A primeira coisa a fazer a partir da próxima segunda-feira é começar a lutar a sério pela IV República. Depois de meses de discursos e de torrentes de palavras sobre assuntos que a função não comporta, o Presidente da República a eleger no próximo domingo limitar-se-á, salvo circunstâncias de política patológica a falar, a preocupar-se e a viajar.
O Presidente que chega não poderá fazer mais do que o que fez o Presidente que parte. Nem quer que não seja assim. Cavaco Silva, como todos os outros, tem repetido incessantemente que não defende a mudança dos poderes que se propõe exercer. Louve-se-lhe a sinceridade.
A III República tem pavor a um Presidente com poder. Vive ainda submersa nos fantasmas das ditaduras. Quere-o simbolicamente manietado, palavrosamente inactivo e politicamente irrelevante. Excepto quando o próprio sistema se bloqueia e precisa de alguém que, conveniemntemente, lhe faça soltar a rolha para que tudo possa continuar a funcionar na mesma.
Esta República assombrada é uma República sitiada e inoperante. O Parlamentarismo crescente consome a confiança do povo nas instituições.
Acresce que, como bem observava Marina da Costa Lobo em oportuno mas despercebido artigo recente no Diário de Notícias, a União Europeia veio distorcer e governamentalizar ainda mais o sistema de Governo em Portugal. À medida que o modelo federal da União tem avançado, a tendência constitucional interna para diminuir os poderes das nossas instituições electivas e aumentar os poderes do Governo, tem aumentado.
Meio Portugal pelo menos está convencido que ter, pela primeira vez um Presidente civil que é do PSD e não do PS, consiste numa mudança política de fundo. A verdade é que, no fundo, é uma simples mudança, não política, mas pessoal. Não custa., aliás a crer que, salvo percalços de percurso anormais, Sócrates seja daqui a quatro anos o primeiro apoiante da recandidatura de Cavaco Silva, tal e qual como Cavaco Silva foi em 1991 o primeiro apoiante da recandidatura de Mário Soares.
O resto são pormenores. É minha convicção que Portugal precisa de mudar de sistema. E que para isso tem de perder complexos. Depois de amanhã apenas mudará a pessoa. De acordo com a mais estéril regra do rotativismo.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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