O dr. Soares acha, com discutível sinceridade, que há por aí um "sebastianismo revanchista de Direita" que ameaça a nossa existência e que pode, portanto, subverter o essencial do regime. Não é só ele a dizê-lo. A lengalenga vai ser repetida durante semanas. Na verdade, o "sebastianismo revanchista de Direita" existe no discurso do dr. Soares e de alguma parte mais obsoleta dos seus apoiantes. O papão vai ser agitado sem parcimónia. Se ele existir, deve combater-se com palavras, e devem ser palavras duras, escolhidas - não importa que não queiram dizer nada, ou que não tenham correspondência na realidade, desde que causem esse efeito irremediável de estarmos perante um perigo fatal. Com um bom inimigo pela frente, o combate será mais vibrante; à falta dele, invente-se um.
O que pretende o "sebastianismo revanchista de Direita"? Subverter o regime, derreter o semipresidencialismo, castigar os portugueses, ameaçar a liberdade, acabar com a "coesão social". Ora, ninguém acredita numa única das ameaças, a começar pelos próprios. Vivemos num país normal em que há um governo que resulta de uma maioria absoluta no Parlamento e cuja taxa de aprovação é bastante superior à média dos últimos cinco anos; José Sócrates só não renovará o mandato se malbaratar esse capital de confiança. Vamos a pormenores as aulas começaram a horas e a contestação social (leiam os jornais europeus) não é maior do que a registada em outros países da União; a guerra das corporações profissionais cessará, mais tarde ou mais cedo, quer por meios legais quer por falta de apoio popular (fundamental para a sua visibilidade); o Orçamento de Estado vai, necessariamente, passar na Assembleia com críticas da Esquerda e da Direita; o agravamento da taxa de desemprego estará muito próximo dos índices de países próximos; o "combate ao défice" é uma realidade incontornável de qualquer programa de Governo por muito que a expressão esteja gasta e adulterada. Existem as chamadas questões endémicas e históricas: os números dramáticos da pobreza, a taxa de alfabetização, os problemas da produtividade e a reforma e modernização da Administração Pública. Para isso, existem os governos e existe o tempo.
O dr. Soares não pode, com honestidade, repetir a afirmação de que, se não fosse dar-se o caso de Portugal ser membro da União Europeia, os militares já tinham organizado um golpe. Foi uma brincadeira, todos acreditam. Mas a vida não está para brincadeiras, por muito que se possa apreciar a herança que o ex-presidente da República deixou ao fim de dois mandatos e de uma vida dedicada à política. Sinceramente, quase ninguém sucumbe a ameaças desse género. A dramatização, a invocação permanente da ameaça do fascismo, a má-fé contra Cavaco e a sua demonização, as acusações de "saudosistas de Salazar", são argumentos de sociedade recreativa e não merecem ser usados por alguém com a sua biografia.
O discurso de Mário Soares foi o anúncio de um novo tipo de sebastianismo a declaração de que vem para unir os portugueses e para nos salvar de uma catástrofe. Só que poucos acreditam no desenho dessa catástrofe. E, quanto a estarmos todos unidos, parece-me um exagero.
P.S. Almeida Santos dizia, à TSF, que Cavaco tinha sido bom primeiro-ministro, mas que não tinha nenhuma experiência como presidente da República; isso era mau. Pelo contrário, Mário Soares tinha dois mandatos como presidente da República, o que significava mais experiência; e que isso era bom para "a mudança".
Não sei o que mais hão-de inventar.
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