Celso: "Sou brasileiro, paulista e portista"
Dono de uma padaria em Fortaleza, o central brasileiro vibra com o Porto tricampeão. "Vixe maria, que clássico, só faltava o Jesus ajoelhar-se e ajoelhou"
Atende o telefone com uma voz de sono. No instante seguinte, percebemos que Celso não tem sono nenhum, fala é placidamente. Também seria no campo? "Com certeza", responde com muito barulho por trás. "São os clientes". Celso, 57 anos, é dono de uma padaria em Fortaleza, no bairro do Estádio Castelão, onde o Brasil encontra hoje o México. "Está reservado." O Marquês? Não, o lugar de Celso na bancada central. "Esse não podia perder, né?"
Paulista de nascimento, Celso faz-se jogador no Botafogo de Ribeirão Preto mas é no futebol cearense que comemora o primeiro título estadual, como autor do golo do Ferroviário sobre o Ceará. Como? De livre directo, que pergunta. Celso é quem inicia uma dinastia brasileira a bater livres. Seguir-se-ão Geraldão e Branco.
É o Celso?
Quem quer saber?
Rui Miguel Tovar, jornalista. Português.
Ahhh, de Portugal, que bem. Fala aí ou não me está ouvindo bem?
Ouço bem, sim. Mas, já agora, que barulho é esse?
É a minha padaria.
Ah boa, há quanto tempo tem esse negócio?
Faz 20 anos em Setembro.
E que tal?
Cansativo, sou dono, a mão de obra está difícil por aqui e trabalho muito, mas é um trabalho que traz dinheiro de volta, disso não me posso queixar.
Acorda a que horas?
4h30.
E a padaria fecha a que horas?
20 daqui, está quase, quase a fechar.
Às 20 daqui?
Não, daqui.
Pois é, mas eu estou no Brasil.
Eheheheh, só curtindo.
E você?
Também, né? A viver uma outra vida, porque a de jogador já era.
Que recordações tem de Portugal?
Muitas e boas. Ganhámos cinco títulos nos meus três anos de Porto.
Como foi para lá?
Em 1985, jogava no Bahia, recebi um convite e perguntei ao Dudu do Belenenses como era o FC Porto. Ele disse-me que era um clube em crescimento, um futuro grande de Portugal. Foi o suficiente. Embarquei nessa aventura maravilhosa. Hoje, sou brasileiro, paulista e portista. É o clube do coração, fiz amigos para a vida. Ainda há uma semana, falei com o André. Quando o Porto ganha lá em Paços de Ferreira, vi o bibota [Gomes] pela televisão e liguei para lhe dar os parabéns por mais um título. O Porto de hoje é como o Barcelona, uma máquina de jogar futebol.
Se viu o Paços, também viu o Benfica?
Vixe maria, que emoção, só faltava Jesus ajoelhar-se e ajoelhou. Nunca se pode dar o Porto como derrotado ou empatado, é fatal. Faz parte da cultura portista, o tentar a vitória até ao último segundo. Fico orgulhoso por ter feito parte do início dessa mania.
Você e mais quem?
Tanta gente que nem dá para enumerar todo o mundo. Lima Pereira, André, o bibota. Uma família como nunca vi.
Davam-se bem?
Todo o mundo se dava bem, dentro e fora do relvado. Havia muitos almoços mas eu raramente ia. Não queria deixar a minha família sozinha mas divertia-me tanto quando ia. O pessoal era bom demais. Os jogadores cumpriram o seu papel mas temos, nós portistas, de agradecer ao presidente Pinto da Costa e ao treinador Artur Jorge, dois génios, dois visionários, gente do alto. Imagina o Porto passar de um clube médio a grande da Europa. Ganhámos a Taça dos Campeões, pô.
Bem sei, bem sei. E o Celso quase marcou perto do intervalo.
Aquele livre passa tão pertinho da barra do Pfaff. Foi um aviso para o que aí vinha [golos de Madjer e Juary, 2-1 ao Bayern].
É a sua melhor memória?
Com certeza.
E golos?
Ah isso é fácil, um ao Sporting em Alvalade, outro ao Dínamo em Kiev. O do Sporting foi tão, tão, mas tão importante para ganharmos o título de campeão nacional em 1986. Só a vitória nos interessava e eu marquei o 1-0 ao grande Damas. Vinha de suspensão, porque tinha sido expulso na Luz, com o Benfica, para a Taça de Portugal. Estávamos a ganhar 1-0 mas aí deu um murro no Carlos Manuel, desculpa aí Carlos, e foi penálti. Um-um e depois 2-1 para eles. Enfim, foi o meu regresso ao onze e festejei à beça. O de Kiev foi também um livre directo, com a ajuda da barreira. Toda a gente dizia que o Dínamo é que era, por ter uma equipa fortíssima, quase todos os jogadores eram da selecção da URSS, mas nós ganhámos os dois jogos e eu fiz o 1-0 em Kiev.
E adversários?
Van Basten, indiscutivelmente. Joguei com ele na Taça dos Campeões 85/86. Eliminámos o Ajax, 2-0 e 0-0. Aliás, também aí marquei de livre directo. E o Lineker do Barcelona, curiosamente o adversário seguinte na nossa campanha europeia. Aí, fomos eliminados [0-2, 3-1] apesar dos três golos do Juary nas Antas. Por cá, adversários... deixa ver, Rui Jordão do Sporting. A minha sorte foi o Gomes ser da minha equipa senão... Imagina só, o Gomes contra mim. Ui ui, 'tava ferrado.
Okay, obrigado Celso.
Que nada, obrigado você. Se vier cá, liga-me. Bebemos uma cervejinha, mostro-te a minha padaria, provas o meu pastel Porto, inventado por mim, tem nozes e é uma delícia.
Obrigado pelo convite. Se puder, vou.
Vem mesmo, sou um óptimo guia turístico. Pergunta para o presidente [Pinto da Costa].
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