Os pequenos accionistas do BES
Ao longo de 40 anos, para não ir mais longe, os pequenos aforradores tiveram sempre, ou quase sempre, uma especial protecção em Portugal. Trata-se de uma tradição ou princípio geral que decorre de simples e enraizadas considerações de natureza social e política.
Temos vários exemplos dessa discriminação a favor dos pequenos: a lei dasindemnizações, subsequente às nacionalizações de 1975, estabelece taxas de juro crescentes em função dos montantes a pagar a cada indemnizando; as leis dasreprivatizações, de 1988 e 1990, consagram uma quota-parte para os pequenos subscritores; junto do BdP, o "Fundo de Garantia de Depósitos" abriga os pequenos depositantes até 100 mil euros; junto da CMVM, o "Sistema de Indemnização aos Investidores" abriga os pequenos investidores até 25 mil euros; etc.
O aumento de capital do BES...
Aquele princípio geral de protecção ou benefício do pequeno aforrador foi absolutamente desprezado na chamada "resolução" da crise do BES. Os pequenos accionistas dizem-se maltratados pelo Estado e pelas suas instituições. Recapitulemos. Em 9 de Junho, o BES termina um aumento de capital reservado a accionistas: mais 1 607 milhões de novas acções (aumento de 40%), ao preço de 0,65 euros por acção. O correspondente "prospecto", enorme de 375 páginas, inclui avisos e reparos que a CMVM mandou, e bem, lá colocar, mas o pequeno accionista não é, claro que não é, o melhor destinatário e leitor desses cuidados. Logo a seguir, o BES cai no colapso e na lama. Em 3 de Agosto, numa operação-relâmpago, fulminante, coactiva, o BdP extrai do BES o "Novo Banco", NB, e entrega-o ao "Fundo de Resolução", FdR, por contrapartida de uma injecção de capital de 4,9 mil milhões de euros. Na imputação patrimonial, o NB fica com a carne, ao passo que o banco remanescente, o "BES em liquidação", fica com os ossos, fica com um Activo que será provavelmente inferior ao Passivo e, portanto, fica a caminho da falência: todos os accionistas do BES original poderão perder tudo.
E os pequenos accionistas? A constatação é tremenda, os pequenos accionistas não foram protegidos, não transitaram, sob uma qualquer forma, para o NB (que, sublinhe-se, é uma criação do Sector Público), nem transitaram para outra entidade pública. Foram cruamente remetidos para a massa falida ou em liquidação.
Como foi possível o sacrifício dos pequenos accionistas?
Pergunta-se, por que razão não foram protegidos os pequenos accionistas? Ao menos aqueles que investiram no fatídico, imperdoável, aumento de capital do BES de há semanas? Não podendo eles ficar como accionistas do NB (a lei "europeia" manda que o único sócio do NB seja o FdR), por que razão o Estado não concebeu uma solução adequada, legítima, razoável, coerente com o dito princípio tradicional e geral de salvaguarda dos pequenos aforradores?
A senhora ministra das Finanças (cito de memória) sentenciou que investir em acções é um risco de que todos, grandes e pequenos, devem estar cientes. Sim, a sentença é antiga e é, em geral, justa. Mas, atenção, é uma sentença relativa (os grandes sabem muito mais do que os pequenos). E, na circunstância, não foi muito apropriado alegar a sentença porque isso flagelou, ainda mais, os pequenos investidores e pode levá-los a concluir que erraram ao acreditar e confiar no escrutínio último das autoridades. Além disso, houve (não deveria ter havido) declarações de altos responsáveis políticos, cujas palavras cuidadas e escolhidas foram naturalmente bem escutadas pelos pequenos investidores.
Por consequência, o envolvimento do Sector Público atingiu elevado grau em todo este caso, quer no acto de "resolução", em si mesmo, quer no adjacente acto do aumento de capital, quer nas precedentes diligências de supervisão. Esse é o ponto. E é o ponto indissociável da protecção do pequeno aforrador.
Estamos a tempo de fazer o que tem de ser feito?
Por conseguinte, os pequenos accionistas do BES foram pisados em contexto regulado e finalmente determinado pelo Estado institucional. A que propósito e sob que conceito de justiça os pequenos accionistas foram excluídos de uma solução em simultâneo com a criação do NB? O regime de "resolução" pública das crises bancárias não há-de ser uma manta cega, exclusiva, absoluta. Se eu (seja-me consentida esta breve veste) estivesse no lugar de quem tem o poder de reparar os estragos provocados, não descansaria enquanto não encontrasse uma solução de leique permitisse salvaguardar os pequenos accionistas do BES (a definição de "pequeno", para o efeito, poderia vir por analogia com os casos que mencionei acima). E procuraria atribuir-lhes um preço por acção que fosse justo, nunca inferior ao preço do último aumento de capital. Atribuir-lhes-ia, como? Aí reside um óbice, que é, antes de mais, de ordem jurídica e requer imaginação e segurança conceptual, pelo que haveria de ouvir bons juristas. A construção da resposta caberia tecnicamente, e em primeiro lugar, ao BdP e à CMVM. E caberia politicamente ao Governo e ao Parlamento. Seria preciso aprovar um mini-quadro legal. Uma nova lei que, por exemplo - e avanço com uma sugestão -, facultasse aos pequenos accionistas a opção de vender ao NB as acções do BES. Estas passariam, assim, a figurar no Activo do NB, com a inerente imparidade. Sei bem que esta é uma hipótese de solução que certamente não agradará aos bancos contribuintes do FdR. Porém, pergunto: o dinheiro do aumento de capital dos pequenos subscritores, esse onde está? Pois não é verdade que está no NB? [daqui]
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