Paris, antes de voltarem a Salzburgo, onde chegaram em Novembro de 1766. Mozart ainda não tinha 11 anos, e estava há mais de 3 anos e meio fora de casa.

Tal não impediu, contudo, que em Setembro de 1767 voltassem às viagens, e de novo com destino a Viena. Nem a epidemia de varíola que por lá grassava demoveu Leopold Mozart, que a recompensa que almejava justificava correr tais riscos. O que é certo é que lá acabaram por ser chamados pelo imperador, para quem Mozart escreveu a sua primeira ópera italiana, La finta semplice.

Os Mozart regressaram então a Salzburgo, para uma estadia de curta duração, uma vez que em Dezembro de 1769 já estavam de novo de abalada, rumo a Itália. Desta vez apenas foram Leopold e o filho Wolfgang, possivelmente para limitar os custos. Por lá tocaram, improvisaram, foram à ópera, andaram por Milão, Bolonha, Florença, Veneza, Roma. Foi nesta última cidade que se deu um célebre episódio quando, na Capela Sistina, Mozart escreveu de cor o Miserere, do compositor italiano Gregorio Allegri (1582-1652). Em Milão, Mozart compôs a sua primeira ópera séria, Mitridate.
Em Março de 1771 os Mozart regressaram a casa onde, para não variar, pouco tempo ficaram: em Agosto voltaram a Itália, para o casamento do arquiduque Ferdinand (1754-1806), e por lá ficaram cerca de 4 meses. É dessa época a ópera Ascanio in Alba. O principal objectivo desta viagem e, por sinal, também da seguinte, ficou por atingir: arranjar emprego em Itália. Tarefa tornada impossível pela já referida aversão de Maria Teresa pela família Mozart, que levou a que o arquiduque Ferdinand, seu filho, tivesse rapidamente desistido de ter Mozart ao seu serviço. Foi o fim da carreira italiana para os Mozart.


Apesar da vida social agradável, com serões musicais, jogos vários, e idas ao teatro e à ópera, Mozart sentia-se deveras frustrado, pela qualidade da música de Salzburgo, por um lado, e pela falta de oportunidades que lhe eram dadas, pelo outro. Daí até à decisão de partir de novo em viagem foi um pequeno passo. Apesar dos cuidados com que os Mozart colocaram essa hipótese, por forma a não melindrar o arquiduque Colloredo, foram brindados com um "pai e filho têm a oportunidade para ir procurar fortuna noutro lado", segundo umas fontes, ou um ainda mais seco "pode ir, não vou ter saudades!", segundo outras. Simpático...



Aí, todavia, a situação não se apresentaria fácil para Mozart, embrenhada como estava a sociedade musical lá do burgo na disputa operática entre Christoph Gluck (1714-1787) e Niccolò Piccinni (1728-1800). Luta renhida, que os partidários do estilo realista de Gluck e do italiano de Johann Hasse (1699-1783) desconheciam o significado de tréguas, tendo os segundos chamado Piccini a Paris para ajudar à sua causa. Tempos difíceis para Mozart, também, que por essa altura viu a mãe falecer e as relações com o pai deteriorarem-se. Era tempo de voltar a casa, onde chegou em Janeiro de 1779. De Paris, além da morte da mãe e do insucesso em arranjar o tal emprego, ficaram meia dúzia de obras, de entre as quais algumas Sonatas (K304, K306, K310) e a Sinfonia Nº31, "Paris", K297.

Na falta de melhor alternativa, Mozart foi por ali ficando, e que fazer senão aquilo que ele mais gostava? São desse tempo a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, K364, as Sinfonias Nº32, K318 e Nº33, K319, e duas Missas, K317 e K337.

Enfrentava um desafio de monta, sobreviver em Viena como músico e sem patrono, contando ainda com a hostilidade da família imperial, naquele que acabaria por ser, todavia, o seu período mais produtivo. Em meados de 1781, Mozart dava aulas para sobreviver e vivia em casa dos Weber. Nessa altura já Aloysia Weber havia casado, e Mozart acabaria por casar com a irmã mais nova, Constanze Weber (1762-1842), em Agosto de 1782. Para grande desgosto do pai, Leopold Mozart, que desejava para o filho um bom casamento que trouxesse os proventos que almejava para a família...

Pouco tempo depois, Mozart seria contratado pelo barão Gottfried van Swieten (1733-1803), o mesmo que viria mais tarde a colaborar com Joseph Haydn (1732-1809) nos oratórios A Criação e As Estações. Mozart ficou encarregue de colocar ordem nas obras de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e de George Frideric Handel (1685-1759) pertencentes à Biblioteca Imperial, e teve a oportunidade de se cruzar com o Cravo Bem-Temperado e a Arte da Fuga, bem como com vários oratórios de ambos os compositores.
Nos finais de Julho de 1783, o casal Mozart deslocou-se a Salzburgo para uma estadia de curta duração, cerca de 3 meses. A adesão de Mozart à maçonaria aconteceu pouco depois do regresso a Viena apesar de, na altura, esta estar a ser olhada com alguma desconfiança, por "suspeita de actividades subversivas". Pelos vistos essa decisão aumentou-lhe as possibilidades de obter crédito, algo fundamental para quem tinha que fazer face a elevadas despesas e se tinha especializado no sistema "chapa ganha, chapa gasta"...
As encomendas de obras, especialmente de óperas, representavam importantes fontes de rendimento para Mozart. Os concertos em casa das famílias mais abonadas foram a outra forma que o compositor encontrou de complementar os rendimentos, e de estar menos dependente das sempre imprevisíveis encomendas. Das composições dessa época salientam-se 9 Concertos para Piano (K413, K414, K415, K449, K450, K451, K453, K456 e K459), escritos entre 1782 e 1784, os Quartetos dedicados a Joseph Haydn (K387, K421, K428, K458, K464 e K465), a Sinfonia Nº35, "Haffner" e um outro Concerto para Piano, o Nº20, K466, terminado em Fevereiro de 1785.


Dando-se o caso de o imperador austríaco apoiar a ópera italiana em detrimento da alemã, e de ter uma especial preferência pelo libretista, também italiano, Lorenzo da Ponte (1749-1838), compreende-se que tenha sido deste último a responsabilidade de escrever os libretos para as 3 óperas de Mozart que se seguiram. A primeira, Le nozze di Figaro, baseada num texto de Beaumarchais (1732-1799), cuidadosamente expurgado de todas as conotações políticas por forma a não incomodar o sensível imperador. Não teve grande sucesso em Viena, ao contrário do que aconteceu em Praga, onde Mozart recebeu uma encomenda para uma nova ópera, que viria a dar origem a Don Giovanni. Estreada nessa cidade no dia 29 de Outubro de 1787, obteria um enorme sucesso, ao contrário do que viria a acontecer em Viena, onde foi recebida com frieza.
A última das 3 óperas que teve Lorenzo da Ponte como libretista foi Così fan tutte, encomendada e escrita em 1789, e estreada em Janeiro de 1790. Para não variar, o público vienense não mostrou grande apreço pela obra...



Por essa altura Mozart recebeu do conde Walsegg uma encomenda para um Requiem. O conde, de apenas 28 anos, chorava a morte de sua esposa, 8 anos mais nova, e ambicionava interpretar aquela obra em sua memória. Mozart, contudo, não viveria o suficiente para a terminar. Atacado de febre reumática, faleceria no dia 5 de Dezembro de 1791. Uma morte porventura já esperada pelo compositor que, uns meses antes, se despediu de Haydn, que estava de partida para Londres, com um "este será provavelmente o nosso último adeus". Já no leito da morte, Mozart afirmaria mesmo que "estava a escrever um Requiem para ele mesmo".
Bibliografia
The Lives & Times of The Great Composers, Michael Steen
The Oxford Companion to Music
The Rough Guide to Opera, Matthew Boyden
The Opera Lover's Companion, Charles Osborne
Ópera, András Batta
Dicionário Grove de Música, Stanley Sadie
Internet
Mozart forum / the Mozart Project / Wolfgang Mozart / Mozart 2006 Salzburg / Mozart 2006 / Classical Music Pages
1 comentários:
Muito Bom.
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