O sistema político português não está bem e evidencia falta de qualidade das instituições. Os problemas estão enredados em novelo. Os Senhores do sistema, que são quem rege a democracia, têm o dever de, ao menos, pegar por uma das pontas do novelo . É isso o que, em suma, um recente e importante manifesto nos vem dizer. Intitula-se: Por uma democracia de qualidade - Reformas prioritárias do sistema político em Portugal. É subscrito por pessoas de esquerda e de direita.
O manifesto propõe pegar por duas pontas do novelo...
O manifesto é, antes de mais, uma demonstração de gradualismo do tipo "vamos por partes". Assume, e bem, que é preciso começar por algum lado e não pretende exprimir outra coisa quando diz "reformas prioritárias", não diz todas as reformas, nem sequer diz todas as prioritárias. E faz um apelo. Que os Senhores do sistema peguem, finalmente, em duas das frentes de reforma do novelo .
A primeira reforma é sobre o modo de eleger o Parlamento. O manifesto procura elencar questões que há muitos anos aguardam medidas dos Senhores do sistema. Destes, afirma, "não pode haver maior prova de inacção e de incapacidade" . Eis algumas dessas questões: Quem, afinal e por princípio, deve escolher o Parlamento, são os directórios dos partidos ou são os cidadãos? Como poderemos melhorar a autenticidade eleitoral e a aproximação entre eleitores e eleitos? Como poderemos retomar tendências de meritocracia da classe política? Como poderemos combater a desmotivação do eleitor? Como poderemos eleger "independentes" fora dos partidos? Como poderemos pôr a conviver os círculos eleitorais de vários nomes e de um só nome (plurinominais e uninominais), ou criar o "voto preferencial"?, etc.
A segunda reforma é sobre o modo de financiar os partidos. Dou aqui por reproduzido o que escrevi no JN de 30 de Julho e acompanho o manifesto nas questões que levanta: Quem, e como, financia os partidos? Propicia-se corrupção do sistema político? Deve o Estado ser o exclusivo financiador dos partidos? Como devem os partidos prestar contas? As contas cumprem legalidade, integralidade, veracidade, transparência? A fiscalização das contas é eficaz? Não deveria ser o Tribunal de Contas a fiscalizar as contas, em vez do Tribunal Constitucional? Não deveriam as contas ser sujeitas a auditorias externas sistemáticas?, etc.
O manifesto não pega no novelo todo, nem tinha de pegar...
Vejo o manifesto como um gesto de eminente cidadania. Mas se o manifesto faz bem em ater-se às ditas prioridades, propondo aos Senhores do sistema um apertado calendário, a tempo das eleições de 2015, também há que reconhecer que o novelo do sistema é mais vasto e complexo e está precisado de outras reformas que exigem bastante mais tempo.
Por exemplo, o manifesto não toca na magna questão de a governação política ser mais ou menos presidencialista . Como se sabe, o parlamentarismo vem desde a Constituição de 1976 e foi acentuado na revisão de 1982, com os poderes que os parlamentares deram a si próprios e retiraram a Eanes, reeleito, e aos seus sucessores. Defendo que um pouco mais de poderes do PR não fazia mal nenhum. Um pouco mais, em consonância, aliás, com o alto patrocínio republicano que eleições directas e universais têm.
Por exemplo ainda, o manifesto nada diz sobre uma outra questão constitucional que igualmente se arrasta desde 1976: descentralização política . Defendo a instituição das "regiões político-administrativas" do continente, tal como escrevi no JN de 16 de Julho. O seu contrário, o centralismo , é uma das mais marcadas e negativas características do nosso sistema político e da nossa administração pública.
Estes dois exemplos sugerem-me um outro tema que tenho abordado frequentemente: a reforma estrutural do "Estado-administração" , ou da despesa pública. Na verdade, as reformas de fundo dos dois patamares, o do "Estado-administração" e o do "Estado-sistema político", que estão por fazer, poderiam encontrar um outro alento e um outro ensejo, uma outra perspectiva, nas ideias desubsidiariedade e descentralização política e de reforço e reequilíbrio dos poderes do PR , tudo enquadrado por uma forte vigilância central das finanças públicas . Há muitos anos que assim penso. Estas últimas ideias não são antagónicas entre si e poderiam funcionar como uma espécie de visão estratégica, de grau superior, em direcção a um novo sistema político e administrativo. Não creio, porém, que sejam ideias de bom grado de muitos dos Senhores do sistema.
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