Vou falar da relação da cidadã "Maria Alice" com as Finanças de Portugal.
Depois de um cansativo dia de trabalho, onde recebe um salário pouco maior que o mínimo e se farta de trabalhar por conta de outrém, ao chegar a casa abriu a caixa de correio. Surpresa: uma carta da repartição de finanças... Aparentemente havia sido seleccionada entre muitos milhares de portugueses para fazer a prova da sua situação fiscal.
Achou graça, muita mesmo: lembrou-se das cartas das Selecções Reader's Digest congratulando-a por ter sido seleccionada para algo inequivocamente bom e imperdível.
Numa manhã lá se deslocou à repartição pública. Enquanto (des)esperava há quase duas horas, em pé, juntamente com dezenas de outros concidadãos (igualmente euforicamente seleccionados), sentia um profundo mal-estar por viver neste país de gentinha incompetente e incapaz. Esta desilusão crescente devia-se também ao que observada: ao balcão do IRS estavam dois funcionários, que há cerca de 50 minutos atendiam as mesmas duas pessoas... Que raio de burocracia.
Pensava que de entre milhares de portugueses que fogem ao fisco (cada português honesto conhece pelo menos um outro que vigariza o quanto pode porque as suas vidas profissionais assim o permitem), foi ela seleccionada, trabalhadora por conta de outrem que faz automaticamente os seus descontos, que não tem bens nem rendimentos pessoais, nem tão pouco meios exteriores de riqueza para além do apartamento hipotecado ao banco e o carro, com mais de 5 anos, ainda a ser pago em "suaves" prestações...
Pensava que conhecia dezenas de portugueses que deviam ter o privilégio, único e absoluto, de serem seleccionados. Afinal, não declaram os seus rendimentos (até políticos conhecidos), andam em carros topo de gama e conseguem prodigiosamente, que os seus filhos beneficiem de subsídios escolares e de abatimentos nas mensalidades das creches do ensino oficial. Era e é a "nossa" realidade! Pensou que essa era a "revolução" que o engº Sócrates, que, do alto da sua prepotência, ainda ironiza sobre o facto dos portugueses se resignarem fácil e estupidamente à sua condição de cidadãos europeus de 3ª categoria.
Acabou por achar que essa é a realidade dos portugueses que não sonham com a Ota, o TGV ou o "choque tecnológico", que ninguém sabe o que é porque os papeis e a burocracia continuam a proliferar por aí.
Dentro da repartição reparou e contou 18 secretárias e 8 funcionários. Onde estariam os outros? Por acaso estariam em cursos de formação para desburocratizar o sistema? Se estivessem, ficava mais satisfeita, porque os funcionários públicos também têm direito a formações com 6 pausas para o cafezinho, onde ninguém obtém classificações desfavoráveis porque a simples participação do formando assegura, só por si, o seu bom desempenho.
Chegou a hora do almoço, e ela continuou à espera, inclusivé que os funcionários do IRS fossem, alternadamente almoçar. Ela e os outros concidadãos. Finalmente quando chegou a sua vez, para além de ter o dia de trabalho perdido, o zeloso funcionário descobriu que ela considerara indevidamente um recibo de uma despesa na farmácia com uma taxa não permitida. Erro "grave" que lhe penalizaria uns euros de multa.
Finalmente, duplamente aliviada, deixou a repartição de finanças. Fizera-se justiça! A bem da Nação.
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