Portugal é o país mais desigual da Europa e, apesar de alguma ligeira recuperação, continuamos a ter uma elevada percentagem da população que vive abaixo do limiar de pobreza. E, se é assim no todo nacional, é muito pior no distrito do Porto e, em geral, no Norte.
Não admira, porque, para além dos problemas do modelo económico, somos governados à distância, por um poder central obsessivo, que nos olha com desprezo e desconsideração, que não só vira as costas às nossas necessidades prementes, como nos rouba as esmolas europeias que nos eram destinadas.
Basta pensar que, do investimento público total previsto para os próximos anos, apenas 6,3% será realizado no distrito do Porto, onde reside 18% da população nacional. No distrito de Lisboa, onde residem 21% dos portugueses, e que por acaso está acima da média europeia, pelo que não pode receber fundos de coesão, serão investidos 35% do total.
Naturalmente, tudo é explicável. Garantir-nos-ão que tudo se passa de forma normal e pensada, que isto sucede por boas estratégias e pelas melhores razões. Convencer-nos-ão que o país só tem a ganhar com uma grande capital, o que, sendo verdade, parece não se aplicar na inversa, já que é lícito suspeitar, em função das políticas reais, que a capital nada ganha em ter um país viável para governar.
O problema do Norte é que é só do Norte. Não está, definitivamente, na agenda mediática. Nem sequer na agenda das elites e dos políticos. Posso testemunhar isso porque, por razões profissionais, tenho estado com maior frequência em Lisboa e ouço os comentários de quem me identifica com o "detestável" FC Porto e com a insensata regionalização. Com maior ou menor elegância, falam do Apito Dourado e dos seus contornos, para me tentarem demonstrar que está provado que o meu clube não teve nenhum mérito que não fosse ilegítimo. Quando se lembram de invocar a questão da regionalização, recordam os caciques que estarão todos a norte e lembram o perigo de se ver o país retalhado. Se resolvem falar da economia, invocam que foram "os da têxtil" que causaram o dano, gastando o fundo social europeu em Ferraris e se lhes lembramos o défice no investimento público, nunca se esquecem que o nosso aeroporto está "às moscas".
É assim que somos vistos e tratados em Lisboa: como gente rude, incómoda e viciosa e perturbada, que vive numa cidade onde grassam os escândalos na noite, no futebol, nos negócios e na política. Não vale a pena, na maior parte dos casos responder, falando-lhes de Vale de Azevedo, perguntando-lhes se, a exemplo do nosso Apito, a pedofilia é o seu problema local, ou recordando-lhes os negócios e carros de luxo da gente e empresas lisboetas que vivem à mesa ou à sombra do Orçamento.
Pouco mais conseguimos então do que cumprir a função de "desmancha-prazeres". Ainda há dias recebi um e-mail de um leitor deste jornal que, agastado com as minhas crónicas, me escrevia: "O Norte está em declínio? Pois está: o baixo preço e a mão-de-obra barata deixaram de render! O que é quer que a gente lhe faça?" Depois, concluía que a culpa de todos os males é "a boçalidade e a tacanhez que grassa num Porto que não percebeu a oportunidade dada pelo 25 de Abril".
Como não pode deixar de ser, a culpa também é nossa, e é por isso que tudo vai continuar na mesma. Por muito tempo. A culpa é nossa, porque deixámos que as coisas degenerassem, porque fomos pouco exigentes, porque fechámos os olhos a muita coisa que era, a todos os títulos, intolerável. A culpa é nossa, porque nos acabrunhámos, porque nos resignamos e esta situação. Basta, aliás, ver o que se passa na política, onde continuamos a tolerar os representantes das políticas centralistas, que nunca protestam e pouco reclamam.
Daqui a um ano, teremos eleições. Em breve vão aparecer por aí os portadores das boas vontades, com os seus discursos preocupados, com as promessas para o futuro. Mais uma vez, votaremos neles e tudo ficará na mesma. Por muito tempo.
Rui Moreira (In Público, 26.10.2008,)
Não admira, porque, para além dos problemas do modelo económico, somos governados à distância, por um poder central obsessivo, que nos olha com desprezo e desconsideração, que não só vira as costas às nossas necessidades prementes, como nos rouba as esmolas europeias que nos eram destinadas.
Basta pensar que, do investimento público total previsto para os próximos anos, apenas 6,3% será realizado no distrito do Porto, onde reside 18% da população nacional. No distrito de Lisboa, onde residem 21% dos portugueses, e que por acaso está acima da média europeia, pelo que não pode receber fundos de coesão, serão investidos 35% do total.
Naturalmente, tudo é explicável. Garantir-nos-ão que tudo se passa de forma normal e pensada, que isto sucede por boas estratégias e pelas melhores razões. Convencer-nos-ão que o país só tem a ganhar com uma grande capital, o que, sendo verdade, parece não se aplicar na inversa, já que é lícito suspeitar, em função das políticas reais, que a capital nada ganha em ter um país viável para governar.
O problema do Norte é que é só do Norte. Não está, definitivamente, na agenda mediática. Nem sequer na agenda das elites e dos políticos. Posso testemunhar isso porque, por razões profissionais, tenho estado com maior frequência em Lisboa e ouço os comentários de quem me identifica com o "detestável" FC Porto e com a insensata regionalização. Com maior ou menor elegância, falam do Apito Dourado e dos seus contornos, para me tentarem demonstrar que está provado que o meu clube não teve nenhum mérito que não fosse ilegítimo. Quando se lembram de invocar a questão da regionalização, recordam os caciques que estarão todos a norte e lembram o perigo de se ver o país retalhado. Se resolvem falar da economia, invocam que foram "os da têxtil" que causaram o dano, gastando o fundo social europeu em Ferraris e se lhes lembramos o défice no investimento público, nunca se esquecem que o nosso aeroporto está "às moscas".
É assim que somos vistos e tratados em Lisboa: como gente rude, incómoda e viciosa e perturbada, que vive numa cidade onde grassam os escândalos na noite, no futebol, nos negócios e na política. Não vale a pena, na maior parte dos casos responder, falando-lhes de Vale de Azevedo, perguntando-lhes se, a exemplo do nosso Apito, a pedofilia é o seu problema local, ou recordando-lhes os negócios e carros de luxo da gente e empresas lisboetas que vivem à mesa ou à sombra do Orçamento.
Pouco mais conseguimos então do que cumprir a função de "desmancha-prazeres". Ainda há dias recebi um e-mail de um leitor deste jornal que, agastado com as minhas crónicas, me escrevia: "O Norte está em declínio? Pois está: o baixo preço e a mão-de-obra barata deixaram de render! O que é quer que a gente lhe faça?" Depois, concluía que a culpa de todos os males é "a boçalidade e a tacanhez que grassa num Porto que não percebeu a oportunidade dada pelo 25 de Abril".
Como não pode deixar de ser, a culpa também é nossa, e é por isso que tudo vai continuar na mesma. Por muito tempo. A culpa é nossa, porque deixámos que as coisas degenerassem, porque fomos pouco exigentes, porque fechámos os olhos a muita coisa que era, a todos os títulos, intolerável. A culpa é nossa, porque nos acabrunhámos, porque nos resignamos e esta situação. Basta, aliás, ver o que se passa na política, onde continuamos a tolerar os representantes das políticas centralistas, que nunca protestam e pouco reclamam.
Daqui a um ano, teremos eleições. Em breve vão aparecer por aí os portadores das boas vontades, com os seus discursos preocupados, com as promessas para o futuro. Mais uma vez, votaremos neles e tudo ficará na mesma. Por muito tempo.
Rui Moreira (In Público, 26.10.2008,)