Se os portugueses pensassem com olhos, como o pastor Alberto Caeiro, não podiam deixar de constatar que Portugal é hoje formado por apenas três regiões: a região de Lisboa, a região do Porto e o Algarve. Tudo o resto é povoamento disperso e lares de Terceira Idade.
Defender a regionalização e a descentralização num país com esta configuração é contribuir para acelerar ainda mais o processo de desertificação do território que, em breve, por este andar, estará reduzido apenas à cidade de Lisboa e à vila do Porto.
A fronteira espanhola fica, hoje, recordo, a pouco mais de uma hora do litoral e de Lisboa. E se for por mail ou por fax não demora sequer um segundo a fazer a travessia. Ou seja, o que o interior do território precisa não é de multiplicar e aumentar o poder e as mordomias dos tiranetes locais, mas de pessoas.
Um território com dez milhões de habitantes é uma pequena cidade. Acontece que os sucessivos governos, em vez de governarem Portugal como se fosse uma cidade, continuam a governar Lisboa como se fosse o país. O que Portugal necessita não é de descentralização ou de regionalização mas de deslitoralização. E isso só se consegue fazendo recuar para o interior do território ministérios, secretarias de Estado, direcções-gerais, universidades públicas, quartéis militares, hospitais, tribunais superiores, a Presidência da República, etc.
E não vale a pena o povo de Lisboa assustar-se porque Lisboa está hoje perto de tudo, o que significa que é indiferente um ministério estar hoje em Lisboa, Santarém, Coimbra, Castelo Branco ou Beja. O tempo que se demora a chegar ao centro de Lisboa é precisamente o mesmo de quem mora em Sintra ou no Barreiro. Além disso, Lisboa ficava mais descongestionada e a qualidade de vida dos funcionários públicos aumentava substancialmente, na medida em que ficavam criadas as condições para poderem ter, criar e educar tranquilamente os seus filhos. As cidades de província oferecem aos jovens pais tempo e condições para criarem os seus filhos que Lisboa não tem capacidade de oferecer.
Por outro lado, um simples ministério que, em Lisboa, só serve para atrapalhar o trânsito e aumentar a poluição, em qualquer cidade de província provocava um autêntico boom económico. Se o Governo quer, efectivamente, criar condições para haver um saudável crescimento económico, tem de esticar a Região de Lisboa a todo o território nacional e não reduzir Portugal à Região de Lisboa.
II
É preciso de facto muita hipocrisia e muito cinismo para os nossos governantes e as nossas elites apresentarem o túnel do Marão como um passo decisivo na coesão territorial. O túnel do Marão, tal como a rede de auto-estradas, só seria um factor de coesão territorial se o país estivesse nivelado. Isto é claro como a água. E, se tiverem dúvidas, façam a seguinte experiência. Coloquem dois recipientes, um com água e outro vazio, no mesmo plano e façam o túnel do Marão entre eles. O que é que acontece? O que tem água esvazia para o recipiente que não tem água até ficarem ambos com a mesma quantidade de água.
Agora experimentem colocar o recipiente com água num nível superior e voltem a fazer o túnel do Marão. O que é que acontece ao recipiente que tem água? Acontece precisamente o que vai acontecer a Trás-os-Montes: fica completamente vazio.
Quem olhar para Portugal não pode deixar de saber que vivemos num plano inclinadíssimo em direcção à cidade Lisboa-Porto (a tal Singapura de Passos Coelho e Sócrates) e, sem medidas urgentes e corajosas, para nivelar o território, o túnel do Marão e as auto-estradas apenas vão acelerar o processo de esvaziamento do interior. E não nos iludamos, só existe, neste momento, uma forma de repovoar o território: através da deslocalização de serviços e de órgãos de direcção do Estado para o interior do país.
E não vale a pena voltar a ressuscitar as fantasias de Natal de querer repovoar o interior dando incentivos às empresas para aí se fixarem. Neste momento, o interior só tem reformados e desempregados pouco qualificados e não há nenhuma empresa com dimensão (a não ser as empresas altamente poluentes) que se queira fixar num sítio onde não existe mão de obra em quantidade e qualidade suficientes.
Ou seja, ou é o Estado, através da deslocalização de serviços e órgãos de direcção do Estado, a levar gente para o interior do território ou, em breve, não mora lá ninguém.
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