Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

JUSTIÇA, dizem eles...


Miguel Sousa Tavares

Não há conselheiros bons e maus, nesta palhaçada.

1. O que mais vontade de rir me dá, naquela palhaçada protagonizada pelo Conselho de Justiça da FPF, é ver como aqueles que passaram meses a tentar desacreditar o dito Conselho, antevendo decisões favoráveis ao FC Porto e Boavista, agora, confrontados com o resultado inverso, descobrem nos «seus» conselheiros homens de «coragem», que «viraram uma página no futebol português». Sinceramente, só me dá vontade de rir.

Meses a fio, explicaram-nos que o CJ estava em contra-corrente com os «novos tempos» de «moralização» e que, por isso, só devíamos confiar no Conselho de Disciplina, onde pontifica um justiceiro inquebrável, embora com um pequeno defeito visual que só o deixa enxergar a norte. Repetiram-nos até à exaustão, por exemplo, que o presidente do CJ era mais do que suspeito para decidir qualquer processo relativo ao Boavista, visto que é vereador na Câmara de Gondomar (só «esquecendo» de acrescentar que ele é vereador sim, mas… da oposição a Valentim Loureiro). Ainda a semana passada, no recurso interposto perante o Tribunal Arbitral Desportivo da UEFA, o Benfica escrevia que não valia a pena esperar pela decisão de recurso do nosso CJ porque se tratava de um órgão «sem credibilidade». Afinal, ainda as facas estavam a ser afiadas na reunião do CJ, e já o Benfica estava a salivar por uma certidão da douta «decisão» de tão insigne órgão, que lhe permitisse esgrimir mais argumentos na UEFA a favor da sua tese de que o 4º classificado no campeonato, a 23 pontos do 1º, é que merece representar o país na Champions.

2. O que se terá passado, então, para justificar tamanha cambalhota? Pois, os meandros eu não sei. Sei é que, e tal como ficou cristalinamente claro, tirando um dos conselheiros do dito CJ, que passa por pessoa isenta, todos os outros tinham votos agenciados, ou a favor da facção FC Porto/Boavista ou a favor da facção Benfica/V. Guimarães. Sabia-se que a votação final seria sempre 4-3 e sempre se partiu de princípio de que ganharia a facção portista: daí a campanha de descredibilização e intimidação do CJ. Mas aconteceu que, à boca das urnas, se descobriu que um ou dois conselheiros tinham, entretanto, «deslizado» de posição — certamente convencidos por argumentos muito fortes. Vendo-se em minoria, a facção portista tentou um golpe, que perdeu, e a facção benfiquista ripostou então com um contra-golpe. Ambos jurídica e moralmente indigentes.

A verdade é que não há conselheiros bons e maus, nesta palhaçada. Nem há argumentos de direito de vencedores ou vencidos (e a prova é que, até hoje, não conhecemos os argumentos pelos quais a maioria do CJ «deliberou» despromover de divisão um clube e contribuir para afastar outro da Liga dos Campeões: como se isso fosse um pormenor irrelevante). O que há apenas são advogados ao serviço de interesses ou paixões clubísticas, travestidos de juízes e a brincar aos heróis moralizadores e justiceiros. Razão tive para, durante anos, à revelia de toda a imprensa desportiva mas em sintonia com o Conselho Superior da Magistratura, defender que os juízes fossem afastados do futebol, pelo desprestígio que isso trazia à magistratura e à ideia de Justiça. Hoje não há juízes, há advogados dos clubes e tudo é mais claro: quem ganha as eleições nos órgãos da Liga e da Federação dita as leis e faz «justiça». Resta afastar também os magistrados do Ministério Público desta selva.

3. Se os queridos conselheiros do CJ se movessem nem que fosse por um mínimo de razões de direito, não poderiam, obviamente, ignorar o despacho de arquivamento do processo-crime contra Pinto da Costa, proferido pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto, no processo da «fruta» e do FC Porto-Beira-Mar — um dos dois processos que justificaram a condenação decretada pelo CD da Liga. E não poderiam ignorá-lo, porque ele se ocupa justamente dos fundamentos usados pelo CD para condenar o clube e para manter a Dr.ª Maria José Morgado na sua cruzada. E o que faz é desfazê-los, sem dó nem piedade, reduzindo-os a resíduos de lama.

Pior para os justiceiros é que, tendo sido a primeira vez que um magistrado, fora destas guerras todas, observou de perto o resultado do trabalho da Dr.ª Morgado, a coisa foi logo calhar às mãos de um juiz que é simpatizante do Sporting e da Académica e, pior ainda, é o mais respeitado juiz dos Tribunais de Instrução Criminal do Porto. (E, já agora, esclareço um argumento que ouvi a um benfiquista: o facto de um juiz estar colocado num tribunal do Porto, não significa, antes pelo contrário, que ele seja portuense e, menos ainda portista. Como toda a gente sabe, os juízes rodam por diversas comarcas ao longo da sua carreira e, quem está hoje no Porto, pode estar em Outubro em Évora ou em Lisboa. Seria como dizer que o Embaixador de Portugal em Luanda é angolano).

4. E o que disse o juiz do TIC? Disse isto:

a) que a utilização de escutas telefónicas no próprio processo-crime foi ilegal, por se tratar de crime a que não corresponde pena superior a três anos. Por maioria de razão, é ainda mais ilegal a sua utilização para fins disciplinares desportivos (ao contrário do que alguns justiceiros acham, isto de escutar as conversas privadas das pessoas não é um exercício leviano…);

b) que, mesmo assim, o facto é que sete meses de escutas telefónicas infligidas a Pinto da Costa tiveram como resultado útil apenas UMA conversa que o MP considerou suspeita;

c) que, nessa conversa, o MP nunca conseguiu fazer prova que o «JP», referido na conversa, fosse o árbitro Jacinto Paixão, como sustenta o MP, e não o ex-dirigente portista Joaquim Pinheiro, como explicou Pinto da Costa — e daí o processo ter sido anteriormente arquivado, até que a Dr.ª Maria José Morgado o mandou reabrir;

d) que, ainda que se concluísse que a conversa versava sobre o árbitro Jacinto Paixão e visava garantir os seus favores na arbitragem do jogo FC Porto-Beira-Mar, faltava um elemento essencial para se concluir pela corrupção: o nexo de causalidade, ou seja, o resultado prático dessa suposta corrupção. Acontece que nenhum dos peritos consultados concluiu que o árbitro tivesse favorecido o FC Porto. (Qualquer aprendiz de direito sabe isto e por isso é que o Dr. Ricardo Costa inventou a tese milagreira da «tentativa de corrupção», para fugir à dificuldade. Só que cometeu um erro: se houve tentativa apenas, os árbitros não poderiam também ter sido condenados. Se o foram, é porque, afinal, ele acha que houve corrupção. E, se houve, cadê o nexozinho de causalidade?).

e) enfim, sobre a «prova» acrescida trazida pelas declarações de Carolina Salgado ao MP — e jamais contraditadas livremente pela defesa — o juiz do TIC foi demolidor: a senhora, pura e simplesmente, mentiu. E daí que ele tenha mandado instaurar-lhe processo-crime por falsas declarações agravadas.

A forma como o juiz do TIC chegou a esta última conclusão é fatal para a Dr.ª Morgado e para o Dr. Costa. Confrontado com a transcrição das suas declarações ao MP, onde Carolina Salgado jurava ter assistido à conversa entre o empresário António Araújo e Pinto da Costa, supostamente acerca do árbitro Jacinto Paixão, o juiz limitou-se a pedir a transcrição de todas as chamadas do telemóvel de Pinto da Costa, nesse dia. E por elas descobriu que, à hora a que senhora jurava ter estado com o presidente do FC Porto, ela estava sim no cabeleireiro ou a caminho de casa do pai — conforme os seus próprios telefonemas para o telemóvel de Pinto da Costa atestavam. Tão simples como isto. E tão simples, que é impossível não perguntar porque é que a Dr.ª Maria José Morgado e o seu «dream team», a quem cabia a investigação, não se deram ao trabalho de fazer o mesmo? Bem pode agora a ilustre magistrada do MP anunciar que vai recorrer da sentença de arquivamento do TIC (não paga custas, não está sob suspeição, não lhe custa nada prolongar a coisa). Mas o que era preciso é que ela respondesse antes a esta pergunta…

5. Como se sabe, foi com base nos elementos fornecidos pela Dr.ª Maria José Morgado, que o CD entendeu condenar o FC Porto. Com base nas escutas e no depoimento de Carolina Salgado ao MP. Agora, que um juiz de direito de um tribunal comum decreta que as escutas são ilegais e não fazem prova alguma e a testemunha é uma mentirosa, apanhada com a boca na botija, o que vale a condenação do CD? Não, não me venham dizer que a justiça desportiva deve ser independente da justiça comum. Tivessem-no dito quando ficaram tão entusiasmados com a chegada da Dr.ª Morgado ao Apito Dourado e quando tanto insistiram para que ela passasse ao CD as «provas» que lhe permitiu condenar o FC Porto. Mas, aparte essa outra cambalhota, resta o essencial. E o essencial é o quê: saber a verdade dos factos e garantir aos acusados um processo limpo e com garantias de defesa, ou afastar o FC Porto para que o Sr. Luís Filipe Viera consiga apagar uma década de falhanços consecutivos no Alverca e no Benfica, e para assim não ter de sair protegido pela polícia das reuniões com os próprios sócios do clube?

in A BOLA, de 08Jun08