Foi em 2006 que a Sonae lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a Portugal Telecom. Belmiro de Azevedo propôs-se a pagar 9,50 euros por cada ação da PT, mas, no início de 2007, os títulos da operadora já negociavam em bolsa acima dos 10 euros, com os investidores a especularem que o patrão do grupo Sonae iria rever em alta o preço da OPA.
Na altura, confrontado com este facto, Belmiro de Azevedo disse uma daquelas frases que ficou para a história do mercado de capitais em Portugal: “Pago mais se descobrir um poço de petróleo debaixo da sede da Portugal Telecom”.
Esta história vem a propósito da OPA que a Sport Lisboa e Benfica SGPS lançou esta semana sobre o capital da SAD do próprio Benfica, oferecendo um prémio estrondoso e inaudito de 81%. Nem 8, nem 80, o prémio é de 81%.
Numa altura em que o Benfica está a mudar o relvado do estádio da Luz, é caso para perguntar se Luís Filipe Vieira encontrou algum poço de petróleo quando estava a mudar a relva?
Esta OPA da Benfica SGPS sobre a Benfica SAD levantas várias dúvidas.
A primeira é naturalmente o preço. As ações da SAD estavam a cotar em bolsa a 2,76 euros e a SGPS propõe-se na OPA a pagar 5 euros por cada título, ou seja, um prémio de 81%. É razoável do ponto de vista financeiro pagar um prémio tão elevado por uma OPA que é voluntária, não obrigatória? Faz sentido desembolsar 32 milhões de euros para comprar uma fatia de capital de uma SAD sobre a qual já se tem o controlo total e absoluto?
O capital da SAD do Benfica está completamente blindado. 40% das ações são da categoria A, têm direitos especiais e estão nas mãos do clube. Das ações da categoria B (cotadas em bolsa), a Benfica SGPS controla 23,65% e o presidente Luís Filipe Vieira 3,28%, ou seja, já são imputados ao Benfica dois terços do capital da SAD. Se a OPA parcial tiver sucesso, o Benfica ficará com 95%.
O parágrafo anterior creio que também deita por terra aquela outra tese de que o Benfica estará a lançar uma OPA para se defender preventivamente de algum eventual ataque de um fundo abutre que poderia querer entrar no capital da SAD de forma hostil. Com o controlo quase absoluto da SAD, a águia está completamente a salvo de qualquer ataque de um abutre ou de um outro passaroco qualquer.
Isto levanta uma segunda questão: se o Benfica com 67% da SAD tem basicamente o mesmo poder que terá com 95%, então porquê lançar a OPA?
A justificação oficial aparece no anúncio preliminar da OPA: afirma a sociedade que o preço visa “assegurar que os acionistas que adquiriram as suas ações na oferta pública de distribuição em 2001 possam vender a um preço semelhante ao preço nominal a que as mesmas foram então subscritas (1.000 escudos, ou seja, 5 euros), permitindo-se, reflexamente, nos termos legais, aos demais acionistas venderem ao mesmo preço”.
Benfica, uma SGPS ou uma IPSS?
Por que motivo o Benfica vai ressarcir os investidores que perderam dinheiro em bolsa? É uma SGPS ou uma IPSS? Quem perdeu o dinheiro achava que estava a fazer um depósito bancário no Benfica? Se é verdade que Luís Filipe Vieira, presidente da SAD, tem de defender os interesses dos acionistas do clube, também é verdade que Luís Filipe Vieira, presidente da SGPS, tem a obrigação de defender os interesses patrimoniais da sociedade e do clube do qual também é presidente da direção.
Mesmo que fizesse sentido esse argumento de ressarcir aqueles que perderam dinheiro a investir em bolsa, e não faz, se quisesse realmente compensar os investidores teria outras formas de o fazer, nomeadamente através da distribuição de dividendos. Ou não quer que os seus acionistas tenham de pagar impostos ao Estado?
O argumento de devolver o dinheiro que eles investiram em 2001 perde todo o sentido quando se olha para a estrutura acionista da SAD e se vê que muitos dos atuais acionistas nem sequer lá estavam em 2001, pelo menos com posições relevantes. É o caso da Olivedesportos, da empresa de produtos alimentares Quinta de Jugais ou de José António dos Santos. E de outros tantos milhares de acionistas que foram vendendo as suas ações ao longo dos últimos quase 20 anos.
Esta história tem abutres, águias e ainda mais aves. José António dos Santos é dono da Valouro, empresa que se dedica à produção e comercialização de aves, sendo atualmente o maior acionista do Benfica em nome individual, com 12,71% do capital. José António dos Santos é o exemplo de um investidor que não era acionista em 2001 e que agora vai encaixar 14 milhões de euros na OPA. Há dois anos comprou ações do Benfica a 1 euro e agora pode vendê-las a 5 euros. Jackpot.
A outra dúvida que levanta esta OPA é por que razão é uma oferta parcial e não total? Num cenário em que todos aceitem a oferta, não faria mais sentido baixar o valor do prémio da OPA e com o que se poupa alargar a oferta a todas as ações dispersas em bolsa? Se esta oferta tiver sucesso, e não levando em linha de conta os 3,28% detidos por Luís Filipe Vieira, o Benfica ficará com apenas 5% do seu capital disperso. Faz sentido continuar cotado com um free float tão reduzido?
Finalmente, a última dúvida que suscita esta OPA é um aparente conflito de interesses. Luís Filipe Vieira aparece do lado do comprador e do vendedor. Numa OPA parcial, está proibido de vender as suas ações, mas fez um acordo com o Benfica para que quando ele e os restantes membros dos órgãos sociais cessarem funções, terem direito a vender as suas ações pelos mesmos 5 euros da OPA.
Filipe Garcia, economista da IMF, dizia ontem ao Jornal de Negócios, que os “órgãos sociais estão a definir um preço para eles próprios saírem do capital” e que estão “a decidir em causa própria”. Numa OPA em que existe esta suspeita de “decidir em causa própria”, e com um prémio tão estapafúrdio de 81%, os benfiquistas deveriam confrontar o presidente com estas dúvidas e não fazer o papel de avestruzes. Numa história com tantos pássaros, enterrar a cabeça na areia não é a melhor estratégia.
No caso de Luís Filipe Vieira, quando sair do Benfica poderá vender as suas ações aos 5 euros da OPA e levar para casa 3,8 milhões de euros. Com esta OPA, ajuda-se a si próprio, ajudando os outros.
Em 2007, depois da estreia do Benfica em bolsa, Joe Berardo também chegou a lançar uma OPA sobre o Benfica com um prémio de 30% para, segundo ele, “ajudar o clube do coração”. Aparentemente os benfiquistas têm um coração grande — alguns ainda se lembrarão da “Operação Coração” — e são uns mãos-largas a pagar prémios nas OPA. Ao menos Berardo quis ajudar com dinheiro dele e não com dinheiro do próprio Benfica.
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